Gerson Espindola Serpa

 

Sempre considerei que os alunos, de uma forma geral, detestassem fórmulas prontas, receitas de bolo como se costuma dizer. E o motivo para tal sempre me pareceu muito simples: ninguém gosta daquilo que não entende. Procurava, então, trazer à luz, sempre que possível, os objetivos e passos que levavam a uma fórmula matemática.

Entretanto, quando ministrei aulas em cursos preparatórios para jovens que prestariam concursos, escutei com freqüência a pergunta: "Não existe uma maneira mais fácil para fazer isso?". Assim, descobri com os meus alunos que toda situação muda dependendo das pessoas e de seus objetivos. E a pergunta acima se transformou em "Existe uma fórmula para isso?".

O que me proponho aqui é responder a essa pergunta obtendo uma fórmula para resolver um problema que aparece com freqüência e é surpreendente que haja uma solução compacta para ele, fornecida por uma fórmula. Seu enunciado é:

Quantos são os algarismos escritos ao colocarmos os números naturais de 1 até N, um ao lado do outro?

Esse problema apareceu, por exemplo, numa das edições da Olimpíada Mineira de Matemática como:

P1: Seja K o número formado colocando-se os números de 1 a 2007 um ao lado do outro, isto é, K = 12345678910...20062007. Quantos são os algarismos desse número? Também pode aparecer ligeiramente modificado, como:

P2: Colocando-se todos os números, de 1 a 2008, um ao lado do outro, qual algarismo ocupará a posição 2008ª?

 

A fórmula

Sendo N um número natural de n algarismos e Q(N) a quantidade de algarismos escritos quando se colocam os números naturais de 1 até N um ao lado do outro, consegui chegar a esta, para mim surpreendente, fórmula:

Por exemplo, a resolução convencional de P1, por contagem, é:

• do 1 ao 9, temos 9 algarismos;
• do 10 ao 99, temos 90 números de 2 algarismos; logo, 180 algarismos;
• do 100 ao 999, temos 900 números de 3 algarismos; logo, 2 700 algarismos;
do 1 000 ao 1 999, temos 1 000 números de 4 algarismos; logo, 4 000 algarismos;
• do 2 000 ao 2 007, temos 8 números de 4 algarismos; logo, 32 algarismos.

Segue-se que no total o número K possui

9 + 180 + 2 700 + 4 000 + 32 = 6 921 algarismos.

Vejamos pela fórmula.

N = 2 007, n = 4 (2 007 possui 4 algarismos) e o subtraendo será 1111 (com 4 números 1):

Q(2 007) = 4(2 007 + 1) – 1111 ⇔ Q(2 007) = 8 032 – 1111 = 6 921.

Para P2, a contagem convencional mostra, como fizemos em P1, que, de 1 a 99, há 189 algarismos e de 1 a 999 há 2 889 algarismos. E, como a posição 2 008ª está entre a 189ª e a 2 889ª, concluímos: o algarismo procurado pertence a um número de três algarismos e encontrase a 2 889 – 2 008 = 881 posições atrás do último 9 do número 999. Olhando para os números com 3 algarismos abaixo de 999 e considerando que 879 ÷ 3 = 293, concluímos que o algarismo procurado pertence ao número 999 – 293 = 706 ou abaixo dele. Ora, o algarismo 6 do número 706 encontra-se a 879 posições abaixo de 999 e, como faltam duas posições mais abaixo, temos que o 0 (de 706) está a 880 posições abaixo de 999 e o 7, a 881 posições abaixo. Concluindo, o algarismo procurado é o 7. (Ufa!)

Para utilizar a fórmula em P2, não conhecemos N, mas, como:

Q(9) = 1(9 + 1) – 1 = 9,
Q(99) = 2(99 + 1) – 11 = 189,
Q(999) = 3(999 + 1) – 111 = 2 889

e a posição 2 008 encontra-se entre 2 889 e 189, o número do algarismo procurado possui 3 algarismos. Conseqüentemente, n = 3 e fazemos:

2008 = 3(N + 1) – 111 ⇔ 3N = 2008 + 111 – 3 ⇔ 3N = 2 116.

Observe que a igualdade acima não tem solução inteira e isso ocorre porque o algarismo procurado está no interior do número, como, por exemplo, o algarismo 5 em 2 153. Nesse caso, como 2 116/3 está entre 705 e 706, recorremos novamente à fórmula:

Q(705) = 3(705 + 1) – 111 = 2 007
Q(706) = 3(706 + 1) – 11 = 2 010.

E o significado disso é que o algarismo 5 do número 705 ocupa a 2 007ª posição, o algarismo 7 do número 706 ocupa a 2 008ª posição, o algarismo 0 do número 706 a 2 009ª, e o algarismo 6 do número 706, a 2010ª. Portanto, o algarismo procurado é o 7 (do número 706).

 

A dedução da fórmula

Claro que a fórmula não é resultado de mágica; logo, mostro agora os passos que me levaram a ela. Vimos que a seqüência dos números:

de 1 a 9 tem 9 números e 9 algarismos;
de 10 a 99 tem 90 números e 2 × 90 = 2 × 9 × 10 algarismos;
de 100 a 999, tem 900 números e 3 × 900 = 3 × 9 × 102 algarismos;
de 1000 a 9 999, tem 9 000 números e 4 × 9 000 = 4 × 9 × 103 algarismos.

Generalizando, temos que a seqüência de todos os números com n algarismos tem 9 × 10n–1 números e n × 9 × 10n–1 algarismos.

Logo, se Kn−1 é o número 999 … 999, formado por (n−1) noves, lembrando que Q(Kn−1) denota a quantidade de algarismos que escrevemos ao colocar de 1 até Kn−1 um ao lado do outro, temos:

Q(Kn−1) = 9 + 2 × 9 × 10 + 3 × 9 × 102 + ... + (n −1) × 9 × 10n–2
= 9 [1 + 2 × 10 + 3 × 102 + ... + (n −1) × 10n–2].

Fazendo S = 1 + 2 × 10 + 3 × 102 + ... + (n −1) × 10n–2, temos que

10S = 10 + 2 × 102 + 3 × 103 + ... + (n −1) × 10n–1
10SS = (n −1) × 10n–1– 10n–2 – ... – 103 – 102 – 10 – 1
9S = (n −1) × 10n–1 – (1 + 10 + 102 + 103 + ... + 10n−2).

E, como (1 + 10 + 102 + 103 +...+ 10n-2 ),

.

Por exemplo, dado o número N = 56 432 com n = 5 algarismos, Q(K4) = Q(9 999) fornecerá a quantidade de todos os algarismos escritos quando colocamos os números de 1 até 9 999 lado a lado, restando descobrir quantos algarismos escrevemos de 10 000 a 56 432.

Dado N um número com n algarismos, temos que, de Kn−1 até N, existem N – (10n–1 – 1) números e um total de n × (N – 10n–1 + 1) algarismos. Por fim, para se descobrir o número total de algarismos de 1 até N, Q(N), basta fazer:

Q(N) = n × N −10n−1 +1) + Q(Kn−1) =

E, para tornar a fórmula mais palatável aos alunos, podemos fazer:

Nada substitui o raciocínio, mas, em se pretendendo solucionar questões semelhantes às que discorremos aqui com celeridade, fiquem à vontade para experimentar a fórmula. Muito obrigado.