Rodrigo C. Fonseca
NIPEC – SP

 

Resolva a equação 64x3 56x2 + 14x – 1 = 0, no universo dos números complexos, sabendo que suas raízes estão em progressão geométrica.

O professor, prontamente, iniciou a resolução da questão que, aliás, já havia resolvido inúmeras vezes, em aulas idênticas, para alunos supostamente iguais:

Solução

Sejam r, s e t as raízes da equação proposta. Como r, s e t estão em PG, pode-se assumir, sem perda de generalidade, que

s2 = r × t.

Das relações de Girard: r × s × t = 1/64.

Então, s3 = 1/64, que implica s = 1/4.

Aplicando o dispositivo prático de Briot-Ruffini,

reescrevemos a equação na forma (x – 1/4)(64 x2 40 x + 4) = 0.

Conclui-se, portanto, que as raízes são 1/2, 1/4 e 1/8.

A leitura de outro enunciado já havia sido iniciada, quando o professor foi surpreendido por uma pergunta: “Professor, e quanto às outras raízes cúbicas de 1/64? Por que o senhor não levou em consideração as raízes

O professor, como quem desperta de uma condição inercial e despretensiosa, ficou surpreso com a pergunta e respondeu: “Não sei. Mas vou procurar saber!”.

O texto que se segue pretende discutir a resolução utilizada pelo professor e sua relação com a pergunta feita pelo aluno.

Considere a equação ax3 + bx2 + cx + d = 0 em que a, b, c e d são números complexos com a ≠ 0. Sejam as três raízes x1, x2 e x3 da equação números complexos em progressão geométrica, ou seja, tais que (x2)2 = x1 x3 .

Pelas Relações de Girard, tem-se que:

(1) x1 + x2 + x3 = – b/a

(2) x1 x2 + x1 x3 + x2 x3 = c/a

(3) x1 x2 x3 = – d/a

Pela hipótese: (x2)2 = x1 x3 (4).

Substituindo (4) em (2): x1 x2 + (x2)2 + x2 x3 = x2 (x1 + x2 + x3) = c/a.

Como x1 + x2 + x3 = – b/a, conclui-se que: x2(– b) = c (5).

Suponhamos inicialmente que b ≠ 0. Nesse caso, x2 = – c/b .

Então, x2 é real se, e somente se, – c/b é real.

Lembrando que, dados dois números complexos z e w, com w ≠ 0:

R Im(z)Re(w) = Im(w)Re(z),

x2 é real se, e somente se, Im(– c)Re(b) = Im(b)Re(– c).

Em particular, se os coeficientes b e c da equação são números reais, com b ≠ 0, então x2 é um número real.

No caso em que b = 0, por (5) temos c = 0. Nesse caso, as raízes da equação são as raízes cúbicas de – d/a. Pela fórmula de De Moivre, elas necessariamente estão em progressão geométrica, mas, nesse caso, x2 pode não ser um número real.

Assim, a resposta dada pelo professor no exemplo inicial está correta (embora a solução esteja incompleta), pois, como b e c são números reais não nulos, pode-se garantir que x2 é um número real e, assim, ignorar as raízes não reais de 1/64.

Note que, se ax3 + bx2 + cx + d = 0 (com a ≠ 0) for tal que Im(– c)Re(b) ≠ Im(b)Re(– c), então x2 NÃO é um número real e, nessas condições, o método utilizado pelo professor não é indicado. Isso pode ser constatado no exemplo a seguir:

 

Exemplo

Resolva a equação 2x3 + (1 – i)x2 – (1 + i)x – 2 = 0, sabendo que suas raízes estão em progressão geométrica.

Solução

Sejam x1, x2, x3 as raízes da equação. Como anteriormente, podemos supor que (x2)2 = x1 x3. Da relação de Girard x1 x2 x3 = – (–2)/2 = 1, temos x1 x2 x3 = 1; logo, (x2)2 x2 =1. Então, (x2)3 = 1 e x2

É fácil perceber que x2 = 1 não é solução da equação proposta.

Uma abordagem que funciona no caso geral, consiste em explorar as outras relações de Girard. No nosso exemplo:

x1 + x2 + x3 = e x1x2 + x1x3 + x2x3 =

Logo, x1x2 + (x2)2 + x2x3 = x2(x1 + x2 + x3) = e, como

x1 + x2 + x3 = , conclui-se que

x1 = = ou x2 = =

Aplicando-se o dispositivo de Briot-Ruffini,

a equação pode ser reescrita como (x) (2x2 – 1 – i) =0 e suas raízes são, então:

, que estão em PG de razão q = i.