Curiosidades sobre unidades de medida

Manoel H. C. Botelho Métrico

Sempre que encontrei a medida "grado" para medir ângulos pensei: para que serve e qual sua origem?

Como sabemos, o grado é a centésima parte de um ângulo reto (90º). Eis que um dia o colega Mauro falou-me que, no CPOR − Centro de Preparação de Oficiais da Reserva de São Paulo (ele cursou o CPOR na década de 1930), o uso da medida grado era obrigatório nas peças de artilharia, ou seja, no ajuste de mira de canhões. Achei estranha a obrigatoriedade de usar essa medida antiga. A questão ficou no meu subconsciente. Em conversa com outro amigo, Emilio, este me relatou, também como ex-aluno do CPOR na década de 1940:

− Para operar os canhões Schneiders, só com a aferição do ângulo de tiro em grados.

Segunda pista para resolver o meu problema.

Então, acho que descobri. Apesar de existir o Sistema Métrico Decimal, cada país adota ou tem preferência por certas medidas oficiais ou históricas. No Brasil, por exemplo, temos as medidas garrafa, quilate, arroba de boi e a oficial mas estranha medida hectolitro de cerveja, além das velhíssimas medidas alqueire, milha náutica, nó, grosa, resma de papel, etc. No livreto de orientação para fazer o imposto de renda usa-se a medida cacho para quantificar a produção e comércio de bananas. Na França, orgulhosa mãe do Sistema Curiosidades sobre unidades de medida Decimal, foi muito popular, e talvez ainda seja, o uso do grado para medidas de ângulos. Assim, existem regionalismos nas medidas.

Aí lembrei-me que até antes da Segunda Guerra Mundial o exército brasileiro era treinado por oficiais franceses e até mesmo a Força Pública de São Paulo (atual Polícia Militar) era treinada por um oficial francês que dava aulas de cima de um belo cavalo, tempos outros sem dúvida. Em razão da formação francesa e não por mera coincidência, os equipamentos militares de artilharia, como canhões, eram sempre franceses. Mas canhão Schneider francês? Sim. Quem gosta de lingüística, como eu, sabe que o francês é a mais germânica das línguas latinas e daí nasce a maior dificuldade de entendermos o francês se comparada com a facilidade em entendermos o espanhol e o italiano. Os canhões Schneiders eram franceses e a França foi o único país que preservou a medida grado, um legítimo galicismo, convenhamos. Por isso, na artilharia do CPOR até a Segunda Guerra Mundial, o grado era usado na medida de ângulos. Com a entrada do Brasil na Segunda Guerra, a influência francesa no exército mudou e entrou a influência americana.

Outras curiosidades de medidas

1) Numa cidade de porte médio do Estado de São Paulo (hoje tem uns 300 000 habitantes) na década de 1950, o prefeito municipal, para esconder os efeitos da inflação, determinou, por decreto municipal, que na venda do quilo da carne (sempre um parâmetro importante da inflação) poderia ser usada, provisoriamente como é regra, o conceito de quilo como 950 gramas. Mas não se diga que esse absurdo seja só interiorano. Um ministro da Fazenda nos anos 1980, para não aumentar o preço do leite C, decidiu que os produtores poderiam fornecê-lo com menor teor da importante gordura, uma outra forma de exprimir um quilo com 950 g sem dúvida.

2) Ao desapropriar uma grande gleba rural para implantar uma refinaria, optou-se pelo critério de preço médio e que seria algo como R$ 12.000,00 o alqueire paulista (24 000 m2), válido para a compra de fazendas, sítios e chácaras. Mas houve pressões de todo o tipo e de todo o mérito e o valor surpreendentemente subiu para R$ 24.000,00 por alqueire. Os proprietários das fazendas, sítios e chácaras ficaram felicíssimos e saíram da reunião informal em que 15 se chegou a esse acordo com um enorme sorriso no rosto, e o departamente jurídico da estatal ficou de fazer os contratos de compra das propriedades. Só que o advogado achou que devia cumprir a lei que determina o uso do sistema métrico e em vez de alqueire usou a medida de área de 24 000 m2. Assim, o valor médio da compra passou a ser expresso em R$ 1,00/m2. Achando que todos os proprietários das áreas rurais tivessem ficado felizes com a excelente venda, teve uma enorme surpresa quando ouviu as críticas do tipo:

− Vender o alqueire por R$ 24.000,00 tudo bem, mas vender uma terra que tem o meu suor e o suor de meu pai e avô por R$ 1,00 o metro quadrado, jamais...

Realisticamente, os contratos foram refeitos na base de R$ 24.000,00 por alqueire paulista. E foram finalmente assinados...

3) No estado de São Paulo existe uma unidade de medida chamada "caixa" que é usada na central de abastecimento de produtos agrícolas de nome CEASA. Qual sua razão? Até os anos 1950, a energia elétrica não tinha se espalhado pelo estado e então uma das formas de se ter energia era a partir do querosene. Fogões e até geladeiras eram alimentadas energeticamente pelo uso do famoso querosene Jacaré. Como o transporte era muito precário (estradas de terra) e o querosene é inflamável, usavam-se caixas de madeira de excelente qualidade para embalar e proteger as latas de aço de querosene. Essas caixas de madeira iam para os sítios e fazendas e não tinham retorno. Esse excelente material de embalagem começou a ser usado para embalar laranjas, tomates, hortaliças, etc. produzidos no interior e enviados por caminhão para comercialização no CEASA. Até hoje a "caixa" é a grande unidade de medida dos produtos agrícolas nessa central e nas feiras livres. Como o querosene Jacaré não é mais usado com a mesma intensidade, surgiram dezenas de fábricas informais em torno do CEASA para produzir essas caixas de unidade de medida.