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Paulo Cezar Pinto Carvalho Em época de Copa do Mundo, como a que acabamos de assistir, os álbuns de figurinhas com os jogadores das seleções participantes despertam grande interesse. Nesta última Copa, esse interesse não ficou restrito às crianças. Foi comum ver pessoas de todas as idades com seus álbuns, trocando figurinhas. Uma pergunta que interessa a todos os colecionadores (e a seus pais, no caso dos jovens) é: quanto se gasta para completar um álbum até o final, levando em conta as figurinhas repetidas? Naturalmente, não há uma resposta determinística para essa pergunta. O processo de compra de figurinhas e de ocorrência de repetições é um fenômeno aleatório: diferentes colecionadores compram diferentes quantidades de figurinhas, dependendo da “sorte” e de suas alternativas de troca de figurinhas. Assim, as formulações matemáticas do problema devem envolver a linguagem probabilística: “qual é a probabilidade de ser preciso comprar mais do que n figurinhas?” ou “em média, quantas figurinhas um colecionador precisa comprar?”. Neste artigo, vamos responder à segunda questão acima, aproveitando a oportunidade para introduzir um importante conceito, que tradicionalmente não é abordado no ensino básico: o de valor esperado ou valor médio de um resultado aleatório (mais tecnicamente, de uma variável aleatória). Suponhamos que um determinado resultado aleatório pode assumir os valores x1, x2, x3... com probabilidades p1, p2, p3... . Definimos seu valor médio (ou esperado) como m=p1x1+p2x2+p3x3+... . Convém fazer duas observações sobre essa definição. A primeira é que essa soma é a média ponderada dos resultados, em que os pesos são as respectivas probabilidades (a soma dos pesos é igual a 1 e, por isso, não aparece um denominador na expressão). A segunda é que, na definição acima, consideramos a possibilidade de termos uma infinidade de resultados possíveis. (Neste caso, é preciso, naturalmente, assegurar que a soma infinita resultante esteja bem definida; nos casos que abordaremos, isso acontece, mas alertamos o leitor para a necessidade de um tratamento mais cuidadoso no caso geral; ver [1], por exemplo.) Para resolver o problema do álbum de figurinhas, vamos antes abordar a seguinte situação mais simples. Suponhamos que executemos seguidamente um procedimento, que em cada realização tem uma certa probabilidade p de ser bem-sucedido, com 0 < p < 1. Qual é o número médio de tentativas independentes até se obter sucesso? Um exemplo dessa situação ocorre quando lançamos um dado seguidamente, na tentativa de obter um resultado igual a 6. Supondo que o dado seja equilibrado, temos, nesse caso, p = 1/6. O número de tentativas até obter um sucesso pode assumir qualquer valor inteiro positivo. Para que o primeiro sucesso ocorra na n-ésima tentativa, é preciso que ocorram n – 1 tentativas frustradas, seguidas por uma tentativa bem-sucedida. Como tentativas frustradas têm probabilidade 1– p, tentativas bem-sucedidas têm probabilidade p. Sendo todas as tentativas independentes, a probabilidade de que o primeiro sucesso ocorra na n-ésima tentativa é igual a (1– p)n – 1 p. Portanto, o número médio de tentativas até o primeiro sucesso é m = 1. p + 2.(1– p)p + 3. (1– p)2 p + ... A soma acima lembra a soma de uma progressão geométrica infinita; a diferença é que aparecem coeficientes 1, 2, 3, ... nos diversos termos. Uma forma de calcular a soma é escrever esses termos como somas de termos com coeficiente 1 e organizar a soma como indicado a seguir: m = p + (1 – p)p +(1 – p)2p +(1 – p)3p... Agora, em cada linha temos a soma infinita de uma progressão geométrica de razão 1– p. Somando cada linha (note que o resultado de cada soma é um valor real, já que a razão é um número entre 0 e 1) e somando os resultados, obtemos: Temos a soma dos termos de uma nova progressão geométrica, novamente de razão 1– p, que nos leva a No caso do lançamento do dado até chegar a um 6, obtemos m = = 6 o que é consistente com a intuição: como, em média, um em cada 6 lançamentos dá 6, é razoável que sejam necessários em média 6 lançamentos, até obter um 6. Para, finalmente, resolver o problema das figurinhas, vamos considerar: i) todas as figurinhas são impressas nas mesmas quantidades (ou seja, não há figurinhas “difíceis”); ii) o número de figurinhas impressas é tão grande que podemos considerar que as figurinhas obtidas em cada compra são independentes das obtidas nas demais; iii) as figurinhas são compradas uma a uma (ou seja, cada pacote contém uma única figurinha). Embora, na verdade, as figurinhas usualmente sejam compradas em pacotes com várias figurinhas, a última hipótese facilita a análise, sem modificar de modo essencial os resultados. Suponhamos que o álbum tenha um total de N figurinhas e que já tenhamos n figurinhas no álbum. O processo de obter a próxima figurinha não repetida é exatamente como o descrito anteriormente: cada compra tem probabilidade igual a de resultar em uma figurinha repetida. Logo, cada tentativa (compra) tem probabilidade p = de ser bem-sucedida (ou seja, de resultar em uma figurinha nova, não repetida). Portanto, o número médio de tentativas até se obter a próxima figurinha nova é igual a Agora, basta pensar no preenchimento do álbum como um processo que ocorre em N etapas: compramos F0 figurinhas até colar a 1 figurinha no álbum; depois, mais F1 figurinhas até colar a 2, e assim por diante, até que, finalmente, compramos FN–1 figurinhas para colar a última figurinha no álbum. O número total de figurinhas compradas é F0 + F1 + ... + FN–1. Como o valor médio de uma soma de resultados aleatórios é a soma dos valores médios de cada parcela (ver [1]) e, conforme visto acima, o valor médio de Fn é , o número médio de figurinhas a comprar até completar o álbum é Ou seja, o número médio de figurinhas a comprar é o número N de figurinhas do álbum multiplicado pelo fator Esse fator cresce à medida que aumenta o tamanho do álbum. Valores exatos dele podem ser facilmente calculados com auxílio, por exemplo, de uma planilha eletrônica. Além disso, usando o fato de que dx = lnN temos ln(N + 1) < 1 + +...+ < 1 + lnN . Ou seja, o fator pelo qual o número de figurinhas do álbum é multiplicado é da ordem de ln N. A tabela e o gráfico a seguir mostram como esse fator multiplicativo cresce com N. Note que, para completar um álbum como o da última Copa, que tinha 640 figurinhas, o número médio de figurinhas a comprar é aproximadamente 7 vezes esse número (ou seja, o maço de figurinhas repetidas contém, em média, 6 vezes o número de figurinhas do álbum). É claro que, na maior parte dos casos, uma pessoa não coleciona figurinhas solitariamente. As figurinhas repetidas são trocadas entre os colecionadores, diminuindo o número de figurinhas repetidas ao final da coleção. Qual será o número médio de figurinhas repetidas nesse caso? Para analisar essa situação, necessitamos de métodos mais sofisticados, que confirmam o que diz a intuição: o fato de trocar figurinhas faz com que cada colecionador tenha que comprar, em média, quantidades bem menores de figurinhas. Consideremos, por exemplo, a situação em que dois colecionadores fazem uma coleção solidária: cada vez que um pacote é comprado, a figurinha vai para um colecionador que necessite daquela figurinha (por exemplo, por sorteio), sem haver necessidade de fazer trocas. Nesse caso, é possível verificar que o número total de figurinhas repetidas, para um álbum de 640 figurinhas, é, em média, igual a 7,37 vezes o número de figurinhas do álbum (note que, quando os colecionadores são solitários, o número total de figurinhas repetidas é, em média, cerca de 12 vezes o número de figurinhas). Moral da história: vale a pena trocar figurinhas com os amigos!
Referência bibliográfica [1] JAMES, Barry R. Probabilidade: um curso em nível intermediário. IMPA, 2004. |