Francisca Andrea Macedo França
Assistente Acadêmica da OBME

 

Para a segunda fase da OBMEP 2009 foram feitas 841.139 inscrições de alunos em todo o Brasil. E com isso a OBMEP vem tendo cada vez mais destaque no ensino das escolas públicas e no ensino da Matemática no país.

Propõe-se neste texto apresentar duas questões da prova de segunda fase da OBMEP 2009, uma do nível 1 e outra comum aos níveis 1, 2 e 3. Ambas utilizam jogos para que o aluno perceba que mesmo nas atividades lúdicas podemos descobrir a Matemática.

A primeira questão que vamos apresentar é a Questão 3 do nível 1.

Questão 3 – Nível 1: Ana e Cristina estão jogando contra Beatriz e Diana. No início de cada partida, elas embaralham nove cartões numerados de 1 a 9 e cada uma pega dois cartões, sobrando sempre um cartão na mesa. Cada menina calcula seus pontos somando os números de seus cartões, e o número de pontos da dupla é a soma dos pontos das duas parceiras. Vence a dupla que fizer o maior número de pontos. Veja um exemplo de uma partida na tabela:

(a) Numa partida, Ana e Cristina tiraram somente cartões com números ímpares, e sobrou o       cartão de número 7. Qual foi o resultado da partida? Por quê?

(b) Uma partida pode terminar empatada se sobrar o cartão de número 8? Por quê?

(c) Uma partida pode terminar empatada se sobrar o cartão de número 5? Porquê?

(d) Em outra partida, uma das meninas tirou o cartão de número 3. Ana fez um ponto a menos       que Beatriz, que fez um ponto a menos que Cristina, que fez um ponto a menos que Diana.       Quantos pontos fez a dupla que ganhou?

O objetivo dessa questão era avaliar a capacidade do aluno em perceber e analisar possibilidades de resultados. Os itens (a) e (b) foram feitos corretamente pela maioria dos participantes da OBMEP. Porém, os itens (b) e (c) apresentavam uma sutil diferença de raciocínio que o aluno um pouco mais sagaz pôde perceber. No item (b), se sobrar o número 8, o total de pontos terá que ser ímpar; logo, não pode haver empate. Por outro lado, no item (c), que teve uma porcentagem menor de acertos nas provas, se sobra o número 5, o total de pontos fica par, o que permite a possibilidade de haver um empate. Era esperado que, para esse caso, os alunos percebessem a diferença entre “possibilidade de empate” e “existe empate”, notando a necessidade de exibir um exemplo de partida empatada.

Por fim, serão apresentadas três soluções possíveis para o item (d), mostrando que para resolver uma questão de Matemática existem vários caminhos, contemplando diferentes raciocínios e abordagens.

Solução

(a) Como sobrou o cartão de número 7 e Ana e Cristina só tiraram cartões ímpares, seus cartões foram 1, 3, 5 e 9; logo, a soma de seus pontos foi 1 + 3 + 5 + 9 = 18. Beatriz e Diana tiraram os cartões 2, 4, 6 e 8, cuja soma é2 + 4 + 6 + 8 = 20; podemos também ver esse total como

45 (total dos pontos) – 18 (pontos de Ana e Cristina) – 7 (carta que ficou na mesa) = 20.

Logo, Beatriz e Diana ganharam por 20 a 18.

(b) A soma dos valores de todos os cartões é 1+ 2 + 3 + ... + 9 = 45; se o 8 fica na mesa, então, para que a partida termine empatada, 45 – 8 = 37 (ou então 1 + 2 + 3 + 4 + 5 + 6 + 7 + 9 + 10 = 37) pontos devem ser divididos igualmente pelas duas duplas, o que é impossível, pois 37 é um número ímpar. Mais geralmente, se sobra um cartão de número par na mesa, a soma dos pontos das duplas é 45 – número par = número ímpar, e não pode haver empate nesse caso.

(c) Quando sobra o cartão de número 5, a soma dos pontos das duplas é 45 – 5 = 40, que é um número par. Se nesse caso uma partida termina empatada, cada dupla deve ter feito 40/2 = 20 pontos. Para argumentar que o empate pode realmente acontecer nessa situação, é necessário exibir um exemplo de uma partida que termine empatada em 20 a 20; um exemplo é quando uma dupla retira os cartões de números 1, 2, 8 e 9 e a outra retira os restantes.

(d)

1 solução: O cartão com menor número que pode sobrar é 1 e o maior é 9. Logo, a soma dos pontos feitos pelas duas duplas varia de 45 – 9 = 36 a 45 – 1 = 44 , ou seja, os pontos das meninas são quatro números consecutivos cuja soma está entre 36 e 44. As possibilidades {1,2,3,4}, {2,3,4,5}, {3,4,5,6}, {4,5,6,7}, {5,6,7,8}, {6,7,8,9} e {7,8,9,10} não servem, pois, em qualquer delas, a soma dos números é menor que 36. Analogamente {10,11,12,13}, {11,12,13,14}, {12,13,14,15}, {13,14,15,16} e {14, 15, 16, 17} não servem, pois, em qualquer caso, a soma dos números é maior que 44. Restam as possibilidades {8,9,10,11} e {9,10,11,12}. No primeiro caso, o cartão que ficou na mesa é o de número 45 – (8 + 9 + 10 + 11) = 7 e no segundo é o de número 45 – ( 9 + 10 + 11 + 12) = 3. Como o cartão que ficou na mesa não foi o de número 3, só resta a primeira possibilidade; concluímos que Ana fez 8 pontos, Beatriz fez 9, Cristina fez 10 e Diana fez 11. A dupla que venceu foi Beatriz e Diana, com 9 + 11 = 20 pontos, contra 8 + 10 = 18 de Ana e Cristina.

2 solução (com um pouco de álgebra, que pode estar fora do alcance de alunos do nível, embora tenhamos encontrado várias provas com essa solução): Se x é a pontuação de Ana, então, x + 1, x + 2 e x + 3 são as pontuações de Beatriz, Cristina e Diana, respectivamente. Logo, a soma dos pontos das duas duplas é x + (x + 1) + (x + 2) + (x + 3) = 4x + 6 que como vimos no parágrafo anterior é no mínimo 36 e no máximo 44. Logo, 36 4x + 6 44, ou 30 4x 40 e concluímos que 7,5 x 9,5. Logo, x = 8 ou x = 9 são os possíveis números de pontos de Ana. Se x = 8, estamos no caso {8, 9, 10, 11}, quando sobra o cartão de número 45 – (8 + 9 + 10 + 11) = 7, e, para x = 9, estamos no caso {9, 10, 11, 12}, quando sobra o cartão de número 45 – (9 + 10 + 11 +12) = 3. O restante do argumento segue como no parágrafo anterior.

3 solução (também algébrica): Após chegar a 4x + 6, como na solução anterior, notamos que 4x + 6 é par para qualquer x; sendo o total de pontos 45, deve sobrar um cartão ímpar entre 1, 5, 7 e 9, casos em que a soma dos pontos deve ser 44, 40, 38 e 36, respectivamente. Das equações 4x + 6 = 44, 4x + 6 = 40, 4x + 6 = 38 e 4x + 6 = 36, apenas a terceira tem solução inteira, que é x = 8. O restante da solução segue como o feito anteriormente.

Notamos que há apenas duas partidas que satisfazem as condições do enunciado; elas estão descritas nas linhas da tabela abaixo, que mostram os cartões de cada menina:

Apresentamos a seguir uma questão que foi comum aos níveis 1, 2 e 3, do jogo solitário Troca-Cor. Essa questão não exigia muito conteúdo, mas maturidade e criatividade na busca de estratégias para as diferentes situações apresentadas. Foi, sem dúvida, considerada uma das questões mais difíceis nos níveis 1 e 2.

Questão 6 – Nível 2: No jogo do Troca-Cor usa-se um tabuleiro com duas linhas e com quantas colunas quisermos, cujas casas podem mudar da cor branca para cinza e vice-versa. As casas da 1 linha são numeradas com os números ímpares e as da 2 linha com os números pares. Em cada jogada aperta-se uma casa e, então, essa casa e as casas vizinhas (casas que têm um lado comum) mudam de cor. Uma partida completa começa com todas as casas brancas e termina quando todas ficam cinza. Veja dois exemplos de partidas completas (os números acima das flechas indicam a casa apertada em cada jogada):

(a) Escreva as jogadas de uma partida completa nos tabuleiros a seguir.

(b) Explique como jogar uma partida completa no tabuleiro 2 × 100.

(c) Explique como jogar uma partida completa com exatamente 51 jogadas no tabuleiro 2 × 101.

(d) Explique por que não é possível jogar uma partida completa com menos que 51 jogadas no tabuleiro 2 × 101.

Solução

(a) Mostramos abaixo um jogo completo para cada tabuleiro, destacando as casas apertadas.

(b) Dividimos o tabuleiro 2 × 100 em 25 retângulos 2 × 4 e, em cada um desses retângulos, tornamos as casas cinza procedendo como ilustrado no item (a); notamos que, ao aplicar esse procedimento em um retângulo, os demais não são afetados. Desse modo podemos preencher todas as casas do jogo 2 × 100.

(c) Dividimos o tabuleiro como ilustrado na figura a seguir.

Na primeira linha selecionamos as casas 1, 9, 17,... , 193, 201 e na segunda as casas 6, 14, 22,..., 190, 198. Cada uma das casas selecionadas está dentro de uma região destacada com traço mais forte. Ao apertar uma dessas casas, ela e todas as outras casas de sua região ficam cinza, sem afetar as outras regiões. Apertando todas essas casas, podemos então preencher todas as casas do jogo 2 × 101. Notamos que há uma casa selecionada de duas em duas colunas, começando da primeira à esquerda, até uma casa na última coluna. Como as colunas são em número de 101, vemos que foram selecionadas 51 casas, que é o número de jogadas que foram necessárias para terminar o jogo do modo descrito.

(d) Não é possível acabar o jogo 2 × 101 com menos de 51 jogadas, pois cada jogada muda a cor de no máximo quatro casas. Assim, com 50 jogadas ou menos conseguiremos mudar a cor de no máximo 50 × 4 = 200 casas, mas no jogo 2 × 101 devemos mudar a cor de 202 casas. Logo, é impossível fazer menos do que 51 jogadas e deixar cinza todas as casas.

Deixamos como desafio para o leitor continuar a analisar os itens (b) e (c) no caso dos tabuleiros 2 × n, onde n deixa restos 2 ou 3 quando dividido por 4.

Uma versão eletrônica do jogo Troca-Cor está disponível no nosso site na internet, no endereço

http://download.obmep.org.br/forum/articulate/troca-cor/troca-cor.html