Geraldo Henrique Botelho Lins

Quando dividimos uma circunferência de raio unitário em n partes iguais, obtemos n pontos de divisão. Tomando um desses pontos e unindo-o aos demais, obtemos n – 1 cordas. Quando os comprimentos dessas cordas são fáceis de determinar, é possível encontrar o produto desses comprimentos e obter, de forma surpreendente, que esse produto é sempre igual a n, isto é, igual ao número de partes em que se dividiu a circunferência. Inicialmente vamos particularizar os valores de n, para estabelecer uma conjectura, e em seguida, convencidos de que a conjectura de fato é verdadeira para muitos valores de n, enunciar a sua generalização apresentando uma prova simples e irrefutável. Para ajudar a entender essa proposição, vamos fazer alguns ensaios para n = 2, 3, 4, 6.

Para n = 2

Quando dividimos em duas partes iguais a circunferência, temos dois pontos de divisão e uma única corda cujo comprimento é precisamente o diâmetro, logo igual a dois.

Para n = 3

Agora temos duas cordas que são c1 = e c2 = .

Essas cordas são os lados do triangulo regular inscrito na circunferência de raio unitário.

Observe que o produto P = c1c2 = x = 3 .

Para n = 4

As cordas são os lados do quadrado inscrito na circunferência e o diâmetro da circunferência

c1 = = ; c2 = = 2 ; c3 = = . Assim o produto dos comprimentos dessas cordas é:

P = c1c2c3 = 2 = 4.

        

Para n = 6

Os comprimentos dessas cordas são os lados do hexágono e do triângulo regulares inscritos, e o diâmetro da circunferência. Sendo assim, temos:

P = c1c2c3c4c5 = 1 2 1 = 6. A partir dessas observações é válido pensar numa:

Proposição

Se dividirmos uma circunferência de raio unitário em n partes iguais, sendo n 2, e unirmos um desses pontos aos n – 1 pontos restantes, o produto dos comprimentos das n – 1 cordas obtidas será igual a n.

Prova

Toma-se a circunferência dada como sendo a circunferência unitária = 1 do plano complexo e identificam-se os pontos P1, ..., Pn com os números complexos que são as n raízes da unidade, isto é, os complexos z0 = 1, z1, ..., zn–1 que são as raízes da equação zn = 1. Então, o que se procura é o produto: P = , que é o módulo do complexo (1 – z1)(1 – z2)... (1 – zn–1).

Porém, para qualquer z complexo, tem-se: zn – 1 = (z –1)(z z1)(z z2)...(z zn–1). Logo, (z z1)(z z2)...(z zn–1) = = 1 + z + z2 +... +zn–1, para todo z 1.

Segue-se que (z z1)(z z2)... (z zn–1) = 1 + z + z2 + ... + zn–1, para todo z complexo.

Em particular, fazendo z = 1, obtém-se (1 – z1)(1 – z2)... (1– zn–1) = n.

Ou seja, o complexo (1 – z1)(1 – z2)... (1 – zn–1) é real e igual a n. Em particular, seu módulo é n, como se queria mostrar.

Observação: um leitor atento e crítico poderia se perguntar: não é um sofisma obter a igualdade (z z1)(z z2)... (z zn–1) = 1 + z + z2 + ... + zn–1 para z 1 e dizer que ela é válida para todo complexo z, e justamente depois fazer nela z = 1?

Para responder a isso, lembremos que um polinômio complexo do grau k tem no máximo k raízes, de modo que, se dois polinômios complexos p(z) e q(z) assumem os mesmos valores para uma infi nidade de valores de z (no caso, todos os complexos diferentes de 1), então o polinômio p(z) – q(z) é nulo para uma infinidade de valores de z. Logo, esse polinômio não pode ter grau, ou seja, p(z) – q(z) é o polinômio nulo e, portanto, p(z) = q(z) para todo complexo z.