Ana Lúcia Braz Dias
Central Michigan University


Fractais têm dado ar novo às aulas de Geometria de muitos professores do ensino fundamental e médio. Esses objetos são criações relativamente recentes na Matemática e, apesar de constituírem um campo de investigação de vanguarda, têm algumas propriedades capazes de ser compreendidas e apreciadas pelas mentes curiosas de crianças e jovens. As representações gráficas dos fractais geralmente fascinam por sua beleza, seu aspecto fragmentado e pela característica conhecida como autossemelhança: partes dos objetos se assemelham ao todo e a subpartes. Fractais são notórios também pela relação intrigante entre seus perímetros e áreas. Esses objetos podem se tornar tão rugosos, tão fragmentados, que nos permitem encontrar perímetros extensos em áreas limitadas. Uma exposição mais detalhada sobre alguns dos fractais mais conhecidos, como o floco de neve de Koch, o triângulo de Sierpinski e o conjunto de Cantor, pode ser encontrada, por exemplo, no artigo Fractais no ensino médio, publicado na RPM 57.

Neste artigo apresentamos um fractal, criado pelo matemático George Grossman (1997), com algumas propriedades que podem ser exploradas em sala de aula de diversos níveis, do ensino fundamental, médio ou superior, com adaptações a cada caso.


Construção de fractais

É importante esclarecer que a construção de um fractal é um processo que não se completa em um número finito de passos. Ele se dá pela aplicação de uma regra de transformação em determinadas partes do objeto resultante, repetidas vezes. Idealmente, infinitas vezes.

Três informações são importantes então para a construção de um fractal:
a) qual é a semente; b) qual é a transformação ou o procedimento gerador; e c) onde será aplicado o procedimento gerador.

Por exemplo, o floco de neve de Koch parte de um triângulo equilátero, que podemos dizer então ser o seu Estágio 0, ou semente. A transformação geradora desse fractal se aplica a segmentos de reta e está ilustrada na figura 1. A cada estágio iteramos a regra para obter o estágio seguinte. Neste caso, uma iteração consiste em aplicar a transformação geradora a todos os segmentos de reta existentes naquele determinado estágio. A figura 2 ilustra os estágios 0, 1 e 2 do floco de neve de Koch.


figura 1


figura 2

A construção do fractal de Grossman

Como acontece com o floco de neve de Koch ou com o triângulo de Sierpinski, o fractal de Grossman é construído a partir de um triângulo. No entanto, enquanto aqueles partem de um triângulo equilátero, este começa com um triângulo retângulo isósceles.

A transformação geradora, ou a regra de iteração para a construção do fractal, consiste na construção de duas projeções ortogonais, que podem ser descritas mais facilmente da seguinte forma:

A partir do vértice do ângulo reto, baixe uma perpendicular ao lado oposto (a hipotenusa). Do ponto onde essa perpendicular intercepta a hipotenusa (o ponto médio), construa outro segmento de reta, dessa vez perpendicular a um dos catetos. A escolha do cateto é importante: se A é o vértice do ângulo reto, D é o ponto sobre a hipotenusa e E é o ponto sobre o cateto, este deve ser escolhido de tal forma que a semirreta DE deixa o ponto A à sua direita. Finalmente, eliminamos a região triangular formada no interior da figura.

Se considerarmos o triângulo da figura 3 como o estágio 0, o procedimento consiste em, partindo do ponto A, construir a perpendicular ao lado BC , que intercepta BC em D. Traçamos DE , a perpendicular a AB que passa por D, de tal forma que o ponto A fique à direita da semirreta DE, resultando no estágio 1 (figura 4) do fractal, no qual o triângulo retângulo isósceles original foi substituído por dois novos triângulos com um espaço vazio triangular entre eles. A estrutura do estágio 1 é a configuração que posteriormente será observada em várias partes de estágios mais avançados do fractal, no entanto em escalas e posições diferentes (o que constitui a chamada autossemelhança).

Já temos então duas informações sobre o fractal de Grossman: qual é a semente e qual é o procedimento gerador. Resta obter uma informação: onde aquele procedimento será aplicado a cada iteração? A resposta é: nos triângulos de maior área, a cada estágio, e apenas neles. Voltemos a observar o estágio 1, ilustrado na figura 4. Lembremos que o triângulo ADE foi retirado do fractal, e nele não ocorrerá mais nenhuma transformação. Temos, então, somente dois triângulos BED e ACD, dos quais ACD é o maior. Então, para obtermos o próximo estágio (figura 5), aplicaremos o procedimento gerador apenas no triângulo ACD.

Quantas regiões triangulares temos então no estágio 2 do fractal? Retiramos duas regiões, então permanecem como candidatos a futuras transformações apenas três triângulos (figura 5). Podemos observar que dois deles são congruentes, e de área maior que a do terceiro. Então será nesses dois triângulos maiores que aplicaremos o procedimento gerador para obter o estágio 3. Lembrando que o procedimento parte dos ângulos retos e prossegueem sentido horário, apresentamos o resultado na figura 6.

Podemos ver na figura 6 que o estágio 3 do fractal de Grossman ainda retém cinco triângulos, dos quais um trio e um par são congruentes entre si. O trio consiste nos triângulos de maior área — são nesses que se aplicará o procedimento gerador para a obtenção do estágio 4, apresentado na figura 7.

Número de triângulos a cada estágio

Se estivermos construindo fractais sem o auxílio de computador, observaremos que cada iteração é mais trabalhosa que a anterior. Por exemplo, observe a figura 2. Para construir o estágio 1 do floco de neve de Koch, temos que trabalhar nos três segmentos de reta do estágio 0. Para construir o estágio 2, o número de segmentos já aumenta para 12. A terceira iteração, do estágio 2 para o 3, já envolve 48 segmentos de reta. Apesar da crescente complexidade, há uma regularidade que nos permite prever em quantos segmentos de reta a transformação deverá ser aplicada. Começamos com três segmentos e cada iteração faz com que cada segmento dê lugar a quatro outros. Portanto, na n-ésima iteração trabalharemos com 3 × 4n –1 segmentos.

Será que podemos igualmente prever o número de triângulos envolvidos em uma iteração do fractal de Grossman? Para isso observamos os primeiros estágios e procuramos alguma regularidade. No estágio 0 havia apenas um triângulo, que participou da primeira iteração. No estágio 1, havia um triângulo maior e outro menor. Apenas um, o maior, participou da segunda iteração. A terceira iteração envolveu dois triângulos. A quarta, três triângulos. Até aí podemos ser tentados a concluir que a próxima iteração envolveria quatro triângulos, pensando que o número deles estivesse sempre sendo acrescido de uma unidade. Mas a figura 7 nos mostra que na quinta iteração aplicamos a transformação a cinco triângulos. A figura 8 mostra que no estágio 5 o número de triângulos “grandes”, que serão usados na próxima iteração, é oito. O leitor pode ter concluído que a sequência formada é a de Fibonacci, na qual cada termo é a soma de dois termos anteriores.

Se denotarmos por Qn e qn, n > 1, o número de triângulos maiores e menores a cada etapa, teremos Qn+1 = qn+ Qn, qn+1 = Qn. Segue Qn+1 = Qn+ Qn–1, o que define a sequência de Fibonacci. Isso nos permite prever que o estágio 6 da construção do fractal de Grossman terá 13 triângulos maiores.

A sequência de Fibonacci é obtida também se contarmos o número de triângulos menores a cada estágio, bem como se contarmos o número total de triângulos a cada estágio como mostra a tabela.

 

Bibliografia

Dias, A. L. B. e Grossman, G. W. Em primeira mão: a treliça de Grossman, um novo fractal.     Minicurso ministrado no IX Encontro Nacional de Educação Matemática. Belo Horizonte, MG, 18 a     21 de julho, 2007.
Grossman, G. W. Construction of fractals by orthogonal projection using Fibonacci sequence.     Fibonacci Quarterly, 35(3), 206-24.
Grossman, G. W. Triangles, points and fractions (poster). Chippewa Hills Middle School. Science     Exposition for Research Projects, Central Michigan University. abril, 1997.
Grossman, G. W. World of Fibonacci numbers (poster). Breckenridge Schools. Science Exposition     for Research Projects, Central Michigan University, abril, 1996.
Sallum, E. M. Fractais no ensino médio. RPM 57, 2005.