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Laura L. R. Rifo Na sexta passada, resolvemos dar um jantar em casa para alguns amigos e fomos cuidar dos preparativos, eu e meu marido, o Sérgio. Para agilizar, já que não tínhamos tempo, o Sérgio ia à padaria, à mercearia, à frutaria e ao açougue, que ficam todos no mercado, e à banca de jornal; enquanto isso eu ia ao cabeleireiro. Quando voltei ao estacionamento, o Sérgio estava desesperadamente procurando a chave do carro. Chegamos à conclusão de que a chave devia ter ficado em uma das lojas por onde ele andou. “Em qual loja você acha que perdeu a chave?”, perguntei. “Ah, sei lá, em qualquer uma delas!”. “Com mesma chance para todas?”, “Ihhh, lá vem você de novo com esse papo de chances ...; sim, com mesma chance para todas.” Como eram quatro lojas no mercado, mais a banca de jornal, então a probabilidade de que a chave do carro estivesse em qualquer um desses lugares era de 1/5 para cada, ou seja, 20%. Fomos primeiro ao mercado e passamos pela padaria, pela mercearia e pela frutaria, sem sucesso. “Agora a probabilidade de estar no açougue aumentou”, observou o Sérgio. “É”, eu falei, “foi para 50%.” “Como assim, 50%? Foi para 80%!”, respondeu ele. “Ah, é, espertinho? E por que 80%?” “Porque, se a banca de jornal tinha 20% de chance, então o mercado tinha 80%, dividida igualmente entre as quatro lojas. Como no mercado só restou o açougue, então a chance de que a chave esteja lá é de 80%. Te peguei!” Ao que repliquei: “Mas você disse no começo que poderia estar em qualquer uma das lojas com mesma chance. Como só sobraram duas, a chance é de 50% para cada uma delas. O que me diz disso?” Resolvemos abordar o problema usando o velho truque da árvore de probabilidades. Podemos observar que inicialmente a probabilidade de estar no açougue era de 0,2, assim como de estar na banca, considerando como espaço amostral as cinco lojas possíveis. Depois de eliminar a padaria, a mercearia e a frutaria, o novo espaço universo tem somente o açougue e a banca de jornal. Assim, a nova probabilidade do açougue deve ser calculada em relação a esse novo espaço universo. Se utilizarmos probabilidade condicional, denotando por A o evento de que a chave esteja no açougue e por B o evento de que a chave está na banca, a probabilidade de que esteja no açougue sabendo que não está em nenhuma das outras três lojas é: ou seja, o açougue e a banca têm a mesma chance, 50%. Intuitivamente, o segundo argumento é o correto: a informação de que a chave não está em nenhuma das outras três lojas não altera a probabilidade relativa entre o açougue e a banca de jornal. Se antes da informação as chances eram de 1 para 1, depois da informação as chances continuam sendo de 1 para 1. Resolvido o problema, o Sérgio finalmente disse que o meu cabelo estava lindo e o jantar foi um sucesso. Onde estava a chave do carro? Ora, no último lugar em que procuramos, é claro.
Comentários Tenho apresentado esse problema aos meus alunos na aula de Probabilidade I e invariavelmente quase todos respondem a primeira alternativa: 80%. A dificuldade principal está em como atualizar probabilidades em face de uma nova informação. A utilização desse tipo de problema em sala de aula motiva a necessidadede uma formalização para poder resolvê-lo adequadamente, sem ser traídopor um raciocínio apressado. A definição de probabilidade condicional surgeassim, naturalmente, em resposta a essa necessidade. Interpretar probabilidade como uma função que depende do estado de informação do observador pode ser útil no processo de amadurecimento desses conceitos pelos alunos.
Bibliografia [1] Feller, W. Introdução à Teoria das Probabilidades e suas aplicações. Vol 1. Blücher, 1976.
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