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Eduardo Wagner
É estranho o título deste artigo, mas é exatamente esse o assunto que vamos tratar. Há pessoas, com certamente um perverso senso de humor, que se divertem criando problemas que ninguém consegue resolver. Isso deprime os incautos, mas bem-intencionados, professores que tentam resolvê-los sem lograr sucesso após horas de trabalho. Os problemas que andam aparecendo são de geometria, com enunciado razoavelmente simples e são perfeitamente determinados. Uma análise rápida nos convence que há uma solução para o problema mas acontece que ninguém consegue encontrá-la. Um desses problemas chegou à RPM enviado por um colega professor. Pouco tempo depois soube que professores que trabalham comigo em uma escola no Rio de Janeiro também tinham recebido o problema e não conseguiram solução alguma. Antes de mostrar e examinar o problema em questão, vamos ver um exemplo de um outro problema que tem solução, mas que não se consegue resolver.
Problema 1 Os lados de um triângulo retângulo são números inteiros. Sabe-se que o dobro do cubo de um cateto subtraído do cubo da hipotenusa é igual ao outro cateto. Que triângulo é esse? Para resolver, pensamos que, se a é a hipotenusa e se b e c são os catetos do triângulo retângulo, então o problema consiste em encontrar três números inteiros a, b e c tais que 2b3 − a3= c e satisfazendo a condição a2 = b2 + c2 . O leitor não deve perder sequer um minuto tentando resolver isso. É complicado demais. Porém, uma solução existe: trata-se do famoso triângulo de lados 3, 4 e 5. Repare que, de fato, 2 × 43 − 53 = 3. Quem inventou a loucura anterior o fez de trás para frente; pegou um certo triângulo, descobriu alguma relação complicada e a propôs como enunciado de um problema.
Problema 2 (este foi o enviado para a RPM) Encontrar a base maior AB do trapézio ABCD sabendo que AD = , DC = 7, CB = e que o ângulo entre as diagonais mede 60o. Como o leitor poderá perceber logo adiante, não chegamos a uma resposta fazendo cálculos. O que fizemos foi adivinhar a resposta e depois mostrar que o valor proposto realmente satisfaz as condições do enunciado. Porém, essa "adivinhação" só foi possível com os recursos da geometria dinâmica. O problema do trapézio está resolvido, mas de forma não ortodoxa. Aparentemente, não há possibilidade de exprimir algum elemento desconhecido, em função dos dados, por uma fórmula explícita. Por exemplo, a equação que calcula a altura é: Essa equação tem uma raiz menor que 31 , que é Se alguém acha que eu resolvi essa equação, está completamente enganado. Quando desenvolvida na forma de uma equação polinomial, obtemos uma equação de grau muito alto que não tem um método simples de resolução algébrica. A situação não é surpreendente, muito pelo contrário. Inúmeros problemas de geometria não podem ter a resposta dada por uma fórmula explícita. Apesar disso, estão bem-determinados e a solução existe, mas só pode ser encontrada por métodos de aproximação. Dificilmente alguém conseguirá exibir a resposta usando procedimentos algébricogeométricos tradicionais. No final do texto, mostrarei como esse problema foi inventado. Mas, afinal, como veio a solução? Bem, depois de verificar a dificuldade de obter uma solução algébrica, usei um programa de geometria dinâmica (o Cabri) e fiz a simulação do problema a partir dos dados: AD = , CB = , DC = 7 e paralelo a AB. Em seguida, pedi ao Cabri o ângulo entre as diagonais. Variando o ponto D sobre a circunferência de centro A e raio , observei a variação do ângulo entre as diagonais. Quando o ângulo entre as diagonais ficou igual a 60o, a base maior do trapézio media precisamente 14 cm, o que me forneceu a conjectura: Se a base maior é 14, o ângulo entre as diagonais é 60o. A seguir, a figura que gerou a conjectura. Vamos agora provar que a conjectura é verdadeira. Suponha que a base maior do trapézio seja 14. Traçando por C uma paralela ao lado AD, temos a situação da figura a seguir. Aplicando duas vezes o teorema de Pitágoras, encontramos:
Vamos agora calcular as diagonais do trapézio. Logo, Por procedimento análogo, calculamos a outra diagonal Agora, vamos transladar a diagonal AC de 7 cm para a esquerda. No ΔPDB cujos três lados são conhecidos, seja α a medida do ângulo PDB. Pela lei dos cossenos: 212 = 92 +152 − 2 × 9 × 15 × cos α, o que fornece cos α = −1/2, encerrando o problema. A base maior do trapézio mede 14.
Comentários Fiz uma conjectura e tive sorte de encontrar a resposta. Aliás, nem tanta sorte, pois já imaginava que o autor do problema tinha feito as coisas ao contrário. Ele percebeu que um triângulo de lados 9, 15 e 21 tinha um ângulo de 120o. Então, chamou de PDB esse triângulo (ver figura anterior) e fez uma translação de D de 7 cm para a direita. Traçando CA paralelo a DP, ele obteve o trapézio ABCD com as bases AB = 14, CD = 7 e ângulo entre as diagonais medindo 120o. O autor do problema calculou em seguida a altura do triângulo PDB (que é fácil) e, em seguida, calculou os comprimentos dos lados não paralelos do trapézio, encontrando AD = e BC = . As coisas foram feitas ao contrário. Enunciando o problema da forma apresentada, ele fica difícil de resolver, mas a solução existe e foi obtida usando a mesma malandragem do autor.
______________ Em alguns livros didáticos é ensinada a regra de Chiò para calcular determinantes. O professor Valdemiro Pacher (Curitiba, PR) quis saber mais a respeito de Chiò, mas nada encontrou em livros de História da Matemática que consultou ou nos sites usuais de busca na internet. Com muita persistência acabou encontrando uma biografia de Chiò em dois sites e gentilmente fornece os endereços aos leitores da RPM que, como ele, quiserem saber mais sobre Felice Chiò (1813-1871): |