Alexandre Luís K. Eisenmann
Licenciado em Matemática − USP; Bacharel em
Administração de Empresas − Univ. Mackenzie

Existe uma anedota bastante conhecida sobre os matemáticos. O sujeito está num balão que vaga a esmo sobre um grande deserto. Perdido, ele avista um andarilho na linha do horizonte e, por sorte, os ventos o levam até uma distância próxima dele. Lá de cima o sujeito grita:

− Eeeeeeeeiiiii, aí embaixo! Onde é que estou?
O andarilho observa, analisa e responde:
− Você está num balão.
Diante dessa resposta, o sujeito, atônito, retruca:
− Você é um matemático, não é?
− Sim, como você sabe?
− Bom, sua resposta é absolutamente correta e não serve absolutamente para nada.

Essa piada é o que podemos chamar de "piada genérica" e é muitas vezes adaptada para outras profissões. É possível que vocês já a tenham ouvido interpretada por outros atores, como os consultores ou mesmo os estagiários, mas nenhum possui um perfil tão adequado quanto os matemáticos aos propósitos da piada.

Sim, a Matemática está preocupada com a verdade, tão preocupada que preferimos muitas vezes falar o óbvio a correr o risco de cometer uma imprecisão. É surpreendente que falando o óbvio o tempo todo alcancemos verdades não tão claras assim, fato que pretendo ilustrar para vocês.

Na cidade de São Paulo existem duas pessoas com a
mesma quantidade de fios de cabelo?

Procurem responder à questão acima. Imagino que uma série de respostas serão possíveis. Enumero algumas delas:

1) Acho que não.
2) Acho que sim.
3) Não podemos afirmar com certeza.
4) Não, é claro que não.
5) Sim, com certeza sim.
6) Sim, dois carecas têm zero fio de cabelo.

Para acabar com a alegria de quem optou pela resposta (6), consideramos que não há carecas ou, se preferirem, que trocamos cada careca por uma pessoa com cabelo de outras cidades.

Neste ponto, volto a insistir na pergunta: existem ou não existem duas pessoas com a mesma quantidade de fios de cabelo. O que diz a intuição de vocês? O meu palpite é que a grande maioria responderá algo próximo das repostas (1), (2) ou (3). Estou certo?

Bom, agora vou provar, isso mesmo, provar, que com certeza existem duas pessoas na cidade de São Paulo com a mesma quantidade de fios de cabelo. Para tanto, lançarei mão de três premissas que, uma vez aceitas, se tornarão verdades irrefutáveis no desenvolvimento do raciocínio.

Consideremos as premissas:
I. Nenhuma pessoa possui mais de 1 metro quadrado de couro cabeludo.
II. Nenhuma pessoa possui mais de 1000 fios de cabelo por centímetro quadrado de couro      cabeludo.
III. A cidade de São Paulo tem mais de 10.000.000 de habitantes.

A primeira premissa é óbvia. Digitando hair density no Google, qualquer um se convence rapidamente que a segunda premissa se verifica com folga. E a internet também nos ajuda a verificar que a população de São Paulo, estimada pelo IBGE em 2007, era de 10.886.518 habitantes.

Aceitas as premissas, é simples concluir que nenhum ser humano pode ter mais do que 10.000.000 fios de cabelo, pois, nesse caso, terá quebrado uma das duas primeiras premissas.

Neste ponto, devemos escolher alguém para realizar o trabalho da contagem. Para dificultar, vou escolher um "recenseador capilar" corrupto, disposto, em troca de uma boa soma em dinheiro, a provar o contrário, isto é, que não existe empate de número de fios de cabelo em São Paulo.

O recenseador receberá uma lista numerada de 1 a 10.000.000 e seu trabalho será marcar ao lado de cada número quantas pessoas foram encontradas com aquele número de fios de cabelo. O recenseador inicia, então, seu trabalho. Escolhe a primeira pessoa, conta, por exemplo, 2347 fios, a segunda 1230, a terceira 4007 e assim vai, contando e anotando na sua lista.

Em determinado momento, ele se depara com o número 4007 novamente, aquele mesmo encontrado para a terceira pessoa avaliada. Se ele marcar novamente 4007, haverá duas pessoas com aquele mesmo número. Disposto a adulterar a informação, ele olha para os lados e disfarçadamente considera 4008, número ainda não utilizado.

Depois de muito trabalho, o recenseador já coletou 10.000.000 números, ainda falta um pouco. Ao pegar a caneta para registrar o próximo número, nosso recenseador percebe (tardiamente, pensará o leitor mais perspicaz) que todos os números já estão ocupados e não resta alternativa, mesmo adulterando os resultados, a não ser repetir algum número. Enfim, aceitas aquelas premissas, com certeza existem em São Paulo duas pessoas com a mesma quantidade de fios de cabelo.

O raciocínio acima é baseado no Princípio da Casa dos Pombos, que afirma que, se n pombos devem ser postos em m casas, sendo n > m, então pelo menos uma casa irá conter mais de um pombo. Apesar de se tratar de um fato extremamente elementar e óbvio, o princípio da casa de pombos é útil para resolver problemas que não são imediatos. Naturalmente, quando aplicamos o princípio, devemos identificar quem são os "pombos" e quem são as "casas" de nosso problema.

No nosso problema, os "pombos" são as pessoas residentes em São Paulo, que, pela premissa III, são em número n > 10 milhões = 107. Já as "casas" são as seguintes: na casa 1, colocamos as pessoas com 1 fio de cabelo, na casa 2 colocamos as pessoas com 2 fios de cabelo, e assim por diante, até a casa m, onde ficam as pessoas com m fios de cabelo, onde m é o número máximo de fios de cabelo que uma pessoa pode ter. Pelas premissas I e II, cada pessoa só pode ter, no máximo, 1 m2 = 104 cm2 de couro cabeludo e, em cada um destes 104 cm2, no máximo 1000 = 103 fios de cabelo. Portanto, m < 104 x 103 = 107 < n. Ou seja, m < n. Logo, pelo Princípio da Casa dos Pombos, uma das casas tem que ter mais de um pombo, isto é, pelo menos duas pessoas têm o mesmo número de fios de cabelo.

Espero que vocês tenham acompanhado o raciocínio. O desenvolvimento anterior é uma demonstração matemática em um formato pouco usual. A partir de um conjunto de premissas, realizamos deduções até chegarmos ao resultado esperado. Não sei se isso o impressiona, mas, eu fiquei bastante intrigado com o fato de que, mesmo sem contar cada caso, posso ter certeza do resultado por um raciocínio indireto, mas totalmente válido e irrefutável.

 

Na RPM 64, p. 45, publicamos uma demonstração da igualdade que fornece a soma dos cubos dos n primeiros núneros naturais:

13 + 23 + 33 + ... + n3 = (1 + 2 + 3 + ... + n)2.

A figura abaixo fornece uma demonstração "sem palavras" dessa igualdade, se observamos que para cada n, n3 aparece como n quadrados n × n (para n par, em dois tons de cinza, um dos quadrados n × n aparece dividido em duas metades).

Temos no quadrado de
lado 1 + 2 + 3 + ... + 7:
1 vez o quadrado de lado 1; 2 vezes o quadrado de lado 2; 3 vezes o quadrado de lado 3, etc., até 7 vezes o quadrado de lado 7, ou seja:

1 × 12 + 2 × 22 + ... + 7 × 72 =
13 + 23 + ... + 73 =
(1 + 2 + 3 + ... + 7)2.

Enviado por
Divaldo Portilho F. Junior