José Luiz Pastore Mello
São Paulo, SP

 

Introdução

O formato do papel que usamos rotineiramente nos serviços de impressão ou fotocópia possui uma história fascinante e repleta de Matemática. Neste artigo, compartilho com o leitor algumas idéias que estão por trás dessa história, esperando que elas possam servir de material de apoio para aulas contextualizadas de Matemática.

A intrigante folha de papel A4

O formato de papel mais usado para impressões e fotocópias, que recebe a denominação A4, tem 210 milímetros de altura por 297 milímetros de largura. Diferentemente do que se possa imaginar, a razão 297/210 não é a razão áurea (ver RPM 6, p. 9 ou RPM 48, p. 3). Analisaremos, a seguir, de onde vem essas estranhas medidas.

Inicialmente padronizaremos neste artigo que as palavras largura e altura sempre serão usadas como referência ao maior e ao menor lado de um retângulo, respectivamente.

Imagine-se tendo que resolver o seguinte problema: qual deve ser a largura e a altura de uma folha retangular de modo que, quando ela for dividida ao meio, os dois novos retângulos obtidos mantenham a razão entre altura e largura da folha original?

O problema é de solução simples, como se vê a seguir:

Portanto, a folha retangular com razão L/A igual a é a única que, quando dividida ao meio, conforme processo descrito, resultará em retângulos semelhantes ao da folha original. Lembramos que de forma diferente dos triângulos, onde bastam ângulos congruentes para que sejam figuras semelhantes, no caso dos quadriláteros a semelhança só se garante se os ângulos forem congruentes e se a razão entre os lados das figuras for preservada. No caso das medidas de uma folha A4, note que 297/210 é uma ótima aproximação racional para , com erro muito pequeno, da ordem de centésimo de milésimo.

A classificação de papéis da qual A4 faz parte chama-se série A, que começa com o A0 e vai até o A10. Essas folhas têm em comum a razão entre largura e altura. A série começa com uma folha retangular de área 1 m², definida como A0. A partir dela obtemos a folha do formato seguinte, A1, dividindo-se A0 ao meio. As dimensões da folha A0, em metros, podem ser obtidas a partir da solução do seguinte sistema de equações:

Passando essas medidas para milímetros, e aproximando para o milímetro mais próximo, encontramos as dimensões da folha A0, que são 841 mm de altura por 1189 mm de largura.

Façamos agora os cálculos da folha A1, que é obtida a partir da divisão ao meio da folha A0:

Adota-se, nesse caso, a aproximação 594 mm por 841 mm.

Dividindo-se A1 ao meio, obtemos A2, que dividida ao meio resultará A3, e assim por diante até A10. Pode-se verificar de maneira simples que a altura e a largura de uma folha A(k), em metros, serão dadas, respectivamente, por . Para o caso da folha A4, aplicando k = 4 na fórmula, obtemos os "misteriosos" valores padronizados do formato, que são 210 mm por 297 mm.

Qual a vantagem da proporção 1: ?

A literatura sobre artes gráficas cita dois aspectos importantes sobre a conveniência do uso de uma folha retangular de razão 1: . As páginas de um livro são impressas em uma folha de máquina de grande formato. Nela são feitas dobras e cortes e, a partir disso, são montados os cadernos que, juntos, compõem o livro. Normalmente as dobras são feitas "ao meio", fazendo com que o número de páginas seja uma potência de 2. Se o papel for dobrado ao meio por uma dobra, resultará em 2 folhas (chamado in-fólio) que, quando impressas frente e verso, constituirão 4 páginas do livro. Se essa última folha for novamente dobrada ao meio, agora com dobras cruzadas, resultará em 4 folhas (in-quarto), ou seja, 8 páginas de livro. Com uma nova dobra teremos o in-oitavo: 3 dobras, 8 folhas e 16 páginas de livro; e assim sucessivamente.

Uma vez que cada formato deriva do seu precedente fazendo uma dobra sobre o maior lado do retângulo, a razão inicial 1: sempre será mantida em todas as páginas do livro, seja qual for o número de dobras feitas na composição. Outros formatos não permitiriam isso como, por exemplo, um retângulo de razão 3:4 (também usado na confecção de livros) que obedece a um padrão de alternância no decorrer das sucessivas dobras. A primeira dobra gera retângulos de razão 2:3; a segunda gera retângulos 3:4, a terceira retângulos 2:3, e assim sucessivamente. Deixo por conta do leitor a demonstração do resultado: dada a razão x:y, se , então as razões se alternam entre x:y e y:2x no decorrer das sucessivas dobras que dividem o lado maior do retângulo ao meio (obs.: o único caso em que não há alternância será quando , que é justamente o caso em que temos a razão 1: 2 ).

Vale citar que nem todos os estudiosos de composição em artes gráficas estão de acordo sobre a relevância da vantagem que acabamos de descrever da razão 1: sobre outras razões. Para um bom acabamento final das dobras de um livro recomenda-se que as dobras sejam feitas paralelamente às fibras do papel. Com isso, folhas de papel que, em virtude da direção das fibras, são adequadas ao in-quarto não poderiam ser usadas para livros in-oitavo porque a fibra correria em direção errada. Portanto, a vantagem da razão preservada em 1: após as dobras fica comprometida quando levamos em consideração a direção das fibras [1].

Outra vantagem que os papéis de razão 1: da série A apresentam − e essa aceita por todos os especialistas − é a de que evitam o desperdício de papel nos trabalhos de fotocópias.

Imagine que você queira copiar duas folhas quadradas, juntas, em uma nova folha quadrada. Essa tarefa não pode ser realizada sem o desperdício de papel. Se os quadrados têm lado 10 cm, lado a lado formarão um retângulo de 10 por 20 cm, o que exigirá uma folha quadrada de 20 por 20 cm para que o serviço seja feito. Nesse caso, haverá desperdício de metade da folha. O mesmo não ocorre, por exemplo, com duas folhas A4 lado a lado, que podem ser copiadas, sem desperdício de papel, em uma folha A3.

Se você observar com atenção, as fotocopiadoras que fazem ampliação e redução a partir das folhas da série A possuem alguns comandos pré-definidos, como, por exemplo, os de redução de 71%, 50%, 35%, 25%, 18% e 12,5%.

Você já se perguntou de onde vêm essas estranhas porcentagens? Responderemos essa pergunta calculando qual deve ser o fator de redução usado na altura e na largura de uma folha A(k) para que ela seja reduzida a uma folha A(k +1):

Como , uma redução de 71% fará o serviço desejado. As demais reduções indicadas referem-se, respectivamente, às reduções de A(k) para
A(k + 2), A(k + 3), A(k + 4), A(k + 5) e A(k + 6).

Outros formatos de papel: as séries B e C

Há registros do uso da razão 1: durante a Alta Idade Média, quando muitos livros eram escritos em duas colunas. Gutenberg (1398-1468), porém, preferia para suas páginas a razão 2:3, e, durante a Renascença, raramente se produziu livro na razão 1: 2 .

A idéia de se padronizar um formato de papel surge no século XX, e tem a ver com aspectos relacionados à praticidade e economia. Com o uso generalizado de um formato padrão de papel − o que se reflete diretamente na padronização dos formatos de livros, revistas, jornais, envelopes −, as bibliotecas podem planejar de forma mais eficiente as alturas de suas prateleiras, as gráficas podem trabalhar com ajustes de máquina pré-definidos, as fotocopiadoras e impressoras podem padronizar programas para redução e ampliação, etc.

O padrão internacional para o tamanho de papéis é o ISO 216 (International Organization for Standartization, norma 216), que é adotado por todos os países industrializados do mundo, exceto EUA, Canadá e partes do México. Essa norma regulamenta o formato de algumas séries básicas de papel, como as séries A, B e C. As séries B e C destinam-se, entre outras aplicações, aos formatos de envelopes que podem ser usados para conter folhas da série A. O formato de uma folha B(k) é definido como a média geométrica entre A(k) e A(k −1), e o da folha C(k) como a média geométrica entre A(k) e B(k). Usando a fórmula que vimos anteriormente para altura de uma folha A(k), as fórmulas de cálculo da altura das folhas B(k) e C(k) serão:

Deixo por conta do leitor a formulação de B(k) e C(k) para a largura das folhas dessas duas séries, bem como a demonstração de que também nas séries B e C a razão 1: se preserva.

Seja qual for o número k da série, sempre teremos, tanto para a altura quanto para a largura, a relação A(k) < C(k) < B(k). Verificaremos tal fato para a altura, cujos dados já foram calculados anteriormente:

para qualquer k.

Demonstração análoga pode ser feita entre as larguras das três séries.

Os formatos das séries B e C são maiores que os da série A e, por esse motivo, são usados nos envelopes que deverão conter folhas da série A. Como A(k) < C(k) < B(k), se queremos enviar pelo correio um documento com poucas folhas A4, devemos usar um envelope C4, porém, se a quantidade de folhas for muito grande, é provável que elas fiquem melhor acomodadas em um envelope B4. Se você quiser enviar uma folha A4 dobrada uma única vez, recomenda-se um envelope C5. Para uma folha A4 com duas dobras cruzadas, o envelope ideal é o C6 e, se as duas dobras forem paralelas, o envelope ideal é o DL (ilustrado na figura a seguir).

 

Referência bibliográfica

[1] TSCHICHOLD, Jan. A forma do livro: ensaios sobre tipografia e estética do livro. Cotia, São Paulo: Ateliê Editorial, 2007.

 

Qual é o Estado do Brasil que tem mais Matemática?

R: Piauí, pois vai do π até o i.

Mensagem da secretária eletrônica de um matemático:

− Você ligou para um número imaginário. Gire 90º e tente novamente.

Em véspera de viagens, um fulano manifesta um medo peculiar em matéria de avião: o de haver um seqüestro em pleno vôo. Um conhecido seu, que é técnico em computação e em cálculo de probabilidades tenta tranquilizá-lo:

− Não se preocupe: o perigo é remotíssimo. Já calculei: num vôo como esse que você vai fazer, levando-se em conta todos os fatores e circunstâncias, a probabilidade de haver um seqüestro é uma em 120 mil.

− Uma em 120 mil? − retrucou ele preocupado

− Então é muito provável. Não viajo de jeito nenhum. − Se você quer viajar inteiramente à vontade, há um jeito

− o outro retornou de seu computador com novos cálculos feitos:

− É só levar um revólver ou uma bomba para seqüestrar o avião. A probabilidade de haver dois seqüestradores distintos no mesmo vôo é uma em um milhão.