Guillermo Antonio Lobos Villagra
Ivo Machado da Costa
UFSCar

 

Na Geometria elementar o teorema de Pitágoras é muito conhecido, mas seu recíproco nem sempre é considerado. Juntando o teorema de Pitágoras com seu recíproco, obtemos uma caracterização do triângulo retângulo:

Um triângulo de lados a < b < c é retângulo se, e somente se, a2 + b2 = c2.

Demonstrações do teorema de Pitágoras são bem estudadas e já foram publicadas na RPM, como em [1]. A demonstração da recíproca é simples. Considere um triângulo de lados a, b e c com a2 + b2 = c2. Construímos um triângulo retângulo de catetos a e b, e seja z sua hipotenusa. Usando o teorema de Pitágoras e a condição dada, obtemos z2 = a2 + b2 = c2. Logo, z2 = c2, e, como esses números são positivos, temos z = c. Então, os dois triângulos são congruentes pelo caso LLL. Como o triângulo construído tem um ângulo reto, o triângulo dado também tem.

Conhecemos várias caracterizações dos triângulos retângulos, algumas de concepção simples, outras nem tanto. Apresentamos aqui algumas delas, inspiradas em [4].

Usando pontos notáveis

A primeira caracterização que apresentamos está praticamente em todos os livros textos de geometria do ensino médio, mas nem sempre se chama a atenção sobre esse aspecto.

Um triângulo é retângulo se, e somente se, pode ser inscrito em uma circunferência de diâmetro igual a um de seus lados.

Seja ABC um triângulo inscrito em uma circunferência de diâmetro AB, centro O e ângulos medindo α, β e γ. Os triângulos COB e CAO são isósceles, logo, têm os ângulos da base iguais. Então, γ = α + β. Como α + β + γ = 180o, vem que γ = 90o; portanto, o triângulo ABC é retângulo.

Reciprocamente, seja ABC um triângulo retângulo com ângulo reto em C. Tomando o ponto médio O da hipotenusa AB, construímos a circunferência com centro em O e diâmetro AB, conforme a figura abaixo à esquerda (veja que a princípio C poderia estar na circunferência, ou dentro ou fora). Provaremos que C está na circunferência.

Com efeito, seja C' um ponto da circunferência tal que AC' = AC, conforme a figura à direita. Então o triângulo ABC' é retângulo em C', pois está inscrito em uma semicircunferência. Isso implica que os triângulos ABC' e ABC são congruentes, pelo caso LLA de triângulos retângulos. Portanto, C = C', e C está na circunferência.

Lembrando que o centro da circunferência circunscrita a um triângulo é um ponto notável que se chama circuncentro, temos a caracterização:

1. Um triângulo é retângulo se, e somente se, seu circuncentro está em um dos seus lados.

De fato, um triângulo é retângulo se, e somente se, um dos lados do triângulo é diâmetro da circunferência circunscrita (devido à primeira caracterização). Isso equivale a dizer que o circuncentro do triângulo é o ponto médio de um dos seus lados.

É interessante observar que, quando o triângulo é obtusângulo, seu circuncentro está fora da região triangular, e, quando é acutângulo, está dentro. Isso está ilustrado nas figuras a seguir, obtidas com um aplicativo de geometria dinâmica [2]. Nas figuras, o circuncentro foi determinado pelo encontro das mediatrizes do triângulo.

O ortocentro de um triângulo (ponto de encontro das retas que contêm as alturas) é outro ponto notável que nos dá a oportunidade de enunciar a caracterização:

2. Um triângulo é retângulo se, e somente se, seu ortocentro está em um dos seus vértices.

Com efeito, num triângulo retângulo os catetos são alturas e se cruzam no vértice que é o ortocentro. Reciprocamente, se um vértice é o ortocentro do triângulo, então necessariamente os dois lados adjacentes formam um ângulo de 90o.

Outro ponto notável do triângulo é o baricentro (ponto de encontro das medianas do triângulo) também conhecido como centro de gravidade do triângulo. Lembre que uma mediana de um triângulo é o segmento que une um vértice do triângulo com o ponto médio do lado oposto. Com isso, podemos apresentar a seguinte caracterização devida a [6]:

3. Um triângulo é retângulo se, e somente se, seu baricentro G verifica a seguinte relação GO = R/3, sendo O o circuncentro e R o circunraio (raio da circunferência circunscrita ao triângulo).

Sabemos que um triângulo é retângulo se, e somente se, o circuncentro O está sobre a hipotenusa do triângulo e, portanto, coincide com seu ponto médio. Logo, o comprimento da mediana relativa ao ângulo reto é igual ao circunraio R. Como se sabe, a distância do baricentro a cada vértice do triângulo é igual a 2/3 do comprimento da mediana que parte do vértice; nesse caso seria igual a 2R/3. Assim, GO = R/3.

A recíproca segue de: o ortocentro H, o baricentro G e o circuncentro O estão sobre uma mesma reta chamada reta de Euler [3]; o baricentro G divide o segmento OH na proporção 1:3. Assim, OH = OG + GH = R/3 + 2R/3 = R. Logo, o ortocentro e todos os vértices do triângulo equidistam do circuncentro. Nessas condições podemos concluir que o ortocentro coincide com um dos vértices, e assim, pela segunda caracterização, o triângulo será retângulo. De fato, se o triângulo for acutângulo (ou obtusângulo), o ortocentro H ficará dentro (ou fora) do triângulo, e assim OH será, respectivamente, menor (maior) que R. A figura abaixo ilustra essas situações.

Para informação do leitor, enunciamos, sem demonstração, a caracterização pelo último ponto notável, o incentro (centro da circunferência inscrita ao triângulo), devida a [5]:

4. Um triângulo ABC é retângulo em A se, e somente se, o incentro I do triângulo verifica a seguinte relação BI.FI = BF.AI, sendo F o pé da bissetriz do ângulo C.

Referências bibliográficas

[1] ROSA, E. Mania de Pitágoras. RPM 2.
[2] BALDIN,Y.Y. e VILLAGRA, G.A.L. Atividades com Cabri-Géomètre II para cursos de Licenciatura em Matemática e professores do ensino fundamental e médio, EDUFSCar, 2 reimpressão 2007.
[3] CARNEIRO, J.P.Q. Reta de Euler e números complexos. Eureka! 20.
[4] ROSADO, F.B. Triângulos especiais, primeira parte. Revista Escolar de La Olimpiada Iberoamericana de Matemática, nº 17, Enero − Febrero 2005.
[5] IZARD, R., Dallas. Problem 1132b. Mathematics Magazine, vol. 56, nº 1, p. 47-48, jan. 1983.
[6] STOLL, A., Aufgabe 112, Elemente der Mathematik, vol. 7, nº 1, p. 17-18, 1952.