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Francisco Dutenhefner
Neste artigo vamos comentar a história da descoberta de alguns resultados sobre pavimentações do plano euclidiano por polígonos convexos, e mostraremos como publicações em revistas de divulgação científica permitiram que o público em geral entrasse em contato com esse problema e até contribuísse com novos resultados. Pavimentações do plano euclidiano Suponhamos que você disponha de uma quantidade infinita de cópias de uma determinada forma geométrica. Imagine que sejam como peças de um quebra-cabeça. Se for possível encaixá-las, sem falhas ou sobreposição, de modo que o plano seja todo coberto por elas, dizemos que essa forma geométrica pavimenta o plano. Há muito tempo pavimentações têm sido utilizadas, nas mais variadas partes do mundo, em revestimentos de pisos e paredes, em tapeçarias e na confecção de roupas e obras de arte. Na maioria desses casos, a estética dos padrões construídos era o que importava, e questões matemáticas relacionadas a eles somente foram formuladas e respondidas em tempos muito mais recentes. Quais formas geométricas pavimentam o plano? Essa pergunta nos leva a vários tipos diferentes de questões matemáticas, algumas completamente respondidas, outras apenas parcialmente e várias outras ainda sem resposta alguma. Veremos que brincar com as possibilidades de pavimentações pode ser divertido, além de permitir que novas descobertas sejam realizadas por pessoas dispostas a pensar sobre o problema. Pavimentações por polígonos convexos No caso específico de polígonos convexos regulares, pode-se mostrar (veja [2]) que somente o triângulo equilátero, o quadrado e o hexágono regular servem de peças para uma pavimentação quando uma única forma geométrica é usada. No caso de polígonos convexos não regulares, Ivan Niven demonstrou que é impossível pavimentar o plano utilizando um polígono convexo com sete ou mais lados. Então, basta analisar pavimentações com polígonos convexos de três, quatro, cinco ou seis lados. Qualquer triângulo e qualquer quadrilátero pavimentam o plano, como você pode ver em [1] e [2]. As pavimentações por hexágonos convexos foram completamente classificadas em três tipos por Karl Reinhardt, em 1918. Desse modo, fica somente a pergunta de quais pentágonos convexos servem de peças para uma pavimentação do plano. A descoberta desses pentágonos é uma saga que vem se desenvolvendo há pelo menos 90 anos e, como veremos, envolve matemáticos profissionais, cientistas de outras áreas, estudantes de matemática e até pessoas sem formação matemática específica alguma. Pavimentações por pentágonos convexos Ainda em 1918, Karl Reinhardt apresentou cinco conjuntos diferentes de condições sobre ângulos e lados de um pentágono convexo de modo que, para cada um desses conjuntos, existe pelo menos uma pavimentação do plano. Na terminologia atual, cada um desses cinco conjuntos de condições define um tipo de pentágono convexo que pavimenta o plano. Em 1932, foi demonstrado que as pavimentações obtidas por Reinhardt são as únicas pavimentações do plano, por pentágonos convexos, que são transitivas, isto é, dadas duas peças da pavimentação, existe uma isometria do plano euclidiano que leva uma dessas peças na outra e que preserva a pavimentação. Aparentemente, esse resultado colaborou para que, na época, se conjeturasse que somente seria possível pavimentar o plano por pentágonos convexos de um dos cinco tipos encontrados por Reinhardt. Mas, em 1968, Richard Brandon Kershner apresentou outros três tipos de pentágonos convexos que pavimentam o plano, naturalmente, pelo comentado anteriormente, de maneira não transitiva, mostrando que a conjectura era falsa. Kershner afirmou, sem apresentar demonstração, pois "a demonstração completa exigiria um livro extremamente extenso", que existem somente oito tipos de pentágonos convexos que servem de peças para uma pavimentação do plano: os cinco tipos apresentados por Reinhardt e os três tipos apresentados por ele. Desse modo, em 1968, o problema de pavimentação do plano por pentágonos convexos parecia resolvido – até que um acontecimento surpreendente causou uma reviravolta no problema. Em julho de 1975, Martin Gardner publicou na Scientific American [3], uma revista de divulgação científica, o problema de pavimentação do plano por polígonos convexos e a lista dos oito tipos de pentágonos convexos que conhecidamente pavimentam o plano. Essa publicação permitiu que um público mais amplo tivesse contato com o problema e, como veremos, estimulou a descoberta de novas pavimentações. Richard James III, um cientista da área de computação, leu o artigo publicado por Martin Gardner e decidiu não olhar para a lista de Kershner, mas tentar descobrir sozinho algum pentágono convexo que pavimentasse o plano. Após algumas tentativas, conseguiu encontrar um exemplo e o enviou para Martin Gardner, perguntando "você concorda que Kershner se esqueceu desse caso?". Esse resultado foi publicado por Gardner no exemplar de dezembro de 1975 da Scientific American, elevando para nove o total de tipos de pentágonos que pavimentam o plano. Assim, o problema de pavimentações do plano por pentágonos convexos, dado como resolvido em 1968, tornou-se novamente um problema em aberto em 1975. O surgimento de novos tipos de pavimentações do plano por pentágonos convexos não terminou com a descoberta de Richard James. De fato, essa descoberta despertou a curiosidade de outra leitora da Scientific American: uma dona de casa de San Diego, Califórnia, Marjorie Rice, com cinco filhos, sem formação matemática específica além daquela obtida no ensino médio. Após ler o artigo de Martin Gardner de dezembro de 1975, começou a desenvolver sua própria pesquisa sistemática sobre quais tipos de pentágonos convexos podem pavimentar o plano. Dentre os vários resultados obtidos por ela, destaca-se a descoberta, em 1976 e em 1977, de quatro novos tipos de pavimentações do plano por pentágonos convexos (elevando agora o total para treze tipos). O décimo quarto tipo de pentágono convexo que pavimenta o plano foi descoberto somente em 1985 por Rolf Stein, um estudante de Matemática da Universidade de Dortmund, Alemanha. Até os dias atuais, nenhum outro tipo de pavimentação do plano por pentágonos convexos foi descoberto, além de não existir ainda uma demonstração de que a lista dos quatorze tipos conhecidos seja completa. O leitor interessado poderá encontrar na internet várias informações sobre os personagens deste artigo, bem como resultados mais recentes sobre pavimentações do plano com pentágonos. Considerações finais O que teria acontecido com o problema das pavimentações do plano por pentágonos convexos se Martin Gardner não tivesse publicado aquele artigo, de julho de 1975, em uma revista de divulgação científica com milhares de leitores? Será que o problema estaria sendo considerado como resolvido até hoje? E se Richard James e Marjorie Rice não tivessem tido a atitude de, eles mesmos, procurarem alguma solução para o problema? Essas perguntas nos fazem refletir sobre a importância da divulgação de trabalhos acadêmicos em revistas que não são destinadas exclusivamente a especialistas e da postura crítica e curiosa que nós, professores e alunos, devemos ter em relação a problemas e suas soluções.
Referências bibliográficas [1] ALVES, Sérgio. Ladrilhando o plano com quadriláteros. RPM 51. |