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Antonio Claudio Lage Buffara
François Viète (1562-1603) foi um advogado francês que serviu como conselheiro na corte dos reis Henrique III e Henrique IV. Apesar de sua profissão, Viète escreveu diversos tratados sobre Astronomia e Trigonometria, nos quais utilizou frações decimais (vinte anos antes da publicação do artigo de Simon Stevin que difundiu o seu uso) e observou que as órbitas dos planetas eram elipses (quarenta anos antes de Kepler). Numa certa ocasião, um matemático holandês desafiou os matemáticos da Europa a resolver uma dada equação de grau 45. Ao ser apresentado à tal equação, Viète a converteu num problema de Trigonometria e obteve a solução – correta – em questão de minutos. Sua maior contribuição, no entanto, foia introdução de letras para representar variáveis e constantes em problemas e equações. Por causa disso, esse advogado é considerado por muitos o pai da Álgebra Moderna e o maiormatemático do século 16. Pierre de Fermat (1601-1665) também foi um advogado francês que serviu no Parlamento de Toulouse. De seu trabalho jurídico pouco se sabe. Por outro lado, nas horas vagas, Fermat inventou um método para achar máximos e mínimos de funções reais que é essencialmente aquele ensinado atualmente nos cursos de cálculo diferencial. Além disso, foi um dos pioneiros no desenvolvimento da Geometria Analítica, da Teoria das Probabilidades e da Ótica Geométrica. Sua paixão, entretanto, era a Teoria dos Números. Devido às suas inúmeras descobertas nessa área, o advogado Pierre de Fermat é considerado, com justiça, o fundador da moderna Teoria dos Números. Se não foi o maior matemático do século 17, Fermat deve estar entre os três ou quatro maiores. Seus competidores são Isaac Newton (1642-1727), Gottfried Leibniz (1646-1716) e René Descartes (1596-1650). Newton dispensa maiores comentários, exceto pela observação de que, ao ingressar na Universidade de Cambridge em 1661, pretendia estudar Filosofia, Leis, etc. Leibniz possuía diversos interesses intelectuais. Em Matemática, sua maior contribuição foi, sem dúvida, o desenvolvimento do Cálculo Diferencial e Integral. O que nos interessa aqui, entretanto, é o fato de Leibniz ter obtido um doutorado em Direito pela Universidade de Nuremberg em 1666. A fama de Descartes deve-se principalmente a seus escritos filosóficos. No entanto, ele foi o inventor da Geometria Analítica, a disciplina que estabeleceu a ponte entre a Geometria e a Álgebra e, assim, viabilizou a revolução matemática que foi a criação do Cálculo. Apesar de nunca ter exercido nenhuma profissão na área jurídica, Descartes se formou em direito pela Universidade de Poitiers em 1616. Podemos citar ainda Arthur Cayley (1821-1895), que se dedicou ao Direito durante 14 anos antes de assumir uma cátedra de Matemática na Universidade de Cambridge. Durante esses 14 anos, embora exercesse com sucesso a profissão de advogado, publicou mais de 200 trabalhos de Matemática, abrangendo grupos finitos, curvas algébricas, matrizes, determinantes, invariantes algébricos e outros temas. Após esse período, com signifi cativo prejuízo fi nanceiro, abandonou o Direito e dedicou-se apenas à Matemática. Os exemplos anteriores sugerem duas perguntas: 1. Dado que Direito e Matemática são duas disciplinas tão diferentes e distantes uma da outra, como explicar os exemplos acima, de advogados (ou, pelo menos, pessoas formadas ou interessadas em Direito) que se revelam matemáticos de primeira grandeza? 2. Por que hoje em dia é comum encontrar advogados que admitem detestar a Matemática e também jovens que só escolhem cursar uma faculdade de Direito para que nunca mais precisem abrir um livro ou assistir a uma aula sequer de Matemática? A primeira pergunta começa com uma premissa falsa ou, na melhor das hipóteses, questionável. De fato, um exame superficial dos objetivos e da forma como são praticados o Direito e a Matemática mostra que essas duas disciplinas têm muito em comum. O objetivo do advogado é defender da melhor forma possível os direitos e interesses do cliente. Para isso, o advogado não só deve conhecer muito bem as leis, as doutrinas e a jurisprudência relativas ao seu ramo do Direito, mas também deve exercitar sua criatividade e seu raciocínio lógico-dedutivo a fim de elaborar contratos e desenvolver argumentos que consigam, ao mesmo tempo,atender às necessidades do cliente e respeitar as leis vigentes. O objetivo do matemático é descobrir e demonstrar novos teoremas que devem ser consequências lógicas dos axiomas e de teoremas já demonstrados. Para conseguir demonstrar um novo teorema, o matemático não só deve conhecer muito bem os axiomas e teoremas já estabelecidos no seu ramo da Matemática, mas também deve exercitar sua criatividade e seu raciocínio lógico-dedutivo a fim de desenvolver argumentos que estabeleçam a veracidade do teorema e que, de preferência, sejam simples e elegantes. Assim, considerando essa semelhança entre o Direito e a Matemática, talvez já não seja mais tão surpreendente o fato de que advogados como Viète e Fermat também tenham sido matemáticos de mão cheia. Afinal, em suas carreiras jurídicas, ambos devem ter tido uma longa prática inventando e desenvolvendo argumentos engenhosos e originais (criatividade), além de impecáveis (raciocínio lógico-dedutivo), a partir de axiomas e teoremas já existentes. Só que, no caso deles, enquanto advogados, esses axiomas e teoremas eram chamados de leis, doutrinas e jurisprudência. E quanto à segunda pergunta? Se, de fato, Direito e Matemática têm semelhanças por enfatizarem a criatividade e a lógica, como explicar a aversão que vários advogados e candidatos ao curso de Direito têm pela Matemática? A resposta está, talvez, no que essas pessoas entendem por Matemática. E voltamos ao problema da Matemática dos ensinos fundamental e médio, que, em vez de incentivar a criatividade, a experimentação e o raciocínio, enfatiza mais as atividades mecânicas e repetitivas. Assim, muitos estudantes inteligentes, curiosos e inventivos acabam desnecessariamente buscando refúgio em cursos universitários e profissões nos quais não precisem lidar com a enfadonha Matemática das contas intermináveis, dos problemas sem sentido e da “decoreba”. E continuaremos encontrando em várias profissões pessoas que, por nunca terem sido expostas à verdadeira Matemática, desconhecem seu eventual potencial nessa área e acreditam nunca terem tido “jeito para Matemática”.
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