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José Paulo Carneiro
De um modo mais geral, dada uma esfera e um número k, 0 < k < 1/2, queremos determinar a razão q = d/R, onde R é o raio da esfera e d a distância de um plano ao centro da esfera, para que a razão entre o volume do menor segmento esférico de uma base determinado por esse plano e o volume da esfera seja igual a k. Um segmento esférico de uma base fica determinado por sua altura h = R − d, que é a distância de sua base ao seu polo. O volume da esfera é Portanto, q deve ser raiz da equação polinomial do terceiro grau: q3 − 3q + 2 − 4k = 0 (1), além de satisfazer a 0 < q < 1. Para valores particulares de k, podemos resolver essa equação por métodos numéricos, como, por exemplo, o apresentado em [2]. No caso sugerido de k = 1/5, a equação fica: q3 − 3q2 + 1,2 = 0, obtendo-se q A tabela a seguir fornece, à guisa de exemplos, os valores de q (em forma de porcentagem) para outros valores especiais de k. É curioso que, no caso geral, a equação tenha uma solução explícita bastante simples, usando funções trigonométricas. Em primeiro lugar, vamos mostrar que, para qualquer valor de k, sendo 0 < k < 1/2, a equação (1) tem três raízes reais, sendo uma e só uma no intervalo 0 < q < 1. Ou seja, nosso problema tem solução e ela é única, como já esperava o experiente cortador de laranjas. De fato, sendo f(q) = q3 − 3q + 2 − 4k, então: f(−2) = − 4k < 0 f(0) = 2 − 4k = 4( f(1) = − 4k < 0 f(2) = 4 − 4k = 4(1 − k) > 0 Segue que f tem uma raiz entre −2 e 0, outra entre 0 e 1, e uma terceira entre 1 e 2 (veja [2]). Como uma equação do terceiro grau não pode ter mais do que três raízes, essas são todas. Logo, a equação (1) tem uma e só uma solução entre 0 e 1. Vamos agora fazer, na equação (1), a substituição t = arccos (q/2). [Se o leitor ficou cismado com esse artifício, aguarde o final do artigo.] Em primeiro lugar, isso implica que q/2 = cos t. Além disso, como cos π/2 = 0 < q/2 < 1/2 = cos π/3, e a função arccos é decrescente, então: π/3 < t < π/2. Fazendo a substituição q = 2cos t, a equação (1) fica: 8cos3t − 6cos t + 2 − 4k = 0. Porém, cos 3t = 4cos3 t − 3cos t (veja qualquer livro de Trigonometria), ou seja: 8cos3t − 6cos t = 2cos 3t, o que transforma a equação (1) na equação: cos 3t = 2k − 1. (2) Neste ponto, alguns sentem a irresistível vontade de considerar resolvida essa equação, colocando: 3t = arccos(2k − 1), o que implica Como π/3 < t < π/2, então π < 3t < 3π/2. Logo: 0 < 3t − π < π/2 e cos(3t − π) = − cos 3t = 1 − 2k. Portanto, 3t − π = arccos(1 − 2k) (este sim!), donde: Finalmente, a solução do nosso problema é: O leitor pode agora aplicar essa fórmula com a sua calculadora científica. Por exemplo, para k = 1/5, tem-se (com 4 decimais, usando radianos): arccos(1 − 2k) = arccos 0,6 = 0,9273. Então, q = 2cos 1,3563 = 2 × 0,2129 = 0,4257, como havíamos achado antes, resolvendo a equação por outro método. Mas de onde surgiu a ideia da substituição t = arccos(q/2)? Parece-me interessante comentar que essa não foi a primeira ideia para abordar a equação (1). O que fiz primeiro foi submetê-la a duas transformações sucessivas, ambas usuais em resolução de equações do 3º grau (veja [3], [4] ou [5]). A substituição u6 + (2 − 4k)u3 + 1 = 0. (2) Por sua vez, fazendo u3 = z, essa equação é equivalente a: z2 + (2 − 4k)z + 1 = 0. (3) Essa equação do 2º grau tem discriminante 16k(k − 1), que é negativo, pois 0 < k < 1/2. Suas raízes As três soluções de u3 = z = cis θ são:
Aqui, já está claro que a solução de (1) é da forma q = 2cos t, o que justifica o artifício empregado acima. Mas para concluir esse método de resolução, vejamos que, dessas três soluções, a última é a que está compreendida entre 0 e 1. De fato: Conclusão: a solução explícita da equação (1) é
O leitor pode observar que essa fórmula produz os mesmos valores para q obtidos anteriormente, já que arccos(1 − 2k) = π − arccos(2k − 1) e, portanto,
Referências bibliográficas [1] DOLCE, O. e POMPEO, J. N. Fundamentos de Matemática elementar, vol. 10. São Paulo: Atual, 2008. |