Comentários baseados em um cálculo de probabilidades

Lúcio Fassarella

 

Uma das preocupações do ensino de Matemática é o desenvolvimento da capacidade de resolução de problemas que envolvam ideias e conceitos matemáticos.

É oportuno acrescentar que a resolução de um problema não deve terminar na obtenção da possível resposta, ou na mera confrontação com respostas prontas, e sim na verificação da plausibilidade da resposta obtida.

A verificação da plausibilidade é parte importante da resolução de problemas porque, além de revelar a existência de erros, ela eventualmente indica o tipo do erro cometido, esclarece equívocos de interpretação e pode até acabar produzindo novas estratégias de resolução.

Destaco que a verificação não significa apenas demonstrar que uma possível resposta está correta. Isso pode ser impossível ou muito difícil de ser realizado. Quando esse for o caso, o que se procura é produzir uma confiança subjetiva na correção da resposta encontrada, podendo eventualmente alcançar a certeza, mas não necessariamente.

Didaticamente, a verificação da plausibilidade também é importante porque constitui uma oportunidade para analisar detalhes de problemas, considerando que seus aspectos gerais já tenham sido compreendidos pelos alunos; é o momento ideal para o professor destacar sutilezas e aprofundar a discussão de situações mais complexas.

Neste artigo ilustro essas ideias com a resolução de um cálculo de probabilidade, onde discuto um método para verificação da plausibilidade que podemos chamar de generalização. Seria interessante discutir detalhadamente toda a resolução do problema, mas simplifico essa parte pelo bem da brevidade.

O problema e sua resolução

Um vestibular tem 6 provas, cada prova contém 15 questões, cada questão contém 5 alternativas, com apenas uma delas sendo correta. Qual é a probabilidade que tem de zerar pelo menos uma das provas, um candidato que chute todas as questões do vestibular?

Interpreto chutar como significando que as alternativas de cada questão têm igual probabilidade de serem escolhidas pelo candidato.

Vou chamar de apostador um candidato que chute todas as questões do vestibular. Denotarei por P a probabilidade procurada.

Como cada questão possui apenas uma opção correta em 5 alternativas, então a probabilidade de o apostador errar uma questão específica é 4/5. Como errar todas as questões de uma prova significa a ocorrência simultânea de 15 eventos independentes, cada um deles com probabilidade 4/5 de ocorrer, então a probabilidade de errar todas as questões de uma prova específica é (1)

Agora, embora seja possível efetuar o cálculo da probabilidade P diretamente, é mais fácil calcular a probabilidade de ocorrer o evento complementar, ou seja, de o apostador não zerar nenhuma das provas. Sendo P1 a probabilidade de o apostador zerar uma prova, então a probabilidade de ele não zerar uma prova específica é 1− P1; como não zerar as 6 provas do vestibular são eventos independentes, a probabilidade de o apostador não zerar nenhuma das provas é P = (1− P1)6. Portanto, a probabilidade de o apostador zerar pelo menos uma prova é (2)

Usando uma calculadora, obtemos P 0,193. (3)

Verificação da plausibilidade da resposta

Antes de verificar a resposta encontrada, destaco que não é possível checá-la por substituição direta (como geralmente podemos fazer para soluções de equações). Naturalmente, podemos rever cuidadosamente o argumento empregado no cálculo, mas essa alternativa pode não revelar equívocos inconscientes. Precisamos propor uma maneira de verificar se a resposta é plausível. Na sequência, desenvolvo duas propostas.

A primeira proposta de verificação de plausibilidade consiste em averiguar se a resposta satisfaz as condições restritivas definidas pelo contexto: como a resposta deve ser uma probabilidade, seu valor deve estar entre 0 e 1, o que é compatível com o valor calculado (3).

Agora, proponho o método de verificação que chamo de generalização e que (neste caso) consiste na análise qualitativa da solução do problema análogo, mas com parâmetros relevantes genéricos. O método não prova que a solução (2) está correta, mas nos dá segurança subjetiva disso. Especificamente:

Problema genérico: Considere números inteiros positivos n, q e a. Um vestibular tem n provas, cada prova contém q questões, cada questão contém a alternativas, com apenas uma delas sendo correta. Qual é a probabilidade que tem de zerar pelo menos uma das provas um candidato que chute todas as questões do vestibular?

O mesmo raciocínio que usamos para resolver o problema original pode ser aplicado para resolvermos o problema genérico e obtermos a solução (dependente dos parâmetros n, q e a):

Agora, averiguamos que essa fórmula possui algumas propriedades que podemos esperar intuitivamente.

i) Primeiro, a fórmula (4) dá respostas corretas nos casos "degenerados" n = 1, q = 1 e a = 1, que são fáceis de calcular diretamente. Ilustro a ideia no caso a = 1: quaisquer que sejam n e q, se a = 1, então cada questão possui apenas uma alternativa para o apostador chutar; essa única alternativa deve necessariamente estar correta, implicando que o apostador não pode errar nenhum dos seus chutes; consequentemente, a probabilidade de ele zerar pelo menos uma das provas deve ser zero; é exatamente isso que obtemos calculando pela fórmula (4), substituindo o a por 1.

ii) Verificamos que P [n, q, a] é um valor entre 0 e 1, compatível com o fato de ser uma probabilidade:

iii) Uma análise intuitiva do problema genérico nos permite perceber como deve ser a dependência de P[n, q, a] em função dos números inteiros positivos n, q e a, quando apenas um deles varia e os outros são mantidos constantes. Por exemplo, se um primeiro vestibular tiver mais provas do que um segundo, sendo que todas as provas têm o mesmo número de questões q e cada questão tem o mesmo número a de alternativas, é de esperar que seja maior a chance de o apostador zerar no primeiro vestibular do que no segundo. Isso significa que P[n, q, a] deve ser uma função crescente de n. Analogamente, P[n, q, a] deve ser uma função decrescente de q e uma função crescente de a. Tais propriedades podem ser deduzidas diretamente da fórmula (4) e aqui ilustro o tipo de argumento para deduzir a dependência funcional de P[n, q, a] com relação a a: para q > 1 e n > 1 fixados, a função é decrescente; logo é crescente e também é crescente. Isso implica que: é função crescente, é função decrescente, é função decrescente e é função crescente.

iv) Uma outra ideia, que não será desenvolvida aqui, é resolver explicitamente casos particulares do problema genérico (por exemplo, para n = 2, q = 2 e a = 2) por vias alternativas e comparar os resultados com o que prevê a fórmula (4).

Conclusão

Quando resolvemos um problema, geralmente devemos verificar a plausibilidade da(s) resposta(s) encontrada(s). Se não for possível verificar diretamente a correção de uma resposta, precisamos utilizar algum procedimento indireto para aumentar nossa confiança subjetiva. No ensino da Matemática, o hábito da verificação deve ser sistematicamente estimulado porque contribui para o desenvolvimento da intuição e para o aperfeiçoamento das técnicas de resolução de problemas.