Várias faces da Matemática

Geraldo Ávila
Editora Edgard Blücher

Autor da resenha: Severino Toscano do Rego Melo

 

Várias faces da Matemática é dirigido especialmente a professores do ensino fundamental e médio, mas também ao público em geral, e é baseado em artigos publicados na RPM desde 1982. Seu autor é um dos grandes divulgadores da Matemática no Brasil. O primeiro capítulo é um manifesto entusiasmado e inspirador sobre por que ensinar Matemática. Sim, ela deve ser ensinada devido às aplicações e por ajudar a desenvolver o raciocínio lógico, mas essas não seriam as razões principais. O mais importante é o aspecto humanístico: sendo a Matemática parte substancial do patrimônio cognitivo da humanidade, uma pessoa sem conhecimento matemático tem horizontes culturais mais restritos. Essa convicção do autor se reflete em todo o livro, e pode servir de resposta também a alguém que se pergunte por que ler o livro. Sim, ele é útil para complementar a formação de um professor e por sugerir assuntos interessantíssimos que podem ser tratados em sala de aula. Mas sua leitura trará uma satisfação especial àqueles, matemáticos profissionais ou não, que apreciem o papel da Matemática como parte central das realizações intelectuais da humanidade.

Esse é um livro particularmente bem-vindo nos dias de hoje, em que contextualização e interdisciplinaridade são palavras da moda. O autor oferece muitas sugestões de como contextualização e interdisciplinaridade podem ser usadas no ensino de Matemática de uma maneira inteligente e verdadeiramente motivadora, sem nunca perder de vista aquela preocupação humanística declarada no Capítulo 1. Um aluno do ensino fundamental pode perfeitamente apreciar os argumentos geométricos usados pelos cientistas da civilização helenística para estimar o raio da Terra (Capítulo 2). Também pode entender o argumento usado por Copérnico para calcular o tempo que cada planeta leva para dar uma volta em torno do Sol, e que dados astronômicos são necessários para isso (Capítulo 15). Um pouco mais sofisticados, mas também um possível tópico para sala de aula, são os argumentos usados por Aristarco para estimar os raios do Sol e da Lua e suas distâncias à Terra, discutidos no Capítulo 4. Uma pergunta, entretanto, fica sem resposta nesse capítulo: por que o cálculo da razão entre as distâncias da Terra ao Sol e à Lua usando a assimetria das fases da Lua leva a um resultado tão impreciso? Outro exemplo de um argumento sofisticado, belíssimo e de grande importância histórica é o cálculo do volume da esfera efetuado por Arquimedes, descrito na Seção 12.8.

A exposição muito clara e agradável de se ler sobre o método axiomático, conjuntos e fundamentos da Matemática (Capítulos 8 a 11) leva a uma discussão sobre a necessidade e os riscos do uso da linguagem rigorosa no ensino. Depois de deixar claro que demonstrações e preocupação com a linguagem são indispensáveis para o desenvolvimento e compreensão da Matemática, o autor nos alerta, na Seção 10.12, que a linguagem e o simbolismo da Matemática são um mal necessário, que a tornam inacessível mesmo aos leigos cultos, e podem prejudicar o ensino, se usados na dose errada. O professor nunca deve esquecer que o objetivo do ensino é transmitir ideias e que pedantices artificiais podem obstruir o caminho do aprendizado.

O Capítulo 13 trata de números primos, de sua importância histórica e de sua atualidade. O autor nos informa que o maior primo encontrado até setembro de 2006 era 232.582.657 −1, com 9.808.358 algarismos. Futuras edições com certeza mencionarão primos maiores que esse. Dois deles foram encontrados em 2008 (http://primes.utm.edu/notes/M45_46.html). O maior primo conhecido, até outubro de 2008, era 243.112.609 −1, com 12.978.189 algarismos.

Dentre os diversos pequenos erros que encontrei no texto, relato aqui apenas aqueles que talvez possam comprometer a compreensão. No começo do Capítulo 3, está escrito que o raio da Terra é aproximadamente 64.000 km, quando se queria dizer 6.400 km. No final da Seção 14.13, menciona-se a hipótese "geocêntrica" de Aristarco, quando se queria dizer heliocêntrica. Por fim, o enunciado do Problema 1 da Seção 16.11 está incompleto. Falta a informação de que o satélite artificial orbita a 200 km de altura.