|
|
||||
F. J. Craveiro de Carvalho Muitas vezes deparamos com textos poéticos, em geral curtos, caracterizados por algum humor e trazendo consigo algum ensinamento matemático. Despretensiosos, não se lhes pede mais. Neste texto, apresentamos um poema que ilustra uma conjectura matemática conhecida.
Pesadelo de um matemático Imaginemos um armazém de mercadoria variada – Todos os dias Madame X, Os preços pares Hoje paro diante Trata-se da tradução do poema A mathematician’s nightmare, de JoAnne Growney. Mesmo tendo em conta que se possa ter perdido algo na tradução, seria claramente excessivo qualificar esse poema como uma obra-prima. É um poema curioso, com alguns elementos de estranheza dados pelas referências a 27 e 59. Tentar descobrir por que surgem aqueles dois inteiros é, talvez, o caminho mais rico que o poema nos indica. Segundo a autora, O método da mudança de preços desse poema tem origem em uma versão da Conjectura de Collatz, um problema ainda não resolvido, que tem roubado horas de sono de muitos matemáticos. E, nesta altura, não tendo um dos autores alguma vez ouvido falar em tal conjectura, aí o temos a tentar descobrir que conjectura é essa, afinal.
Lothar Collatz Lothar Collatz (1910-1990) estudou Matemática e Física em universidades alemãs de 1928 a 1933, onde foi aluno, entre outros, de Hilbert, Courant e Schur. De 1943 a 1990, foi professor universitário e fundou, na Universidade de Hamburgo, o hoje famoso Institute of Applied Mathematics. Também esteve na origem de um dos primeiros centros de computação da Alemanha. Profundamente original e criativo, contribuiu significativamente para todas as áreas da Análise Numérica. Publicou mais de 200 artigos e vários livros, além de ter tido 50 estudantes de doutoramento. Morreu em 26 de setembro de 1990, apropriadamente, num simpósio internacional sobre Aritmética Computacional, Computação Gráfica e Modelagem Matemática. Vejamos a conjectura a que se dá o seu nome, formulada por volta de 1930, apresentada aqui em uma versão ligeiramente modificada: Escolha um número natural n, n > 0. Se n for par, divida-o por 2. Se n for ímpar, multiplique-o por 3, adicione 1 e divida o resultado por 2. Repita o processo com os resultados. Conjectura: qualquer que seja n, chegar-se-á desse modo no número 1. Em linguagem algébrica: Se f : é dada por então, para qualquer natural n, calculando-se f(n), f(f(n)), f( f(f(n))), ...., o inteiro 1 acabará por figurar nessa sequência de números. A conjectura continua em aberto (sem solução) e, sobre ela, Paul Erdös disse “A Matemática ainda não está preparada para problemas tão desconcertantes, difíceis e perturbadores como esse”, tendo oferecido um prêmio de 500 dólares pelo estabelecimento de sua verdade ou falsidade. Antes, H. S. M. Coxeter oferecera 50 e B. Thwaites propôs 1000 dólares. Assim, começando com n = 13, temos a sequência [13, 20, 10, 5, 8, 4, 2, 1}. Para n = 231, obtemos {231, 347, 521, 782, 391, 587, 881, 1322, 661, 992, 496, 248, 124, 62, 31, 47, 71, 107, 161, 242, 121, 182, 91, 137, 206, 103, 155, 233, 350, 175, 263, 395, 593, 890, 445, 668, 334, 167, 251, 377, 566, 283, 425, 638, 319, 479, 719, 1079, 1619, 2429, 3644, 1822, 911, 1367, 2051, 3077, 4616, 2308, 1154, 577, 866, 433, 650, 325, 488, 244, 122, 61, 92, 46, 23, 35, 53, 80, 40, 20, 10, 5, 8, 4, 2, 1}. Finalmente, para n = 27, {27, 41, 62, 31, 47, 71, 107, 161, 242, 121, 182, 91, 137, 206, 103, 155, 233, 350, 175, 263, 395, 593, 890, 445, 668, 334, 167, 251, 377, 566, 283, 425, 638, 319, 479, 719, 1079, 1619, 2429, 3644, 1822, 911, 1367, 2051, 3077, 4616, 2308, 1154, 577, 866, 433, 650, 325, 488, 244, 122, 61, 92, 46, 23, 35, 53, 80, 40, 20, 10, 5, 8, 4, 2, 1}, vendo-se que só após 59 iterações se obtém um inteiro inferior a 27. No poema de JoAnne Growney, cada iteração é um dia e, apenas após 59 dias, é que o preço do espelho é inferior a 27 dólares.
Este texto foi extraído do Jornal de Matemática Elementar, n 287/7.
. |