William P. Berlinghoff e Fernando Q. Gouvêa
Editora Edgard Blücher Ltda., São Paulo
Autor da resenha: Geraldo Ávila

 

A MATEMÁTICA ATRAVÉS DOS TEMPOS

André Weil (1906-1998), um dos mais destacados matemáticos do século XX e possuidor de vasta cultura, pronunciou uma conferência no Congresso Internacional de Matemáticos que teve lugar em Helsinki, na Finlândia, em 1978, e que foi traduzida e publicada na revista Matemática Universitária, número 13, de junho de 1991, com o título de História da Matemática: por que e como. Logo no início dessa conferência, Weil afirma que, dentre as histórias de todas as ciências, a da Matemática é a mais antiga e a mais longa. Outro conhecido matemático do século XX, também possuidor de notável erudição, foi Gian-Carlo Rotta (1932-1999). Certa vez ele disse que a dificuldade que uma pessoa encontra no estudo da história da Matemática consiste em que, começando, como é natural, com a Matemática da antiguidade, quando estiver terminando com os gregos já estará com mais de 80 anos de idade!

O que parece exagero no que diz Rotta se deve ao que afi rma Weil de que a história da Matemática é muito longa, portanto, exige muito de quem nela queira se especializar. Mas isso não deve desencorajar os que desejem se iniciar nessa área de estudos do conhecimento matemático, tão cativante e enriquecedora. E um primeiro contato com ela não pode ser final; deve, isto sim, servir de estímulo para que o estudante passe a cultivar a história da Matemática ao longo dos anos, pois só assim poderá enriquecer seu conhecimento e encontrar, como acontece com muitos estudiosos, um apelo de grande deleite intelectual, mesmo que nunca se torne um especialista. De fato, tornar-se especialista exige uma redobrada dedicação, incluindo a leitura dos originais dos grandes matemáticos do passado, o que é uma tarefa bastante difícil. E é porque muitos autores não são especialistas que costuma ocorrer, até em bons livros, o aparecimento de afirmações duvidosas como se fossem verdades confi rmadas, quando não passam de meras hipóteses. Exemplo disso são as demonstrações atribuídas a Tales de certos teoremas bastante evidentes, sem que haja qualquer prova de que ele tenha realmente feito tais demonstrações. Otto Neugebauer (1899-1990), que foi, em seu tempo, a maior autoridade em Matemática antiga, sobretudo a Matemática que floresceu na Mesopotâmia, é de opinião de que essas histórias sobre Tales não passam de uma persistente tradição que não merece crédito e deve ser totalmente descartada (The exact sciences in Antiquity, Dover, p. 148). Como a maioria dos estudantes de história da Matemática difi cilmente terão condições de ir às fontes originais, para evitar cair em erros como esses é preciso muito cuidado com o material de leitura, sejam livros ou artigos de revistas.

História da Matemática é uma disciplina muito importante na formação do professor, tanto daquele que atua no ensino básico como do professor universitário. Por isso mesmo o ensino dessa disciplina deve ser estimulado nos cursos de licenciatura e mesmo de bacharelado. Infelizmente, muitas vezes os cursos de história da Matemática se restringem à parte mais amena e pitoresca dos tópicos tratados, às biografias e ao relato do que fizeram os grandes personagens da história sem entrar nos detalhes de suas obras. Isso também é importante e enriquece muito a disciplina em estudo; mas, mesmo uma primeira disciplina de história da Matemática não pode deixar de incluir pelo menos alguns episódios da própria Matemática que se desenvolveu no período estudado. Não se trata de tarefa fácil, dada a dificuldade já mencionada que em geral oferece a leitura de muitos autores do passado, principalmente os mais antigos. Felizmente, já contamos com bons livros de história da Matemática que interpretam as obras antigas com fidelidade. Um deles, de autoria de Howard Eves, traduzido para o português e publicado pela Editora da Unicamp, é um verdadeiro curso de Matemática, como diz o próprio autor na Introdução do livro, acrescentando que espera que o estudante nele aprenda muita Matemática. Nisso o professor conta com a ajuda de muitos exercícios propostos e temas a serem desenvolvidos. Uma outra virtude desse livro são os Panoramas culturais, que são de grande utilidade para situar o leitor no contexto histórico dos acontecimentos matemáticos. Além desse livro, contamos também com a tradução do livro de Carl Boyer, publicado pela Editora Blücher, outro texto muito bem escrito e muito útil para os estudiosos de história da Matemática, sejam eles principiantes ou profissionais experientes.

Não obstante as muitas virtudes desses dois livros, eles são extensos. Servem muito bem como referências a tópicos específicos e para estudos mais aprofundados de diferentes assuntos. Mas, por serem textos longos, não se adaptam tão bem como livros que possam ser mais facilmente utilizados em disciplinas de história da Matemática. Felizmente, agora contamos com esse novo livro de Berlingoff e Gouvêa em tradução para o português. Trata-se de um texto de menos de 300 páginas, muito bem escrito e estruturado de maneira bastante original e muito adequada a sua utilização não apenas como texto em disciplinas de história da Matemática, mas também como fonte de referência a tópicos específicos. Sua estrutura original consiste em ele ser dividido em duas partes; primeiro uma parte inicial que os autores chamam A história da Matemática em uma grande casca de noz, e que é “um breve panorama da história da Matemática, desde seu início até o presente”. Essa parte inicial é seguida por uma segunda parte, que os autores descrevem como a parte principal do livro: “uma coleção de 25 esboços históricos curtos sobre algumas ideias comuns da Matemática básica”.

Surpreendentemente, os autores conseguem fazer, na parte inicial do livro, uma descrição que, embora em apenas 60 páginas, é bastante clara e informativa de toda a história da Matemática básica. Por ser muito pouco texto, os autores procuram complementá-lo com referências à bibliografia, o que é uma boa orientação para os leitores. Essa bibliografia, que aparece no final do livro, é uma lista de 141 títulos muito bem selecionados e de grande utilidade, tanto para os estudantes que cursam uma disciplina, como para os que desejarem prosseguir seus estudos posteriormente. Essa orientação com referência a itens específicos da bibliografia continua ocorrendo em todos os esboços.

Os autores propõem, ao longo e ao final da parte inicial e dos esboços, muitas questões e projetos que o professor pode utilizar em sala de aula, mas principalmente para atribuir tarefas a seus alunos. Muitas dessas questões e projetos exigem a utilização de outras fontes, como os dois livros que citamos anteriormente. Outro livro que pode servir como excelente fonte complementar num curso de história da Matemática é o texto de

Asger Aaboe, intitulado Episódios da história antiga da Matemática, publicado pela SBM. Aaboe foi discípulo de Neugebauer; e é, ele mesmo, outra grande autoridade em Matemática antiga. Os autores de todos esses livros mencionados são pessoas de muita competência, daí a grande confiabilidade de suas obras. Outra obra que deve ser mencionada aqui, já que pode ajudar muito num curso de história da Matemática ou para utilização em leituras complementares, é o livro de Gilberto Garbi intitulado A rainha das ciências. Trata-se de um texto de leitura muito agradável e informativa, e que, por ter sido resenhado na RPM 62, dispensa maiores comentários.

Uma coisa a lamentar na versão brasileira do livro de Berlinghoff e Gouvêa é a manutenção de unidades de comprimento como pés e milhas, quando poderiam ter sido facilmente convertidas ao sistema métrico. E, na bibliografia, as obras já traduzidas para o português deveriam ter seus títulos também traduzidos! Sugerimos que isso seja feito em futuras reimpressões do livro.