|
|
|
|||||
Alciléa Augusto Ao que parece, o problema que afligiu Gilberto Garbi, autor do artigo Decorar é preciso. Demonstrar também é., da RPM 68, é causa de angústia de muitos outros leitores. Tal foi a reação de alguns professores que escreveram à Revista ou diretamente ao próprio autor! Seguem-se trechos de algumas dessas cartas, ligeiramente adaptados para dar uma ideia geral ao leitor. Um dos missivistas identifica-se com o autor do artigo no seu temor pelo futuro dos alunos de nossas escolas, "proibidos de ter acesso a mecanismos de percepção de regularidades, generalizações, elaboração de conceitos e teorias e mecanismos de prova e demonstração. Deixe que eu me apresente: chamo-me Nelson Arbach, professor de Matemática atuante, com mestrado em Educação Matemática pela PUC − SP e tentei mostrar, em minha dissertação, que alunos que estudam Geometria com demonstrações e alunos que a estudam como dogmas têm rendimento diferente em problemas que possibilitam generalizações e envolvem demonstrações para validar conhecimento por eles elaborado. ... Apresentei um mesmo problema de Geometria a 5 alunos de melhor rendimento em Matemática e Geometria de duas turmas. Numa das turmas ensinava-se a Geometria Dedutiva (... não uma decoreba estéril) e, na outra, a Geometria como ato de fé. Pedi que resolvessem o problema, generalizassem resultados e provassem a teoria criada por eles. Como eu previra, os alunos da turma que trabalhava com teoremas demonstrados fizeram todos os passos, enquanto os da outra mal resolveram o problema. ... Aqui em São Paulo há escolas que se preocupam com demonstrações (repito, trabalhar com demonstrações não é fazer os alunos decorarem frases estéreis e, sim, trabalhar a necessidade de verificação das elaborações produzidas por generalizações sugeridas através das resoluções de situações-problemas). São as escolas da classe média e alta cujos filhos têm melhores resultados nos vestibulares. Afinal, para o resto, para que Ciência? Basta saber como fazer alguns exercícios iguais aos do modelo". Alguns pretendem distribuir o artigo entre os colegas, como Pedro Aurélio, professor universitário, que escreve: "Há cerca de duas décadas a educação no Brasil vem passando por grandes transformações, algumas boas, outras nem tanto. ...Conta-se nos dedos o que realmente vale a pena. Cabe, portanto, aos professores fazer a crítica – e isso é necessário – do que seja de fato útil para um bom aprendizado em Matemática. ... Permita-me usar o seu artigo em nossas reuniões do Departamento de Matemática para aprofundá-lo e abalizar o que já estamos fazendo". Um dos missivistas, John Cleidson, professor de Matemática no ensino médio das redes municipal, estadual e privada, responsável pela formação continuada na esfera municipal da sua cidade, pós-graduado em Matemática e tentando o mestrado em Educação Matemática, confessa que não tem trabalhado as deduções com seus alunos e explica: "Muitas vezes, somos obrigados a cumprir um programa de cabo a rabo. Mesmo assim, seu artigo será tema de reflexão na reunião que farei com meus professores de Matemática. Solicito ao senhor a íntegra do texto, pois na Internet ele não está completo. Claro, se o senhor autorizar!". Há os colegas que manifestam a "alegre sensação de não estar lutando sozinhos, sentindo que podem continuar a sonhar e a trabalhar por uma sociedade em que o estudo propedêutico seja uma meta com valor intrínseco e não apenas um amargo remédio...". É como nos escreve Pedro Nürmberger, professor "de quatro turmas da 7ª série, com crianças inteligentes, irrequietas e alegres, em sua maioria, mas com algumas características preocupantes". E, entre essas características, o colega cita o desconhecimento quase total da Aritmética básica. Ele confirma que "a leitura de seu artigo veio trazer uma lufada de ar fresco ao abafado ambiente escolar em que professores, como eu, tentam mostrar para alunos e gestores que o conhecimento e, em especial, a Matemática, tem valor em si próprio, valor esse que deve ser buscado sem esperar outra recompensa que desenvolver a capacidade de alçar voos, cada vez mais ousados". Com efeito, os que defendem um ensino exclusivamente lúdico, esquecem que a alegria da aquisição do conhecimento é uma satisfação que vai muito além dos dias escolares. Felizmente, não é esse o entendimento das famílias dos estudantes, talvez, mais ainda, das famílias com menos acesso à cultura, que clamam por um ensino mais profundo, ainda que com mais trabalho para seus filhos, conforme prossegue nosso colega: "Curiosamente, os pais, durante as reuniões, pedem que seja dada mais matéria a seus filhos, que seja passada lição de casa todos os dias e que as cópias sejam frequentes para lhes poupar a vergonha e preocupação de vê-los na 7ª série ainda ignorando a tabuada, as quatro operações, que dirá os conteúdos programados". O colega Ricardo Avelar Sotomaior Karam, de Florianópolis, SC, professor de Matemática há 10 anos, com vários títulos de graduação e pós-graduação, atualmente em programa de doutorado na área de Ensino de Ciências e Matemática na USP e professor no IF-SC (antigo CEFETSC), parabeniza o autor do artigo "pela brilhante redação e também pela sua coragem ao abordar temas tão 'polêmicos'. Confesso que me identifiquei muito com seu artigo e torço para que o mesmo seja lido e debatido por vários professores de Matemática de nosso país. ... Sempre defendi a importância das demonstrações para a real compreensão dos 'porquês' tanto na Matemática como na Física. ... Aprendi a gostar de Matemática sempre questionando os porquês e buscando as demonstrações. ... Percebo que poucos valorizam o papel das demonstrações em suas aulas. ... Resultado: alunos querendo saber 'qual é a fórmula que se aplica neste exercício', sem a menor compreensão sobre as razões pelas quais as fórmulas têm esta ou aquela estrutura. ... Penso que, dessa forma, o amplamente manifestado desgosto pela Matemática pode ser melhor compreendido...". A carta termina com a afirmação de que os livros O Romance das Equações Algébricas e A Rainha das Ciências, ambos de autoria de Garbi, têm sido muito inspiradores para o colega. Outros já levaram o artigo a colegas, como escreve o jovem Tannery, professor há 1 ano em Mato Grosso: "Há muito tempo, tenho debatido sobre o tema deste artigo e confesso que foi uma surpresa muito agradável ver que ainda existem professores na vanguarda do ensino da Matemática como realmente ela deve ser: verdadeira e sem exageros de contextualizações forçadas. Criou-se o mito da Matemática para o dia a dia e o que vemos como resultado é uma perda significativa de conhecimento dando espaço para a falta de bom-senso. ... Hoje mesmo, quando terminei de ler este seu artigo, comuniquei imediatamente aos professores de Matemática presentes na reunião pedagógica. A maioria comunga da opinião contida no artigo, mas se diz refém dos alunos que não colaboram para este tipo de ensino (tradicional)". O artigo de Garbi atingiu jovens e professores bem mais experientes como nos comunica o colega de Pelotas, RS, Lino Soares, professor desde 1947, quando tinha 17 anos e, atualmente, aposentado da Universidade Federal de Pelotas e professor da Universidade Católica de Pelotas, no Curso de Licenciatura em Matemática. Ele escreve ao autor: "Cumprimento-o pela clareza, pela objetividade e, acima de tudo, pela oportunidade do mencionado texto, ... que poderá se tornar um verdadeiro chamamento para o grande problema nacional da péssima qualidade do 'ensino' que se pratica na maioria de nossas Escolas. Mormente no que se refere ao ensino da Matemática, do qual V.Sa. fez o foco de seu trabalho. ... Trabalhei em todos os níveis de ensino, desde o antigo Curso Primário até a Pós-Graduação. ... Acompanhei a degradação do ensino da Matemática nas Escolas Brasileiras desde seu início até hoje. ... Nestes últimos 20 anos tenho ministrado cursos sobre tópicos e temas importantes da Matemática, para professores que estejam em atividade nas Escolas Municipais ou Estaduais localizadas no Município de Pelotas, com o objetivo de contribuir para melhorar o nível e qualidade do ensino da Matemática que nelas se pratica. Os resultados, embora alentadores, deixam-me frustrado, pois, aos meus próprios olhos, pareço uma única andorinha a anunciar o verão. Por isso, seu artigo deu-me nova motivação e mais esperanças para continuar acreditando no que faço. Assim, senhor professor, aceite meus parabéns. Seu artigo merece ser lido por todo professor de Matemática que atua em nossas Escolas de Ensino Fundamental e Médio. Por essa razão, tomei a liberdade de copiá-lo para distribuí-lo entre meus alunos da Licenciatura da U.C.Pel. Professor Garbi, seu nome já é bastante conhecido em Pelotas, seus dois livros (Romance das Equações Algébricas e A Rainha das Ciências) são indicados como bibliografia complementar do Curso de História da Matemática que ministro na referida Licenciatura." Certamente, a RPM acertou ao dar voz a esse grito de alarme que tanto sensibilizou leitores e professores que transformaram o autor do artigo em colega professor, tal a sua sensibilidade para os nossos problemas. |