Márcio Andrade Monteiro

 

Para medir o nível de desenvolvimento humano de países, o indicador mais utilizado é o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Esse indicador foi criado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), órgão da Organização das Nações Unidas (ONU), e é mensurado a partir de três dimensões: acesso à educação e cultura, possibilidade de uma vida saudável e longa e padrão de renda adequado. Os indicadores usados para medir essas dimensões são, respectivamente: taxa de alfabetização combinada à taxa de matrícula, esperança de vida ao nascer e Produto Interno Bruto (PIB) per capita.

Apesar das críticas de diversos especialistas, o IDH é muito usado para avaliação e comparação entre países. Os livros de Geografia do ensino fundamental e médio costumam apresentar o indicador, mas sem detalhes. Ele, entretanto, tem uma expressão matemática não trivial que pode dar origem a um bom trabalho interdisciplinar ligando a Matemática e a Geografia.

O IDH e suas dimensões variam de 0 a 1, de tal forma que, quanto mais próximo de 1, maior é o desenvolvimento humano. A fórmula do IDH é

sendo

IDHS = Índice de vida saudável.
IDHE = Índice de acesso à educação e cultura.
IDHR = Índice de padrão de renda adequado de vida.

Para calcular IDHS, IDHE e IDHR, utiliza-se um procedimento de normalização para que esses índices variem de 0 a 1.

Suponha que um indicador x varia de xmin (valor mínimo) até xmax (valor máximo). A normalização é feita pela transformação:

xnorm = (x − xmin) / (xmax − xmin ) .

Assim, temos:

, sendo E = Esperança de vida ao nascer. Os valores mínimo e máximo desse indicador, 25 e 85 anos, são dados pelo PNUD.

, sendo

A = taxa de alfabetização, que é a porcentagem de pessoas com 15 anos ou mais, alfabetizadas e
M = taxa de matrículas, que é a porcentagem das pessoas entre 7 e 24 anos que estão matriculadas nos diferentes níveis de ensino.

, sendo PIBPC = PIB per capita em dólares. O mínimo e o máximo dessa variável, que também são dados pelo PNUD, são 100 e 40 000 dólares/habitante.

O uso do logaritmo é justificado, pois o que interessa são as diferenças relativas e não absolutas: um real extra de renda, quando a renda é de 10 mil reais, não é insumo tão importante quanto um real extra quando a renda é de 100 reais. Isso sugere uma exploração interessante da função logarítmica, entre a turma e os professores de Matemática e Geografia.

Em 2005, o Brasil estava em 70º lugar no IDH, entre 177 países, com E = 71,7; A = 88,6; M = 87,5; PIBPC = 8 402 dólares/habitante e um IDH igual a 0,800, sendo considerado, pela primeira vez, entre os países de alto desenvolvimento humano (Estamos?).

Será que é fácil aumentar o IDH? Vamos pensar numa meta! Que tal medir o quanto teríamos que fazer para alcançarmos os nossos vizinhos argentinos? Em 2005, a Argentina estava em 38º lugar no IDH com E = 74,8; A = 97,2; M = 89,7; PIBPC = 14 280 dólares/habitante e um IDH igual a 0,869.

Comecemos pensando em como poderíamos aumentar os indicadores de Educação, sem alterar os demais, para aumentar o nosso IDH. Sejam x e y, respectivamente, os aumentos na taxa de alfabetização e na taxa de matrícula e p o aumento no IDH.

O índice de alfabetização atual é e o novo será . O índice de matrículas atual é e o novo será . O novo IDH, que denotaremos por IDH', será:

Logo, p = IDH' −IDH =, ou seja, (1) 2x + y = 900p.

Observemos que x e y só podem variar nos intervalos:

0 x 100 − A e 0 y 100 − M.

Como o aumento p, necessário para alcançar o IDH da Argentina, é de aproximadamente 0,07 e os índices atuais de alfabetização e matrículas no Brasil são A = 88,6 e M = 87,5, temos as seguintes condições para que isso ocorra:

(2) 2x + y = 900 × 0,07 = 63; (3) 0 x 11,4; (4) 0 y 12,5.

Das equações (3) e (4), segue 2x + y 35,3 e, portanto, não existe um par de valores (x, y) que satisfaça (2), (3) e (4) simultâneamente. Isso é ilustrado no gráfico da esquerda. Ou seja, sem aumentar os indicadores de saúde ou de renda não conseguiremos chegar ao IDH argentino atual de 0,869.

Observe-se que, se o aumento necessário fosse de apenas  0,02,  a equação  (2) ficaria: (5)  y = −2x + 18 e a equação (5) teria solução como mostra o gráfico da direita.

Façamos a opção de não variar o indicador de saúde, pois um aumento na expectativa de vida ao nascer se dá lentamente por depender de um conjunto de fatores ligados à saúde. Sendo assim, vamos examinar o quanto deveríamos aumentar a renda per capita para alcançar os argentinos, mantendo as outras duas dimensões inalteradas. Indiquemos por z o índice de aumento na renda per capita. Assim, a nova renda per capita seria RPC' = zRPC. O novo IDH seria:

Logo, o incremento p = IDH' − IDH seria dado por
3p(log RPC
max − log RPCmin) = log z  ou  z = (RPCmax/RPCmin)3p.

Para  obter  p = 0,07,  com  os valores  máximo  e  mínimo dados,  tem-se,  portanto,  z = (40000 /100)0,21 3,52 .

Isso significa aumentar o PIB per capita brasileiro em 252% em relação ao de 2005. É passar de 8 402 para, aproximadamente, 29 568, próximo do PIB per capita da Alemanha no referido ano!

Considerando uma taxa média de crescimento de 5% ao ano do PIB e a população constante, já que o crescimento populacional brasileiro é bem pequeno atualmente, o número n de anos necessários para alcançar tal PIB per capita seria dado por:

(1,05)n = 3,52 ⇒ n log 1,05 = log 3,52 ⇒ n 25,8 anos.

Podemos fazer uma combinação de investimentos em Educação e no crescimento econômico. Para abreviar, podemos supor alcançado o IDHE = 0,95 e calcular o PIB per capita necessário para alcançar o IDH argentino aproximado de 0,87. Para isso, teríamos:

Assim,

Logo, PIBPC 19 607.

Considerando, novamente, a taxa de crescimento de 5% ao ano, estimemos quantos anos seriam necessários.

anos para alcançarmos os argentinos.

Ao olharmos a diferença entre os dois países no intervalo de variação do IDH, a distância parece pequena, mas os cálculos mostram que ela é difícil de ser alcançada quando olhamos as componentes do índice e o quanto teríamos que aumentar os nossos números.