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Chico Nery
A Geometria Analítica Plana (GA), aquela que se estuda no plano cartesiano, costuma aparecer na 3ª série, às vezes na 2ª série, do ensino médio, depois de o aluno ter tido bastante contato com a tradicional Geometria Plana (sintética) (GP). Essa "mudança de geometria" costuma ser um balde de água fria na vida dos dois personagens envolvidos: do aluno e do professor. Geralmente, com o decorrer das aulas, dependendo de como a GA é lecionada, o aluno acaba vendo um apanhado de fórmulas a serem decoradas: fórmulas de ponto médio, baricentro e distância entre dois pontos; as várias equações da reta (geral, reduzida, segmentária, etc.), as condições de paralelismo, perpendicularismo, distância entre ponto e reta (cuja fórmula raramente o professor deduz); as duas equações da circunferência (reduzida e geral) e as condições de tangenciamento. E, finalmente, e muito raramente, são apresentadas as equações das cônicas: elipse, parábola e hipérbole, quando o aluno já pode estar desmotivado e o professor frustrado por não ter conseguido cativar o aluno. Onde vejo que está a falha e como acho que essa condição pode ser modificada para melhor? A meu ver, a GA, como está na maioria dos livros didáticos, apresenta suas fórmulas e, em seguida, os exercícios como meras aplicações diretas para sua memorização. Por exemplo: calcule a distância entre os pontos (−1, 2) e (5, 10); calcule a distância do ponto (1, 3) à reta 12x + 5y − 1 = 0; escreva a equação da reta que passa pelos pontos (3, 3) e (6, 4), etc. A GA fica parecendo uma parte da Matemática que se encerra em si mesma. Para mim, é aí que está a maior falha no ensino da GA. Não nego que devemos valorizar as fórmulas, afinal a GA é basicamente isso, um estudo da GP por meio de equações. Mas, se a GA é isso, é primordial que nós, professores, revisitemos a GP para resolver alguns exercícios de enunciados aparentemente específicos de GP, porém utilizando recursos aprendidos na GA. Caso contrário, fazendo uma analogia, seria acreditar que dar uma caixa de ferramentas para um aluno já seria suficiente para transformálo num mecânico. Eu, particularmente, gosto de olhar essas duas geometrias como irmãs gêmeas. Passo a maior parte do meu trabalho em frente à lousa, interagindo, se possível, com meus alunos e noto que alguns deles preferem a GA (e não são poucos!), assim como outros se sentem mais à vontade com a GP. Muitos deles ficam encantados ao ver um mesmo exercício sendo resolvido de duas maneiras. Eles acham interessantíssima a escolha do melhor posicionamento da figura do problema no plano cartesiano. Sentem-se emocionados de terem a liberdade de escolher as coordenadas para cada ponto estratégico da figura. Darei a seguir alguns exemplos que costumo usar em sala e que não só revelam uma das principais funções da GA, como acredito que contribuam para o aluno valorizá-la e até, quem sabe, apreciá-la. Exemplo 1 Na figura, o quadrado ABCD tem lado 9 e os pontos P e Q dividem o lado CD em três segmentos congruentes. Calcule a distância do vértice A ao baricentro G do triângulo BPQ. Resolução "Encaixemos" o quadrado ABCD no primeiro quadrante do plano cartesiano, com o vértice D coincidindo com a origem. Sendo A= (0, 9), B = (9, 9), P = (3, 0) e Q = (6, 0), é conhecido que as coordenadas do baricentro G são: portanto, G = (6, 3). A distância procurada é: Exemplo 2 Os catetos de um triângulo ABC, retângulo em A, medem AB = 10 cm e AC = 15 cm. Se AD é bissetriz do ângulo A, calcule as áreas dos triângulos ABD e ACD. Resolução Coloquemos o triângulo ABC encaixado no 1º quadrante do plano cartesiano, de modo que o vértice A coincida com a origem. Teremos: A reta AD tem equação y = x, pois passa pelo ponto (0, 0) e tem coeficiente angular m = tg 45° = 1. A reta BC tem equação segmentária , pois determina nos eixos x e y segmentos de medidas 15 e 10 respectivamente. O ponto D, pé da bissetriz AD na hipotenusa BC, que é a intersecção dessas duas retas, pode ser obtido resolvendo-se o sistema formado pelas suas respectivas equações: , ou seja, D = (6,6) A partir desse momento, podemos calcular as áreas tanto por GA como por GP. O triângulo ACD tem vértices A = (0, 0), C = (15, 0) e D = (6, 6) e o triângulo ABD tem vértices A = (0, 0), B = (0, 10) e D = (6, 6); logo, suas áreas são Exemplo 3 As medianas AM e BN de um triângulo ABC são perpendiculares e medem, respectivamente, 9 cm e 12 cm. Calcule o comprimento da terceira mediana desse triângulo. Resolução O encontro das medianas é o baricentro G do triângulo ABC. Usando o fato de que as medianas AM e BN se cortam perpendicularmente em G, coloquemos esse triângulo no plano cartesiano com origem em G. Usando a conhecida proporção em que G divide as medianas, temos: , Resolvendo o sistema anterior, encontramos o ponto C = (8, −6). O comprimento da terceira mediana é 3/2 da distância entre C e G: Exemplo 4 Calcule a área do triângulo ADE, retângulo em E, inscrito num trapézio retângulo ABCD, com AB = 10 cm, AD = 30 cm e CD = 20 cm (figura). Resolução Encaixemos o trapézio ABCD no primeiro quadrante do plano cartesiano, fazendo os lados AD e AB ficarem contidos, respectivamente, nos eixos x e y. Como a reta BC tem coeficiente angular e coeficiente linear 10, sua equação reduzida é . A circunferência de diâmetro AD, com centro M = (15, 0), passa pelo ponto E e tem equação: (x – 15)2 + y2 = 152. O ponto E é dado pela solução do sistema: , Acredito mesmo que, só após a resolução de problemas como esses, o aluno passe a enxergar a GA como um instrumento de resolução de problemas geométricos. Só para não perder o hábito, deixo para os nobres colegas a tarefa de tentar resolver (preferivelmente por GA) o problema: ABCD é um retângulo com AB = 60 e BC = 80. Calcule a distância da diagonal AC ao centro de uma circunferência que tangencia os lados AD, AB e BC. Agora, para não pensarem que tenho preferência pela GA, apresento a seguir resoluções dos problemas dos exemplos considerados neste texto, por meio da geometria sintética. Exemplo 1 Faça a figura sem o ponto G. Seja M o ponto médio de PQ que também é médio de DC. Trace BM e AC que se cortam em E. Os triângulos ABE e CME são semelhantes e, como AB = 2MC, temos BE = 2EM. Logo, E é o baricentro do triângulo BPQ e os pontos G e E coincidem. Assim, Exemplo 2 Faça a mesma figura. Como D eqüidista dos lados AB e AC, então as áreas dos triângulos ABD e ACD são proporcionais a 10 e 15 (ou seja, a 2 e 3). Como a área do triângulo ABC é 75, as áreas dos dois triângulos são 30 e 45. Exemplo 3 Trace CG, que, como também é mediana, corta AB no seu ponto médio P. Pela propriedade do baricentro, temos AG = 6 e BG = 8. Logo, AB = 10 e GP = PA = PB = 5. Se GP = 5, então CP = 15. Exemplo 4 Tomemos os pontos F, em CD, e H em AD, de modo que BF seja perpendicular a CD e EH perpendicular a AD, com L na intersecção de BF com EH. Sendo EL = x, e sendo semelhantes os triângulos BLE e BFC, com CF = 10 e BF = 30, temos BL = 3x. Assim, AH = 3x e HD = 30 − x. No triângulo retângulo AED, temos EH2 = AH × HD, ou seja, (10 + x)2 = 3x(30 − 3x), de onde tiramos x = 2 ou x = 5. A área do triângulo AED pode ser: |