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Julio Cesar A. de Paula Santos
Introdução Ao prepararmos uma oficina sobre números primos para professores de Matemática, nos deparamos com um artigo muito interessante de Abigail Kirk, intitulado Catching primes, cujo conteúdo gostaríamos de compartilhar com os leitores da RPM. O artigo original está disponível (em inglês) em http://plus.maths.org/issue47/features/ kirk/index.html (acesso em 11/09/2010). Recordemos que um número primo é um número natural maior ou igual a 2 que tem exatamente dois divisores distintos, a saber, 1 e ele mesmo. Um número natural maior ou igual a 2 que não é primo é dito composto. O número 1 não é considerado um número primo nem composto. Muito se sabe sobre os primos desde a Grécia Antiga. Nessa época já se conhecia um dos pilares da Teoria dos Números – e que os professores da escola básica de hoje ainda devem garantir que seus alunos conheçam: o Teorema Fundamental da Aritmética, que afirma: Qualquer número natural pode ser fatorado como produto de primos. Essa fatoração é única, a menos de uma possível reordenação dos fatores. Mesmo sendo um assunto tão antigo, a pesquisa sobre números primos continua sendo importante, atual e muitas questões fundamentais permanecem sem resposta. Uma interessante questão em aberto é a Conjectura de Goldbach, que afirma que todo número par maior que 2 é a soma de dois primos, tais como 12 = 5 + 7, 80 = 37 + 43, 150 = 71 + 79. O fato de não se ter certeza se a afirmação é verdadeira para todos os números pares desperta, em geral, curiosidade e motivação nos alunos. Desafiá-los a escrever todos os pares até 50 (ou até 100) como soma de dois primos pode ser uma atividade divertida, além de instrutiva. Outra conjectura curiosa é a que afirma que existem infi nitos primos gêmeos, isto é, números primos cuja diferença é 2. São exemplos de primos gêmeos os pares de números 3 e 5, 17 e 19, 41 e 43, 59 e 61. Verificar se um número n é ou não primo é um exercício que pode serfeito por tentativas. Mas a verifi cação para números grandes é extremamente trabalhosa. Por isso, estão sendo desenvolvidos algoritmos cada vez mais eficientes e sofisticados para verificar se um número é primo ou composto. Os números primos são importantes em tecnologia da informação, mais precisamente em criptografia, que faz uso justamente da dificuldade de fatorar números grandes em produto de primos. Só para termos uma noção da ordem de grandeza dos números estudados nos dias de hoje, o maior número primo encontrado até o início do ano de 2010 tem 13 milhões de casas decimais. Neste texto apresentamos uma representação geométrica do conhecido crivo de Eratóstenes (ver, por exemplo, RPM 11, p. 6) para determinação de primos. Essa representação foi criada pelos matemáticos russos Yuri Matiyasevich (1947- ) e Boris Stechkin (1920 - 1995) e é encontrada no artigo mencionado no primeiro parágrafo da página anterior.
Construção Considere em um plano um sistema de coordenadas cartesiano com origem O e tome a parábola de equação y = x2. Marque os pontos do gráfico da forma (–k, k2) e os pontos da forma (n, n2), para k e n naturais, maiores ou iguais a 2. Ligue, por segmentos de retas, todos os pontos marcados que estão à esquerda do eixo vertical com cada ponto à direita desse eixo. Começaremos ligando o ponto (–2, 4) ao ponto (2, 4). Tal segmento será denotado por S2,2. Repare que S2,2 intersecta o eixo vertical no ponto de ordenada 4. A seguir, ligamos o ponto (–2, 4) a cada um dos pontos (3, 9), (4, 16), (5, 25), (6, 36), ..., por segmentos denotados respectivamente por S2,3, S2,4, S2,5, S2,6, ... . Repare que, para cada n 2, o segmento S2,n intersecta o eixo vertical no ponto de ordenada 2n. Em outras palavras, no eixo vertical, os números 4, 6, 8, 10, 12, ... estão sendo riscados pelos segmentos construídos. Da mesma maneira, tomamos a seguir cada um dos segmentos S3,n que ligam o ponto (–3, 9) aos pontos (n, n2) (com n natural, n 2). Tais segmentos irão cruzar o eixo dos y nos múltiplos de 3 que são maiores ou iguaisa 6: 6, 9, 12, 15, .... Continuando dessa forma, iremos tomar todos os segmentos Sk,n com k, n 2, que intersectam o eixo dos y nos pontos de ordenada kn. Se observarmos os números inteiros positivos no eixo dos y, os únicos que não serão atingidos por nenhum segmento Sk,n serão o número 1 e os números primos. Assim, os segmentos Sk,n “pescam” os números compostos, mas deixam escapar todos os números primos.
Uma propriedade da parábola Por trás da construção que acabamos de fazer há uma propriedade muito interessante da parábola de equação y = x2: Escolha dois números reais a e b, estritamente positivos, e tome o segmento que liga os pontos A = (–a, a2) e B = (b, b2) da parábola. Se I é o ponto de intersecção desse segmento com o eixo y, então a ordenada de I é o produto ab. Determinar a equação da reta AB e encontrar o ponto de intersecção de AB com o eixo dos y pode ser um exercício interessante que comprova a propriedade acima. Podemos também verificar a propriedade enunciada usando semelhança de triângulos. Para isso, destacamos os pontos C = (0, a2) e D = (b, a2), como indicados na figura anterior. Como o ângulo IÂC é comum aos triângulos ACI e ADB, e os ângulos AI e AB são retos, podemos concluir que os dois triângulos são semelhantes (caso AA de semelhança) e, portanto, as medidas dos lados correspondentes são proporcionais. Em particular , ou seja, . Logo, CI = ab – a2. Como a2 é a medida OC, concluímos que o comprimento OI é ab ou, ainda, que a ordenada do ponto I é igual a ab. Note que um assunto normalmente abordado no sexto ano do ensino fundamental foi tratado aqui em conexão com função do segundo grau, equações de reta e semelhança de triângulos. Proporcionar aos alunos a oportunidade de retomar assuntos por outros pontos de vista, fazendo conexões entre vários conteúdos, acrescenta grande riqueza de significados ao ensino de Matemática. Vale a pena tentar!
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