Laura L. R. Rifo
UNICAMP

 

Na semana passada, a minha filha Ana Letícia pediu um aumento de mesada, sem muito sucesso.

Ela então propôs um joguinho: "mãe, se você ganhar, não precisa mais me dar mesada, mas, se eu ganhar, você me dá um aumento de R$ 5,00". "Qual joguinho?" "Imagine um relógio; você pode sortear dois pontos na circunferência. Se o risquinho do 12, que é o dia do meu aniversário, ficar no arco maior, eu ganho; se ficar no menor, você ganha. Se der empate, a gente joga de novo."

Diante da perspectiva de me ver livre da mesada, aceitei a proposta: o 12 poderia ficar em qualquer um dos dois arcos, com mesma chance. Ou não?

Com o auxílio de 60 bolinhas de bingo numeradas de 1 a 60, eu poderia selecionar os dois pontos ao acaso na circunferência do relógio. Se saísse o número 17, por exemplo, eu faria uma marquinha entre os minutos 16 e 17. Assim, todos os pontos da circunferência estariam representados por alguma bolinha.

Coloquei as bolinhas dentro de uma bolsa e peguei duas: saíram os números 45 e 22. Como o risquinho das 12 horas ficou no arco maior, tive que dar os R$ 5,00 de aumento e a Lelê foi embora saltitante e feliz.

Eu continuei extraindo bolinhas: quem sabe, eu teria tido um melhor resultado? Depois de algumas extrações, no entanto, percebi que eu quase nunca ganharia: das 11 vezes em que repeti o jogo, só ganhei em uma. O jogo era claramente desfavorável para mim.

De fato, se a primeira bolinha sorteada fosse, por exemplo, a bolinha 1, eu ganharia o jogo se a segunda tivesse qualquer valor entre 32 e 60, o que ocorreria com chance quase 1/2. Mas, se a primeira bolinha fosse a 10, eu só ganharia se a segunda tivesse um valor entre 41 e 60, algo com chance em torno de 1/3. A situação é dramática quando a primeira bolinha é a 29, pois eu só ganho se a segunda bolinha for a 60, o que ocorre com chance 1/59! (Não estou considerando a possibilidade de ganhar na "prorrogação", provocada, por exemplo, quando a segunda bolinha é a 59.)

Podemos esquematizar o problema cortando a circunferência no ponto 12 horas e definindo seu comprimento igual a 1. Dessa forma, escolher dois pontos ao acaso no relógio equivale a considerar duas variáveis aleatórias independentes, U1 e U2, ambas com distribuição uniforme no intervalo [0, 1]. O intervalo entre esses dois pontos corresponde ao arco que não contém a marca das 12 horas, ou seja, ao meu.

Pelas regras, eu só ganho o jogo quando o comprimento desse intervalo, |U1U2|, é maior que 1/2: se U1U2 > 1/2 ou U2U1 > 1/2, como indicado na região sombreada da figura.

Como o ponto (U1, U2) é escolhido uniformemente no quadrado [0, 1] × [0, 1], a probabilidade de observar um ponto favorável é igual à área da região sombreada, que representa os possíveis resultados com os quais a Lelê ficaria sem mesada: 1/4. Ou seja, eu tinha 75% de chance de perder no jogo proposto pela minha própria filha. Cria cuervos...

Mas será que eu deveria não ter aceitado participar do jogo, já que minha probabilidade de perder era 75%? O conceito do valor esperado pode ser útil aqui.

Se não tivesse aceitado a proposta, a mesada (custo de tal decisão) continuaria sendo R$ m, sem nenhuma alteração. Ao aceitar a proposta, surgiram duas possibilidades: com probabilidade 0,25, eu passaria a pagar R$ 0,00, e com probabilidade 0,75, eu passaria a pagar R$ m + R$ 5,00. Portanto, o custo esperado dessa decisão era

0,25 × R$ 0 + 0,75 × (R$ m + R$ 5) = 0,75 × (R$ m + R$ 5).

Como o valor da mesada era R$ 30,00, o custo esperado dessa decisão era 0,75 × R$ 35,00 = R$ 26,25. Logo, o custo esperado de aceitar a proposta, R$ 26,25, era menor que o custo esperado de não aceitá-la, R$ 30,00. De fato, para qualquer valor R$ m > R$ 15,00, o custo esperado de aceitar jogar era menor que o de não jogar. Portanto, aceitar o jogo foi, nesse sentido, a decisão acertada.

Comentários

O joguinho proposto pela Ana Letícia foi apresentado pelo professor Servet Martínez no Café Matemático, uma oficina de Matemática para professores do ensino médio, organizado pela professora Soledad Torres na Universidad de Valparaíso, no Chile. Este problema está intimamente relacionado com o paradoxo do tempo de espera, já discutido em [3]: neste caso, é mais provável cobrir o 12 com um intervalo maior que com um intervalo menor.

A discretização do relógio com as bolinhas de bingo foi apresentada por meus alunos na UPA 2007 − Universidade de Portas Abertas −, evento que promove as carreiras oferecidas pela UNICAMP. A reação do público, em torno de 2.000 pessoas, foi em geral de surpresa pelo resultado tão desfavorável ao jogador.

É uma atividade interessante para ser realizada em sala de aula: sua execução é rápida, o resultado causa surpresa e a explicação envolve uma interpretação geométrica de probabilidades, em geral, bem aceita pela intuição.

Referências bibliográficas

[1] BEKMAN, O. R. e COSTA NETO, P. L. O. Análise Estatística da Decisão. Editora Blücher, 2002.
[2] FELLER, W. Introdução à Teoria das Probabilidades e suas Aplicações. Vol. 1. Editora Blücher.
[3] RIFO, L. L. R. A outra face da moeda honesta. RPM 64.

Nota: Problemas análogos ao tratado neste artigo foram publicados na RPM 58, p. 59, e RPM 20, p. 20.