Painel I

     O jogo de bilhar

José Carlos Magossi
CESET − UNICAMP

Estava numa pousada, no salão de jogos, observando uma partida de bilhar. Em dado momento, apresentou-se a situação ilustrada na figura, sendo que o jogador precisava acertar a bola vermelha, mas não podia bater na bola azul.

Para ajudar, um amigo do jogador adotou a estratégia:

• mediu, com um outro taco, colocado apoiado na direção perpendicular à borda da mesa, como na figura, a distância d da bola vermelha até o ponto B, na borda da mesa.

• marcou nesse taco o ponto A tal que a distância BA vale d.

• disse ao jogador para mirar no ponto A e bater na bola branca.

Ao bater no ponto C, na borda da mesa, a bola branca, no movimento refletido, acertou a bola vermelha.

A pergunta que me ocorreu foi: Por que deu certo? A resposta fundamenta-se na lei física que afirma que, na situação descrita, a medida α do ângulo de incidência da bola, ao bater na mesa, é igual ao ângulo de reflexão. O ângulo BCA e o ângulo de incidência são opostos pelo vértice, logo têm a mesma medida α, mostrando que a reta r é a bissetriz do ângulo DCA, sendo D um ponto da trajetória de reflexão. Em consequência, o simétrico de A, em relação a r, que é o ponto no qual está a bola vermelha, pertence à reta CD. Logo, a trajetória de reflexão da bola branca passa pela bola vermelha.

Além disso, a estratégia adotada fornece a trajetória de menor percurso para a bola branca atingir a bola vermelha nas condições do problema. Isso é garantido pelo teorema a seguir, atribuído a Heron, matemático de Alexandria que viveu no primeiro século depois de Cristo.

 

Teorema de Heron

Dada uma reta r e dois pontos P e Q, no mesmo lado da reta r, o ponto R sobre a reta r tal que a distância PR + RQ é a menor possível é aquele em que os ângulos que os segmentos PR e RQ fazem com a reta r são iguais.

Demonstração do teorema

Seja Q' o simétrico de Q em relação à reta r. Por hipótese, a reta r bissecciona o ângulo QRQ'. Segue, por congruência de triângulos, a igualdade QR = Q'R. Seja R' qualquer ponto sobre a reta r, diferente de R.

Então, QR + RP = Q'R + RP = Q'P.

Mas
Q
'P < Q'R' + R'P= QR' + R'P.

Logo, QR + RP < QR' + R'P.

 

Painel II

     Empilhando blocos

Calixto Garcia

É consenso entre os historiadores que membros da escola pitagórica estudaram os chamados números figurados: uma coleção de números que representam uma sequência de figuras geométricas. (Ver RPM 68, p. 7-12.) Dois exemplos clássicos são os números triangulares, 1, 3, 6, ..., tn, ..., e os quadrados, 1, 4, 9, ..., qn, .... Na RPM 68, vimos:

Propriedades interessantes envolvem esses números, entre as quais a de todo número quadrado ser escrito como soma de dois números triangulares consecutivos, como pode ser visualmente verificado na ilustração ao lado, ou algebricamente comprovado, com o auxílio das expressões anteriores.

Neste texto procuramos explorar propriedades envolvendo outra sequência de números dessa espécie: a associada ao número de blocos que contém cada pilha das figuras abaixo, a saber, 1, 4, 10, …

Podemos propor várias questões acerca da n-ésima figura dessa sucessão. O cálculo do número de blocos que ela possui proporcionará um profícuo exercício de técnicas algébricas e de somatório e suas propriedades, assunto esse raramente abordado nos currículos escolares do ensino médio.

Vamos fazer, então, o cálculo do número de blocos da n-ésima pilha (figura n) ou o n-ésimo termo da sequência 1, 4, 10, .... Observando, por exemplo, a terceira pilha, fragmentada como na figura ao lado, vemos que nela existem 1 + (1 + 2) + (1 + 2 + 3) blocos. É então razoável admitir que teremos na n-ésima pilha:

1 + (1 + 2) + … + (1 + 2 + … + n) blocos.

Denotando por Sk a soma 1 + 2 + ... + k, podemos usar a fórmula da soma dos termos de uma P.A. para obter . Então, a n-ésima figura terá a seguinte quantidade de blocos: S1 + S2 + … + Sn =

Pelo feito anteriormente, temos O leitor poderá consultar, por exemplo, a RPM 7 ou 39 para ver uma demonstração de que a soma dos quadrados dos n primeiros naturais, 12 + 22 + ... + n2 é dada por Logo,

Outras questões interessantes para a sala de aula

1. Qual é a área total da superfície da n-ésima pilha, considerando que cada bloco é um cubo com aresta de medida unitária?
2. De quantos blocos precisamos para compor as n primeiras pilhas?
3. Nas condições da questão 1, imaginando cada pilha com os blocos contíguos colados, qual é a altura da n-ésima figura se posicionada de modo a se apoiar em sua parte não plana?

 

Painel III

     O uso da RPM em sala de aula

Vanessa Avansini Botta
FCT – UNESP – Presidente Prudente
botta@fct.unesp.br

Sempre que trabalho em cursos de. capacitação de professores de Matemática, procuro abordar temas interessantes e elaborar atividades possíveis de serem aplicadas por eles, a seus alunos em sala de aula. Em muitas das minhas aulas para esses cursos, é comum o uso da RPM, pois nela encontro artigos de vários assuntos com aplicações e atividades que podem fazer uma aula de Matemática mais prazerosa.

Numa das aulas de um projeto em que trabalhei, resolvi abordar conceitos de área e volume e para isso utilizei o artigo Embalagens, da RPM 60, que trata da mudança da embalagem de várias marcas de sabão em pó (as embalagens passaram de um paralelepípedo "mais estreito e alto" para um "mais largo e baixo"). Depois de iniciar a aula com um pouco de história da Geometria e conceitos básicos de área e volume, apresentei a situação-problema (mudança da embalagem do sabão em pó) e realizamos várias atividades, que incluíram desde a planificação até o cálculo das áreas e dos volumes das duas embalagens, com o uso do software Excel para calcular as dimensões envolvidas. Destacarei aqui a primeira atividade proposta, que foi a planificação das duas embalagens numa mesma cartolina. A cartolina tem dimensões 50,3 cm × 66,2 cm (portanto, área 3329,86 cm2) e as medidas das caixas das embalagens são:

• antiga: 4,8 cm × 16,8 cm × 24 cm (área superficial 1198,08 cm2).
• nova: 19 cm × 7 cm × 14,5 cm (área superficial 1020 cm2).

Achei, inicialmente, a atividade "fácil", mas pensei que seria mais válido trabalhar com algo que os professores pudessem passar aos alunos do que propor uma atividade mais difícil e sem aproveitamento em sala de aula. O resultado foi surpreendente, pois alguns professores tiveram dificuldades significativas para realizar o que se pedia. Era recomendável:

• verificar se havia espaço suficiente na cartolina para planificar as duas embalagens, calculando a área total da cartolina e as áreas das duas embalagens (neste caso, o espaço é suficiente, pois a cartolina tem uma área de 3329,86 cm2 e as embalagens ocupam uma área de 2218,08 cm2);

• fazer um esboço prévio, numa folha de papel com dimensões proporcionais às da cartolina, que mostrasse como colocar as duas planificações na mesma folha.

Num primeiro momento, todos começaram a planificar as embalagens, desenhando-as na cartolina, sem nenhum planejamento. Então, depois de algumas tentativas, perceberam que era necessário decidir previamente uma posição adequada para colocar as duas planificações juntas na mesma folha. Foi, então, preciso rever a maneira de proceder para chegar a uma solução.

Na figura, temos um exemplo de planificação obtida pelos professores. A escala utilizada no desenho foi de 1:10 (1 cm do desenho equivale a 10 cm da medida da embalagem). A planificação do lado esquerdo é da embalagem nova e a do lado direito é da embalagem antiga.

Os professores gostaram da atividade e, depois de algum tempo, encontrei alguns deles e fiquei muito feliz quando disseram que realizaram essa atividade com seus alunos e que a aula foi muito produtiva.