Uma Explicação pela Matemática ou pela Economia?

Manoel Henrique Campos Botelho(*)


     Cena n.º 1 - O problema

Um dia, estava eu tranqüilamente na faculdade pensando na vida quando chegou um colega e fez-me uma inusitada proposta:

— Você quer comprar de graça (?!) um sapato?

É claro que eu topei de cara comprar de graça(?!) um sapato embora eu desconfiasse que houvesse algum rolo. As condições eram:

— primeiro comprar um selinho desse meu amigo. Preço Cr$ 2.000.

— juntar mais Cr$ 18.000 e o selinho e levar a uma loja próxima. Eu receberia um par de sapatos de valor de mercado de Cr$ 20.000 e mais dez selinhos no valor de Cr$ 2.000.

— bastaria então eu vender os dez selinhos que eu seria restituído dos Cr$ 2.000 iniciais de compra do selinho do meu amigo e dos Cr$ 18.000 que anexei para retirar o sapato da loja.

Expostas as condições topei o desafio. Dei Cr$ 2.000 ao meu colega para o inicio do processo, juntei mais Cr$ 18.000 e fui à loja. Efetivamente retirei um par de sapatos de valor de mercado de cerca de Cr$ 20.000 e ganhei os dez selinhos que me iriam restituir tudo o que investira.

Saí então a vender os dez selinhos. Vendi-os com alguma facilidade. Fiz então um balanço. Eu tinha até então gasto Cr$ 20.000, recebido Cr$ 20.000 e mais um par de sapatos. Um par de sapatos de graça, portanto. Quando se fechou o ciclo tive um estalo, teria ganho mesmo um sapato de graça? Como isso seria possível? Não estaria essa promoção violando a Lei de Lavoisier ou a Segunda Lei da Termodinâmica? Fiquei estarrecido com o problema. Como interpretá-lo?

 

        Cena n.º  2 — As explicações convencionais

Aturdido com o problema que aparentemente violava leis naturais nunca dantes questionadas saí a conversar com meus colegas de faculdade. O primeiro a tentar responder foi Altarimando. Ele se entusiasmou.

“— Não se preocupe se essa promoção fere ou não as leis da natureza. O importante é que funciona. Assim como você conseguiu comprar sapatos de graça vamos expandir o negócio para comprar arroz de graça, roupa de graça, etc. Talvez esse seja o perdido caminho para a humanidade alcançar o Nirvana, o tão desejado Shangrilá. Não se esqueça que as Leis de Mercado são superiores à Lei de Lavoisier.”

Desconfiei que ele estava mais para poeta transcendental que crítico de Matemática e Física e fui procurar o Souzinha. Souzinha era um crítico de tudo. Logo deu seu parecer, claro e taxativo, incisivo e demolidor, característico de todo o jovem de menos de quarenta anos:

“— Estamos diante da chamada Bola de Neve, Conto da Venda Sucessiva ou ainda da Corrente da Felicidade. É um estratagema que favorece barbaramente os compradores iniciais e é altamente desvantajoso para os finais.”

Pode-se concluir facilmente que o número de compradores numa etapa x é:

F(x) = 100 + 101 + 102 +...10x

O universo possível de compradores é N - número finito inteiro. Logo a corrente se estabiliza antes da etapa y ou em y quando y é tal que: 100 + 101 + 102 +...10y  N

Quando o somatório se iguala ou excede N os últimos compradores serão prejudicados.

Logo essa artimanha é tão simplesmente uma falácia. Continuam válidos portanto a Lei de Lavoisier e o Segundo Principio da Termodinâmica.

Fiquei feliz, confesso, por essa explica­cão do Souzinha.

Quem como nós, matemáticos e engenheiros, tem toda a sua mente criada e disciplinada por critérios lógico-formais cartesianos tem verdadeiro horror a situações que fujam desse modo, e o que é pior, funcionem. Se isso pudesse ocorrer ficaríamos inseguros e toda uma vida ficaria questionada.

E o caro leitor, o que achou da histo­rieta contada até aqui? Com qual explicação fica? Com a do feliz Altarimando ou com a do crítico Souzinha? Ou haveria uma terceira, inesperada e surpreendente alternativa? É o que veremos a seguir.

 

      Cena n.º 3 - A explicação diferente

Quando eu já estava disposto a encerrar o assunto encontrei um velho amigo, Adão, estudante de Economia na Getúlio Vargas.

Apesar de jovem, Adão é crítico ponderado e profundo em seus conhecimentos.

Só como curiosidade expus a ele o problema e as duas respostas que eu tinha, ouvido até então.

Adão, filosoficamente, começou a raciocinar Socraticamente.

— Quanto é mesmo que a loja recebe por par de sapatos vendido?

Ora Adão respondi, o enunciado é claro. Ela recebe Cr$ 20.000 por par de sapatos.

— Acho que aí temos uma pista. Acho que não é esse o valor, ponderou Adão. E continuou:

— Admitamos uma ilha com 1.111 pessoas potencialmente clientes dos sapatos e mais uma pessoa que é o dono da loja totalizando pois 1.112 pessoas. O dono da loja propõe o negócio a um primeiro cliente. Compre este selo por Cr$ 2.000 e adicione Cr$ 18.000 e deflagre o processo. Esse primeiro cliente vende dez selos. Dez compradores vendem depois para 100 outros compradores. Já são 111 compradores. Os cem compradores vendem agora para 1.000 compradores. Esses últimos 1.000 compradores que já gastaram cada Cr$ 2.000 cruzeiros pelo selo não têm mais para quem vender. Uma de suas opções é perder esse selo. Outra (mais razoável) é acrescentar Cr$ 18.000 e ir buscar o seu par de sapatos que, como sabemos, vale no mercado Cr$ 20.000. Logo esses últimos compradores não serão prejudicados financeiramente (só não terão o seu sonho de sapatos grátis).

Agora façamos um raciocínio. Quanto recebeu a loja de sapatos e quantos pares de sapatos foram entregues? Curiosamente você verá que a loja não recebe Cr$ 20.000 por par de sapatos vendido.

 

A loja recebeu em dinheiro:

do 1.º comprador:

2.000 ¸ 18.000 =

20.000

de 10 compradores:

10 x 18.000 =

180.000

de 100 compradores:

100 X 18.000 =

1.800.000

de 1000 compradores: 

1000 x 18.000 =

           18.000000

 

Total

Cr$ 20.000.000

Total de pares de sapatos vendidos = 1.111

Conclusão — A loja vende cada par de sapatos a Cr$ 20.000 e recebe na prática Cr$ 18.001 e não Cr$ 20.000 como supostamente se poderia pensar. Vê-se portanto que cada pessoa para ganhar um par de sapatos precisa entregar o sinal (entrada) e ter o trabalho de vender dez outros sapatos. O caso em estudo é um processo que traz embutido um trabalho de venda como custo. Custo esse que é pago pela loja (20.000 - 18.001) = Cr$ 1.999 por par de sapatos. É uma comissão de venda. Tudo claro, Botelho?

Fiquei a pensar.

Como as coisas ainda estão algo confusas dentro de mim peço apoio aos leitores da Revista do Professor de Matemática.

Vejam se existe alguma outra explicação. Mas por favor, prefiro receber respostas que não ponham em cheque Leis que até agora acreditei como válidas tanto como a Lei de Lavoisier, Teorema de Pitágoras, etc.

Ok?

 

NR: Uma resposta já temos 

Simplificação de Expressões Numéricas: GINCANA

Um dos aspectos do aprendizado da Matemática é, certamente, a automatização. Embora esta seja uma fase que deva ser precedida de uma base sólida sobre o que se pretende calcular, em muitos capítulos da Matemática, a automatização de certas técnicas se faz necessária. Costumo comparar esta fase do aprendizado ao treinamento físico de um jogador de futebol que, além dos próprios jogos inclui uma série de exercícios que desenvolvem separadamente alguns aspectos necessários ao bom desempenho do jogador em campo. Tanto no futebol quanto no ensino da Matemática, alguns destes exercícios podem parecer bastante maçantes. Um pouco de imaginação  pode torná-los, entretanto, mais interessantes. Como exemplo, cito a idéia de um colega da Grande São Paulo que costuma usar uma gincana para o treino de simplificação de expressões: entrega ao último aluno de cada fila da classe uma folha com uma expressão numérica ou algébrica bastante complicada. Este aluno copia a expressão na 2.ª linha simplificando o que seja possível e passa a folha para o colega da frente. Este repete o processo e, assim por diante. Ganha a fila que chegue ao resultado mais simples usando o menor número de alunos. Gostei da sugestão. Você conhece outras?

 

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(*) Manoel Henrique Campos Botelho é Engenheiro Civil formado em 1965 pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. É autor dos Livros “Concreto Armado Eu te Amo” (lançado em 1984 e com duas reedições no mesmo ano) e Manual de Primeiros Socorros (lançado em 1984 e já na 29 edição  em 1985). Foi Coordenador de Curso de Especialização em Engenharia Sanitária Industrial em 1982 e 1983 da Fundação Armando Álvares Penteado — São Paulo — SP.