Sérgio Alves

IME − USP

Qual é o centro de massa de um triângulo? Certamente a maioria dos professores e estudantes de Matemática ou Física dará como resposta o baricentro do triângulo (o ponto de concorrência das suas três medianas). A resposta correta, no entanto, depende do entendimento que damos ao termo triângulo.

Dados três pontos não colineares A, B e C, adotamos como definição de triângulo ABC, de vértices A, B, C e lados AB, BC, CA, o conjunto obtido pela reunião desses segmentos, isto é, DABC = ABÈBCÈCA . Vamos, neste texto, definir como região triangular ABC a reunião do triângulo com o conjunto dos seus pontos interiores. Quando investigamos o conceito de centro de massa, é importante distinguir entre os conjuntos: o triângulo, modelado por um arame fino homogêneo, a região triangular, modelada por uma lâmina delgada homogênea, e o conjunto formado por três pontos não colineares afetados de determinadas massas.

A experiência de recortar um triângulo num cartão homogêneo e observar que o triângulo fica equilibrado quando apoiado pela ponta de um lápis colocado no encontro de suas medianas reflete o fato de que o centro de massa da região triangular é o baricentro do triângulo. Fisicamente é como se a massa total do modelo estivesse concentrada nesse ponto (veja RPM 63, p. 33).

Assim como para a região triangular homogênea, o centro de massa de três pontos não colineares afetados de massas iguais é também o baricentro do triângulo defi nido por tais pontos. Por outro lado, quando investigamos o centro de massa de um triângulo surge um novo ponto notável do triângulo, em geral distinto do seu baricentro. Que ponto é esse?

O centro de massa de um sistema discreto de pontos

Considere dois corpos de massas positivas m1 e m2 pendurados nas extremidades de uma barra rígida de massa desprezível. Há um único ponto G onde a barra pode ser apoiada de modo que o sistema fi que em equilíbrio: G é o centro de massa do sistema.

Sendo d1 a distância entre G e a extremidade P1 onde m1 está pendurado e d2 a distância correspondente entre G e a extremidade P2, a posição de G é determinada pela condição

m1d1 = m2d2. (1)

Assim, se a massa m1 for o dobro de m2, para que haja equilíbrio, a sua distância d1 ao ponto de apoio deve ser a metade da distância d2. Esse princípio foi descoberto por Arquimedes e é conhecido como a Lei da Alavanca.

Se considerarmos uma orientação para a reta r que contém os pontos P1 e P2, então G é o único ponto de r que satisfaz a igualdade

m1GP1 + m2GP2 = 0. (2)

Com efeito, as duas distâncias orientadas GP1 e GP2 têm sinais contrários se e somente se o ponto G está entre os pontos P1 e P2. Logo (2) é equivalente a m1d1m2d2 = 0, que é o mesmo que (1).

Se xi é a coordenada (na reta r) do ponto Pi, i = 1, 2 e x é a coordenada do centro de massa G do sistema, então podemos escrever (2) como m1(x1 x) + m2(x2 x) = 0. Desenvolvendo essa expressão, obtemos

m1x1 + m2x2 = x(m1 + m2), ou seja, . (3)

Em particular, se m1 = m2, então de modo que G é o ponto médio do segmento
.

Se P1, P2,..., Pksão pontos do plano, não necessariamente colineares, afetados de massas positivas m1, m2, ..., mk, respectivamente, definimos o centro de massa do sistema como sendo o único ponto G do plano que satisfaz a relação . (4)

Equivalentemente, o centro de massa G do sistema pode ser caracterizado como sendo o ponto

(5)

onde m = m1 + m2 + ... + mke O é um ponto arbitrário do plano.

Para indicar o centro de massa dos pontos P1, P2, ..., Pk, afetados de massas m1, m2, ..., mk, respectivamente, usaremos a notação:

cm {(P1, m1), (P2, m2), ..., (Pk, mk)}.

Destacamos a seguir duas consequências imediatas da definição acima que serão utilizadas neste trabalho.

1. O centro de massa do sistema não se altera se todas as massas são multiplicadas por um mesmo fator não nulo.

2. Propriedade associativa do centro de massa:

sendo m = m1 + m2 + ... + mk e n = n1 + n2 + ... + nj, se P = cm{(P1, m1),

(P2, m2), ..., (Pk, mk)}, Q = cm{(Q1, n1), (Q2, n2), ..., (Qj, nj)}

temos

cm{(P1, m1), (P2, m2), ..., (Pk, mk), (Q1, n1), (Q2, n2), ..., (Qj, nj)} =

cm{(P, m), (Q, n)}.

O baricentro e o incentro de um triângulo

Consideremos três pontos não colineares A, B e C afetados de massas iguais. Tomando-se O = A na expressão (5), temos que o centro de massa do sistema é dado por , sendo D o quarto vértice do paralelogramo ABDC (figura A).

O ponto A’, intersecção das diagonais AD e BC , é o ponto médio de ambas, ou seja, AA' é a mediana do triângulo ABC a partir do vértice A. Como , tal ponto não só pertence à mediana AA' , como também a divide na razão 2:1.

        

Analogamente provamos que G pertence a cada uma das outras duas medianas BB' e CC' do triângulo ABC e temos assim estabelecido a validade do seguinte resultado (figura B):

Proposição 1

O centro de massa de três pontos não colineares A, B e C afetados de massas iguais é o ponto de concorrência das três medianas do DABC. Esse ponto, denotado G, é chamado baricentro do DABC. Além disso, a distância de G a cada vértice é igual a do comprimento da respectiva mediana.

O triângulo ABC’ cujos vértices são os pontos médios dos lados do triângulo ABC recebe o nome de triângulo medial do triângulo ABC.

Sabemos que o DABC é semelhante ao DABC e seus lados medem B'C' = a' = , A'C' = b' = , A'B' = c' = , onde, como de costume, indicamos por a = BC, b = AC e c = AB as medidas dos lados do triângulo ABC.

Sendo AL a bissetriz do triângulo ABC a partir do vértice A (figura C), o chamado teorema da bissetriz afirma que (veja RPM 61, p. 34).

Considerando uma orientação para a reta que contém B e C, a razão anterior é escrita como , ou seja, bLB + cLC = 0.

Pela relação (2) concluímos que L = cm{(B, b), (C, c)}.

Analogamente, mostramos que se BM e CN são as bissetrizes do triângulo ABC a partir dos vértices B e C, respectivamente, então

M = cm{(A, a), (C, c)} e N = cm{(A, a), (B, b)}.

        

Proposição 2

O centro de massa de três pontos não colineares A, B e C afetados de massas a = BC, b = AC e c = AB, respectivamente, é o ponto de concorrência das três bissetrizes do triângulo ABC. Esse ponto, denotado I, é chamado incentro do triângulo ABC (figura D).

Prova

Se AL é a bissetriz do triângulo ABC a partir do vértice A, então L = cm{(B, b), (C, c)} e sendo I = cm{(A, a), (B, b), (C, c)} temos, pela propriedade associativa do centro de massa, que

I = cm{(A, a), (L, b + c)}. Como as massas a e b + c são ambas positivas, segue que I Î AL .

Analogamente provamos que I Î BM e I Î CN onde BM e CN são as bissetrizes do triângulo ABC a partir dos vértices B e C, respectivamente.

Como I é um ponto da bissetriz AL , segue que I é um ponto do interior do triângulo ABC equidistante das retas e . Mas I também pertence à bissetriz BM de modo que I é equidistante das retas e .

Logo I está no interior do triângulo ABC e é equidistante das retas , e de modo que I é o centro de uma circunferência, chamada circunferência inscrita no triângulo ABC, tangente às três retas da figura anterior.

O centro de massa de um triângulo

O conceito de centro de massa de um sistema contínuo de pontos distribuídos ao longo de uma curva do plano é desenvolvido nos cursos de Cálculo e suas coordenadas são dadas por meio de uma integral. Porém, no caso de curvas simples como um triângulo, um argumento intuitivo nos permite reduzir o problema a uma situação discreta.

Para isso, considere um arame fino homogêneo na forma de um triângulo ABC. O termo homogêneo significa que a densidade linear (quantidade de massa por unidade de comprimento) do material utilizado na fabricação do arame é constante, ou seja, a massa está uniformemente distribuída. Portanto, podemos supor que a massa de cada lado do arame é proporcional ao seu comprimento. Além disso, como o centro de massa de dois pontos distintos P e Q afetados de massas iguais é o ponto médio do segmento PQ, é razoável pensar em concentrar a massa de cada lado do arame em seu ponto médio.

Definimos então o centro de massa do triângulo ABC, denotado cm{ΔABC}, como sendo o centro de massa dos pontos médios A’, B’ e C’ afetados de massas a, b e c, respectivamente. Assim,

cm{ΔABC} = cm{(A’, a), (B’, b), (C’, c)}.

Proposição 3

O centro de massa de um triângulo ABC coincide com o incentro do seu triângulo medial ABC’.

Prova

Os lados do triângulo medial medem

B'C' = a' = 2, A'C' = b' = 3, A'B' = c' = 1.

Pela definição, temos

cm{ΔABC} = cm{(A’, a), (B’, b), (C’, c)} =

cm{(A’, 2a’), (B’, 2b’), (C’, 2c’)} =

cm{(A’, a’), (B’, b’), (C’, c’)}.

Na última igualdade usamos a propriedade 1 anteriormente mencionada. Finalmente, pela proposição 2, concluímos que cm{(A’, a’), (B’, b’), (C’, c’)} = S, sendo S o incentro do triângulo medial ABC’.

O ponto S dado pela proposição é chamado ponto de Spieker do triângulo ABC em homenagem ao geômetra alemão do século XIX, Theodor Spieker,que publicou algumas de suas propriedades em 1870.

A circunferência, de centro S, inscrita no triângulo medial ABC’, é hoje denominada circunferência de Spieker do triângulo ABC. É possível verificar que o ponto de Spieker de um triângulo não equilátero difere do seu baricentro (faça como exercício) de modo que os centros de massa de um triângulo não equilátero e da correspondente região triangular são pontos distintos.