Painel I
"Lei dos senos" para cossenos?

Carlos A. Gomes
UFRN

Na RPM 42 está publicado um quadro de minha autoria com o título Você sabia que a lei dos cossenos vale para os senos?. Agora, este texto tem como objetivo exibir um outro fato curioso. É bem conhecida de todos a lei dos senos, que relaciona as medidas a, b e c dos lados de um triângulo qualquer com os senos das medidas de seus respectivos ângulos internos, A, B e C e a medida R do raio da circunferência circunscrita ao triângulo ABC, a saber:

O fato curioso que apresentaremos é o seguinte: se denotarmos por a, b e c as medidas das distâncias de cada um dos vértices de um triângulo acutângulo ABC ao seu ortocentro, é válida a bela relação que costumo chamar de lei dos senos para os cossenos:

Os matemáticos vivem procurando simetrias e padrões com os quais se encantam e esse, na minha opinião, é um belo exemplo da simetria e beleza da matemática. Para obtermos o resultado, vamos usar a seguinte propriedade, P, do ortocentro, válida para um triângulo qualquer. Uma demonstração de P pode ser encontrada, por exemplo, na RPM 55, p. 26.

P: Se H é o ortocentro de um triângulo ABC, então o ponto simétrico de H com relação a qualquer dos lados do triângulo ABC pertence à circunferência circunscrita ao triângulo.

Observamos:

1. Se H' é o simétrico de H com relação a BC, os triângulos retângulos CDH e CDH' são congruentes, pois têm um lado em comum e DH = DH', logo, CH' = c.

2. Já que, por P, os triângulos ABC e ACH' têm a mesma circunferência circunscrita, aplicando a lei dos senos no triângulo ACH', obtemos

, pois, como α e C são ângulos complementares, temos senα = cosC.

De modo análogo, obtêm-se as igualdades

e, então,

É bastante claro que esse resultado não é válido para triângulos retângulos (um dos cossenos é nulo) ou acutângulos (um dos cossenos é negativo).

 

Painel II
A união entre o símbolo "=" e a igualdade

José Dilson Beserra Cavalcanti
UFRPE/SEDUC−PE/SME−Tupanatinga
Marcelo Câmara dos Santos
Colégio de Aplicação da UFPE

Os símbolos não caíram do céu. Conhecer a História da Matemática e de seus símbolos é uma atividade interessante que podemos realizar desde cedo em nossas salas de aula.

É difícil pensarmos em Matemática sem o símbolo "=" representando a igualdade. Contudo, a História nos mostra inúmeros encontros e desencontros entre o "=" e a igualdade.

Antigamente, quase tudo em Matemática era escrito por palavras, e não apenas por símbolos. A igualdade já foi representada pelas palavras aequales, aequantur, esgale, faciunt, fera egale, phalam, ghelijck, ou gleich; e por abreviações como aeq (referente a aequales ou aequantur), e pha (referente a phalam) ([1], [2] e [3]) e também por diversos outros símbolos diferentes do "=". No papiro de Rhind (ver, por exemplo, RPM 35, p. 4) aparece um símbolo semelhante a , para denotar igualdade. Já Diofanto (aproximadamente século III a.C.), em seus escritos, fazia uso do símbolo . O símbolo , por sua vez, também foi utilizado por Al-Qalasâdî (1412-1486) para igualdade. Já Regiomontanus (1436-1476), Luca Pacioli (1445-1517) e outros empregaram um traço na horizontal. Cardano (1501-1576), por sua vez, deixava, em algumas ocasiões, um espaço em branco no lugar onde colocamos, comumente, o sinal de igualdade.

A primeira vez que o símbolo "=" apareceu como sinal de igualdade foi no livro The Whetstone of Witte (Pedra de afiar da inteligência), escrito pelo inglês Robert Recorde, em 1557 (veja figura na página seguinte). Podemos observar que o "=" que usamos hoje em dia é uma versão reduzida da original, inventada por Recorde.

Segundo [5], "a introdução do símbolo de igualdade fornece um indício histórico da associação de um símbolo a um conceito matemático 27 [...]" (p. 17). A primeira utilização do símbolo "=", como sinal de igualdade, foi no campo da Álgebra, no contexto do conceito de equações.

Página do livro The Whetstone of Witte na qual aparece
o símbolo = um pouco mais alongado
(Na penúltima linha do texto está o símbolo "=", e, em seguida, a
justificativa de Recorde para escolher esse símbolo.)

Mesmo parecendo perfeita a união entre o símbolo "=" e o conceito de igualdade, sua aceitação não foi imediata. Diversos matemáticos europeus utilizavam também o símbolo "=" para outras finalidades. Por exemplo, em 1591, Viète utilizava o símbolo "=" para indicar uma diferença aritmética. Descartes, em 1638, também o utilizava, mas no sentido de mais ou menos "±". Johann Caramuel empregou o símbolo "=" como sinal de separação dos decimais, no lugar da vírgula, utilizada atualmente. François Dulaurens, em 1667, e Samuel Reyher, em 1698, utilizaram o símbolo "=" para designar linhas paralelas. Georg H. Paricius, por sua vez, empregou, em 1706, os símbolos "=", : , e – , como símbolos gerais para separar números em processos aritméticos.

No decorrer do século XVII, os matemáticos também inventaram diferentes símbolos para igualdade. Hérigone, em 1634, inventou o símbolo 2|2, empregando-o em seu Cursus mathematicus. Hérigone também utilizou 3|2 e 2|3 no sentido de "maior que" e "menor que", respectivamente. Apesar de esses símbolos apresentarem uma lógica atraente, Hérigone, ciente do potencial de confusões que esses símbolos poderiam ocasionar, em outra parte do Cursus mathematicus acaba utilizando o símbolo para expressar igualdade.

O símbolo , inventado por René Descartes em 1637, aparece em seu célebre trabalho Géométrie como sinal de igualdade e teve uma grande repercussão nessa época. Em meio a tantos símbolos, esse foi o que realmente concorreu com o de Recorde pelo posto de sinal de igualdade. Apenas no final do século XVII é que o símbolo "=" ganhou aceitação universal para indicar a igualdade, isto é, quase 150 anos depois de Recorde utilizá-lo como sinal de igualdade.

A união entre o símbolo "=" e o conceito de igualdade teve um final feliz, nos permitindo comemorar, em 2007, os 450 anos da existência desse símbolo.

 

Referências bibliográficas e Bibliografia

[1] BOYER, Carl B. História da matemática. São Paulo: Edgard Blücher, 1974.
[2] CAJORI, F. A history of mathematical notations: Two volumes bound into one. Chicago: Open Court Pub. Co., 1928-1929. New York: Dover Books, 1993.
[3] CONTADOR, P. R. M. Matemática, uma breve história. São Paulo: Ed. Livraria da Física, 2006. Vol. 01.
[4] GARBI, G. G. A rainha das ciências: um passeio histórico pelo maravilhoso mundo da matemática. São Paulo: Ed. Livraria da Física, 2006.
[5] HEEFFER, A. On the Nature and Origin of Algebraic Symbolism. Perspectives on Mathematical Practices-International Conference PMP. Belgium, 2007.
[6] MEAVILLA, S. V. Aspectos históricos de las matemáticas elementales. Zaragoza: Prensas Universitarias de Zaragoza, 2001.