Roberto Ribeiro Paterlini
UFSCar

O estudo de volumes de sólidos no ensino médio tem" como base o Princípio de Cavalieri. Esse princípio também pode ser usado para áreas de regiões do plano. Existem, inclusive, versões mais gerais desse princípio, tanto para áreas como para volumes, em que a razão entre os comprimentos,ou áreas das fatias não precisa ser 1, mas pode ser uma razão positiva qualquer.

Não nos esqueçamos de que o Princípio de Cavalieri, normalmente adotado como postulado nos textos para ensino da Matemática Elementar, é, na verdade, um teorema. Para demonstrá-lo é suficiente usar alguns poucos conceitos da teoria de integração de funções reais. O Princípio de Cavalieri é adotado sem demonstração para evitar as dificuldades de se apresentar precocemente essa teoria. As dificuldades ficam concentradas em uma única afirmação, que é assumida como plausível mediante uma boa explicação do professor. A ideia traduzida por esse princípio é fácil de entender, e parece que os estudantes do ensino médio não têm resistência em aceitá-la.

 

Os princípios de Cavalieri para áreas e volumes

Esses princípios levam o nome do matemático italiano Bonaventura Francesco Cavalieri (1598-1647), que os chamava de método dos indivisíveis e os divulgou (em versões mais restritas) através de seu famoso livro Geometria Indivisibilibus, de 1635. Mas, na verdade, esse método é muito anterior a Cavalieri. Era conhecido dos antigos gregos, que o utilizavam para obter volumes de sólidos. Esses resultados eram depois demonstrados pelo método da dupla redução ao absurdo, já que na época não tinham uma teoria de integração. O mesmo faziam muitos matemáticos dos séculos XVI e XVII.

Vejamos duas versões desse princípio, uma para áreas e outra para volumes.

Princípio de Cavalieri para áreas. Sejam R e S regiões limitadas de um plano, e seja r uma reta desse plano. Suponha que, para toda reta s paralela a r, as interseções de R e S com s sejam vazias ou segmentos tais que a razão entre seus comprimentos é constante. Então a razão entre as áreas de R e S é essa constante.

É possível demonstrar esse resultado desde que as regiões não sejam muito complicadas. Em particular, vale para discos e regiões elípticas. A ideia inicial da demonstração é simples: estamos “fatiando” as duas regiões. Se a quantidade de fatias for finita e se cada fatia de uma região tiver área sempre na mesma razão que a fatia correspondente da outra região, então somamos as áreas das fatias de cada região e obtemos o resultado. A dificuldade é que, no Princípio de Cavalieri, as “fatias” são segmentos. Portanto, não têm área, mas comprimentos, e sua quantidade é infinita. Assim, para a demonstração, precisamos de uma técnica que permita obter a área de uma região através da soma dos comprimentos de infinitos segmentos. Essa técnica é fornecida pela teoria de integração de funções reais, estudada nos cursos de Cálculo Diferencial e Integral.

Princípio de Cavalieri para volumes. Sejam P e Q sólidos limitados, e seja a um plano. Suponha que, para todo plano b paralelo a b, as interseções de P e Q com b sejam vazias ou regiões tais que a razão entre suas áreas é constante. Então a razão entre os volumes de P e Q é essa constante.

É possível provar esse princípio desde que os sólidos não sejam muito complicados. Em particular, o resultado vale para os sólidos que costumam ser estudados no ensino médio, como poliedros, esferas e elipsoides. Para fazer uma demonstração, novamente a teoria de integração de funções reais fornece a técnica necessária para obter o volume de um sólido através da soma das áreas de infinitas regiões.

 

Duas aplicações

Suponhamos que já temos definido o número p e que já sabemos que a área do disco de raio r é pr2. Uma forma de obter esses resultados é aproximar a circunferência por polígonos regulares inscritos (método geométrico de Arquimedes). Obtida a fórmula pr2 para a área do disco de raio r, o Princípio de Cavalieri para áreas permite calcular a área de qualquer elipse.

Área da elipse: A área da região elíptica de semieixos a e b é pab.

Para a demonstração, suponhamos b a > 0 e consideremos, em um sistema de coordenadas Oxy, a região R dada por 1 e y 0 (figura 1 à esquerda).


figura 1

Sejam f1(y) = – af2(y) = a, para 0 y b. Consideremos o semidisco S dado por x2 + y2 < b2 e y 0 (figura 1 à direita). Sejam g1(y) = – e g2(y) = , para 0 y b. Tomando uma reta paralela ao eixo Ox e de ordenada y, a interseção dessa reta com R é um segmento de comprimento f2(y) – f1(y), e com S é um segmento de comprimento g2(y) – g1(y). Notemos que

f2(y) – f1(y) = [g2(y) – g1(y)].

Estamos assim em condições de aplicar o Princípio de Cavalieri para áreas com a razão constante entre os comprimentos. Com isso temos

área(R) = área(S) = .

Essa é a área da metade da região elíptica. Duplicando, segue o resultado.

Uma das mais famosas aplicações do Princípio de Cavalieri para volumes é o cálculo do volume da esfera mediante sua comparação com um cilindro menos dois cones. Essa demonstração é apresentada em muitos livros-textos para o ensino médio. Com isso sabemos que o volume da esfera de raio r é pr3. A partir disso podemos calcular o volume de qualquer elipsoide.

Volume do elipsoide: O volume do elipsoide de semieixos a, b e c é pabc .

Para a demonstração, suponhamos c b a > 0 e consideremos o semielipsoide P definido por

  1, z 0.

O sólido P é delimitado pelos planos z = 0 e z = c e, para cada t tal que 0 t c, a interseção Pt de P com o plano z = t é obtida do seguinte modo:


figura 2

Seja d = Então Pt é uma região elíptica dada por 1 e, em virtude do resultado anterior, sua área é

p(ad)(bd) = pabd2 = p(c2t2).

Consideremos agora a semiesfera Q definida por x2 + y2 + z2 c2, z 0.

Esse sólido é delimitado pelos planos z = 0 e z = c e, para cada t tal que 0 t c, a interseção Qt de Q com o plano z = t é dada por

x2 + y2 + t2 c2 Ţ x2 + y2 c2t2.

Seja r = . Então, Qt é um disco de raio r e sua área é pr2 = p(c2t2). Notemos que, para cada t tal que 0 t c,

área(Pt) = área(Qt).

Estamos, assim, em condições de aplicar o Princípio de Cavalieri para volumes, sendo a razão entre as áreas das seções. Então

volume(P) = volume(Q) = pc3 = pabc.

Esse é o volume do semielipsoide, ou metade do resultado desejado.

 

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Referências bibliográfi cas

[1] Eves, H. Introdução à História da Matemática. Editora Unicamp, 2004.
[2] Guidorizzi, H. L. Um curso de Cálculo, vol. 1 e 3. 5 edição. Rio de Janeiro: LTC Editora, 2002.
[3] Lima, E. L. et alii. A Matemática do ensino médio, vol. 1, 2 e 3. Coleção do Professor de       Matemática. SBM, 1996.
[4] Saraiva, J. C. V. O volume do elipsoide no ensino médio. RPM 52.

 

 

ESPAÇO ABERTO

CONTEXTUALIZAÇÃO OU INSENSATEZ?

Vejam esta.

É de um concurso para Professores da Educação Básica do Estado do Ceará. No rodapé da prova está “UnB/CESPE-SEDUC/CE” “Disciplina 11: Matemática”.

Questão 45

Um ornitólogo conclui, a partir de suas pesquisas, que a altura máxima que os indivíduos de determinada espécie de pássaros conseguem atingir durante o voo é, em km, igual à metade do quadrado da maior distância entre dois números complexos que satisfazem a equação z3 = 8i. Nessa situação, a altura máxima atingida por indivíduos dessa espécie é:

(a)... (b)... (c)... (d)...

RPM: É o fundo do poço?