Carlos Alberto Knudsen
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(adaptação de trabalhos apresentados por estudantes(*))
 

     Introdução  

A Teoria das Equações é uma das mais belas e relevantes páginas da História da Matemática, onde se evidencia a força criativa do espírito humano.

Já os Babilônios desenvolveram questões aritméticas e era notável sua familiaridade com as propriedades dos números. E difícil determinar as origens dessa faceta da civilização babilônia mas é conhecido que, por volta de 1800 A.C., alguns métodos de resolução da equação do 2º grau eram utilizados enquanto os egípcios, na mesma época, possuíam apenas métodos de resolução de equações do 1º grau.

Um problema fundamental da antiga Álgebra Babilônia era saber que número adicionado ao seu recíproco daria um determinado número. Em notação moderna, os babilônios procuravam x tal

Essa equação leva-nos a uma equação quadrática em x, a saber x2 - bx + 1 = 0. Procurando a solução através do processo de “completar quadrados”, eles calculavam

Os problemas algébricos eram enunciados e resolvidos verbalmente. As palavras us (comprimento), sag (largura) e asa (área) eram freqüentemente utilizadas para as incógnitas, não necessariamente porque as incógnitas representassem essas quantidades geométricas, mas provavelmente porque muitos problemas algébricos eram decorrentes de situações geométricas e a terminologia geométrica se tornou ”standard”. Podemos ter uma idéia de como estes termos eram empregados pelo seguinte texto babilônio:

‘Multipliquei Comprimento e Largura ob­tendo Área 10. O excesso do Comprimento sobre a Largura multiplicou por si mesmo e o resultado por 9 e esta Área é aquela obtida multiplicando o Comprimento por si mesmo. Quais são o Comprimento e a Largura?”

Hoje nós escreveríamos tal problema como:

x.y 10; 9(x - y)2 = x2

É fácil ver que tal problema leva a uma equação do quarto grau sem termos em x e x3, podendo então ser resolvida como uma equação quadrática em x2. Problemas envolvendo equações do terceiro grau também eram familiares aos babilônios. Um exemplo, em notação moderna seria:

  12x = z, y = x, xyz = V,

onde V é algum volume conhecido.

Os números negativos e complexos entraram para o modelo numérico muito mais tarde, em conexão com os esforços, na Itália, por volta de 1500, para a resolução da equação do terceiro e quarto graus.

Os gregos antigos usavam os métodos das Construções Geométricas para resolver algumas equações do 2º grau e até alguns tipos de equações cúbicas. Dentro dessa linha, os gregos nos legaram os famosos problemas clássicos da “trissecção do ângulo”, da “duplicação do cubo” e da “quadratura do círculo”. A importância desses problemas está no fato de que eles não podem ser resolvidos geometricamente por meio dos instrumentos régua (sem escala) e compasso. Matemáticos de diferentes períodos contribuíram para mostrar a ligação desses problemas com a teoria das equações polinomiais sendo, então, todos respondidos negativamente (RPM n6, pág. 18).

Os gregos empregaram métodos geométricos, mas, os hindus, no início da era cristã, utilizaram métodos aritméticos na resolução de equações, os quais foram desenvolvidos pelos árabes e um dos mais significativos resultados desse período árabe é, sem dúvida, a solução algébrica geral da equação do 2º grau, cujas raízes são dadas pela fórmula amplamente conhecida.

Apesar de tudo, as resoluções algébricas para as equações cúbicas eram desconhecidas. No final do século XV e início do século XVI os matemáticos italianos, principalmente de Bolonha, descobriram que a solução da equação cúbica poderia ser reduzida àquelas dos seguintes tipos:

x3 + px = q,  x3 = px + q e x3 + q = px (observe que essas distinções são decorrentes do não reconhecimento dos números negativos).

Scipione del Ferro, e mais tarde Niccolo Fontana (conhecido como Tartaglia), descobriram as soluções daquelas equações. Os argumentos de Tartaglia foram divulgados por Gerônimo Cardano (1501-1576) com a publicação do seu Ars Magna, 1545, que também divulgou o método de Ferrari da redução de uma equação do 4o grau a uma de 3o grau através de uma expressão radical.

Ora, já que as raízes das equações de grau são 4 são expressões radicais, naturalmente a pergunta que segue é inevitável:

Será que as equações de grau 5 também são resolúveis por meio de expressões radicais?

Muitos matemáticos importantes atacaram o problema. Euler não conseguiu resolvê-lo, porém encontrou novos métodos para a resolução da equação do 4o grau. Em 1770 Lagrange conseguiu um resultado que iria contribuir bastante para o estudo das equações do 5o grau. Ele unificou os argumentos nos casos das equações de grau 3 e 4 e mostrou porque tal argumento falhava no caso do grau 5. A partir daí um sentimento de que a resposta para o grau 5 seria negativa tomou corpo entre os pesquisadores da época. Ruffini, em 1813, tentou uma demonstração de tal impossibilidade mas seus argumentos tinham muitas falhas. Finalmente, em 1824, Abel provou que a equação geral de grau 5 não é resolúvel por meio de radicais. Não ficou estabelecido, porém, quando uma equação de grau  5 é ou não “resolúvel por meio de radicais”.

Em 1843 Liouville escreveu para a Academia de Ciências de Paris anunciando que os trabalhos deixados por Evariste Galois (1811-1832) continham uma solução que respondia precisamente quando uma equação de grau  5 é ou não  “resolúvel por meio de radicais”.

A solução apresentada por Galois, ao caracterizar as equações polinomiais resolúveis por meio de radicais, através de propriedades do grupo de automorfismos de um corpo, é considerada uma das principais conquistas da Álgebra no século XIX.

O leitor interessado neste assunto pode consultar, a respeito, a literatura existente sobre a Teoria de Galois, e, em particular, o livro de A. Gonçalves, citado na Bibliografia, apresenta um parágrafo no capítulo VII sobre a solubilidade por meio de radicais.

   

     Resolução da Equação Cúbica  

Dada a equação:

x3 + px + q = 0,                                              (1)

vamos procurar suas soluções em duas etapas. Na primeira etapa, mostraremos que se u e v são tais que

então x = u – v será solução de (1). Na segunda etapa, determinaremos u e v.

1.ª Etapa: sejam u e v satisfazendo às condições (2); temos 3uv = p e, substituindo p e q em

Portanto x = u – v é solução da equação (1).

Resolvendo esta equação quadrada em u3, temos:

     

mas

 

donde:

 

Portanto uma raiz da equação (1) é:

Conhecida a raiz de x1 de (1), é possível fatorar o polinômio x3 + px + q, dividindo-o por 
x – x1, reduzindo, então o problema de determinar as outras duas raízes de (1) à resolução de uma equação do 2.º grau.

Assinalamos que este procedimento é suficiente para resolver qualquer equação do 3.º grau. De fato, dada uma equação geral de grau 3 podemos, para efeito de determinar as suas raízes, supor que o coeficiente do termo dominante seja 1 e ela será, então, da forma

y3 + ay2 + by + c = 0   (3)

Mediante a substituição y = x + em (3), obtemos

x3 + (3 + a)x2 + (32 + 2a + b)x + 3 + b + c = 0,

Finalmente, retomando a exposição historia, lembramos que, no “Ars Magna”, Cardano estudou a equação cúbica particular  x3 + 6x = 20, quando se serviu de linguagem e processo geométricos. A título de ilustração, apresentamos nos quadros abaixo a solução enunciada por Cardano e um esboço geométrico de uma das provas utilizadas por ele.
 


HIERONIMO CARDANO (1501-1576)

QUADRO I
 

A SOLUÇÃO APRESENTADA POR CARDANO De x3 + 6x = 20

“Eleve ao cubo um terço do coeficiente de x; some-lhe o quadrado de um meio da constante da equação; extraia a raiz quadrada do total. Faça isso duas vezes e a um dos dois some o número que já elevou ao quadrado e do outro subtraia o mesmo. Obterá então um binômio e o respectivo apótema. Depois, subtraindo a raiz cúbica do apótema da raiz cúbica do binômio, o resto ou o que resta é o valor de x.”



PROVA DE QUE:
(u -v)3 = u3–3u2 v +3uv – v3


     Resolução da Equação do 4.º Grau

O desafio da resolução de uma equação de 4.º grau foi lançado em 1540 pelo Matemático italiano Zuanne de Tonini da Coi. Ele propôs a Cardano o seguinte problema:

“Dividir 10 em três partes numa proporção contínua de forma que o produto das duas primeiras seja 6.”

Apresentamos a seguir a solução de Cardano do problema acima, numa versão algébrica. Cardano chegou a estes resultados através de raciocínios geométricos. Na verdade, o método da sua resolução é devido ao seu secretário, Luigi Ferrari (1522-1565). Cardano foi sincero, contando que este processo “é devido a Luigi Ferrari, que o inventou a meu pedido”.

Na linguagem de hoje, o problema dado se traduz em determinar os números (positivos) x, y e z tais que

     

equação:


que é equivalente a uma quártica:

x4 + 6x2 + 36 = 60x.

O primeiro passo de Ferrari-Cardano, foi estabelecer a identidade:

como ilustrado na figura.

Os passos subseqüentes são essencialmente os seguintes:

1. Primeiro somar suficientes quadrados e números a ambos os lados para que o primeiro

2. Agora somar ambos os membros da equação termos desenvolvendo uma nova incógnita y equação agora fica:

=

.

3. O passo crucial é o seguinte e consiste em escolher y de modo que o trinômio no segundo membro fique um quadrado perfeito. Isso se faz igualando a zero o discriminante:

4. Do passo 3 resulta uma equação cúbica em y:

Essa é agora resolvida em relação a y pelas regras previamente dadas para resolução de equações cúbicas sendo o resultado:

5. Substituir o valor de y obtido em 4 na equação para x do passo e extrair a raiz quadrada de ambos os membros.

6. O resultado do passo 5 é uma equação quadrática, que deve agora ser resolvida a fim de que se ache o valor de x desejado. Duas raízes reais do nosso problema são:

 

Para o caso geral de uma equação de quarto grau, o método de Ferrari consiste no seguinte:

Reduzir a equação:

Basta, agora transformar o lado direito num quadrado perfeito, tomando valores convenientes de y, os quais podem ser obtidos igualando a zero o discriminante do trinômio a direita:

Essa equação é uma cúbica, cuja resolução é conhecida.

O passo seguinte é voltar à equação (*) substituindo y pelo seu valor encontrado acima; ela se reduz a equações de segundo grau, cuja resolução é bem conhecida.

 

Bibliografia

[1] BOYER, C.B – “História da Matemática” - (1974), pág. 206-210.

SMITH, D.E. — “A Source Book in Mathematics” (1929), pag. 207-212.

SMITH, D.E. — “History of Mathematics” (Boston, Mass. 1925), vol. II, pag. 462-463.

BOURBAKI, N. — “Elements  d’Histoire des Math;ématiques”, pag. 92-103.

GONÇALVES, A. — “Introdução à Álgebra” (Rio de Janeiro: IMPA, 1979, Projeto Euclides).

 

NR. — Este artigo apresenta um tratamento algébrico para algumas equações. Conquanto este seja um assunto de grande interesse, tanto sob o ponto de vista histórico e do desenvolvimento que imprimiu à Álgebra, quanto para o estudo geral das equações algébricas, cabe aqui uma observação sobre o cálculo de raízes de equações algébricas. As fórmulas da Álgebra para soluções de equações apresentam algumas deficiências. A primeira delas vem citada no artigo: não admitem generalizações para equações de graus mais altos.Uma segunda é a inconveniência para efeito de cálculo numérico: no caso em que se precise o valor de uma tal raiz e os cálculos indicados pelas fórmulas sejam muito complicados. Vale para a resolução das equações algébricas o que vem sendo dito em vários números da RPM sobre o cálculo de raízes quadradas, cúbicas, etc. Mais especificamente, o método de Newton apresentado para a extração da raiz n-ésima de um número real (RPM, n.º 4, pág. 25), ou seja para a resolução da equação xn - C = 0, é mais geral e envolve o cálculo aproximado de raízes de outras equações algébricas ou mesmo de equações não algébricas. Um exemplo destes foi dado no cálculo da raiz negativa de 2x = x2 (RPM, n.º3, pág. 18).