Gilberto Garbi

 

Quando começamos a aprender Matemática, um dia ouvimos nosso professor dizer que a célebre constante da circunferência é aproximadamente 3,1416..., sem nos contar como é que se chegou a tal número. Mais tarde, ficamos sabendo que o primeiro a calculá-la por um método rigoroso foi o grande matemático grego Arquimedes, de Siracusa (século III a.C.), através da duplicação sucessiva do número de lados de polígonos regulares inscritos e circunscritos em uma circunferência. Detalhes de tal método, entretanto, não são fornecidos e isso nos deixa com a impressão de que se trata de algo muito difícil. Os que chegam a estudar o Cálculo acabam mais tarde sendo apresentados a métodos eficazes para a determinação de π, mas empregando técnicas que não estão ao alcance dos estudantes no nível médio.

Tudo isso e as notícias que, vez ou outra, lemos na imprensa sobre supercomputadores que calcularam π com alguns bilhões de casas decimais, levam mesmo professores a descrer que seja possível ensinar a seus alunos adolescentes algum método elementar de se obter π com razoável precisão. Neste artigo, mostraremos uma forma simples, criativa e muito elegante de se fazer uma boa estimativa de π, em poucos minutos e com a participação dos alunos, por meio de cálculos que podem ser Gilberto Garbi 2 feitos em sala de aula utilizando-se apenas uma simples calculadora de bolso e conhecimentos elementares de Geometria.

Sejam, conforme a figura, uma circunferência de centro C e nela inscrito um polígono regular de n lados, dos quais apenas um, AB, está mostrado. Então, o ângulo ∠ACB é o ângulo central dos polígonos regulares de n lados. Seja, também, CM o apótema de tal polígono.

Chamemos o raio da circunferência de Rn, o apótema CM de an e o lado AB de ln. Prolonguemos CM até que ele corte a circunferência no ponto C', com C entre C' e M. O ângulo inscrito ∠AC'B é a metade do ângulo central ∠ACB. Logo, ∠AC'B é o ângulo central dos polígonos regulares de 2n lados. Os segmentos AC' e BC' são congruentes porque C'CM é perpendicular a AB. Por C tracemos as perpendiculares CA' e CB' a AC' e BC', respectivamente. A' e B' são os pontos médios de AC' e BC', porque os triângulos ACC' e BCC' são isósceles. Logo, o segmento de reta A'B', que une aqueles pontos médios, é a metade de AB. Como A'C' = B'C', A'B' é o lado do polígono regular de 2n lados inscrito na circunferência de raio A'C' = B'C', que chamaremos de R2n. O perímetro do polígono inscrito na circunferência de raio Rn é nln. O perímetro do polígono inscrito na circunferência de raio R2n é 2nl2n. Mas, como , os perímetros são iguais.

Em resumo, essa construção nos permitiu, partindo de um polígono regular de n lados inscrito em uma circunferência, construir, em outra circunferência, um polígono regular com 2n lados e com o mesmo perímetro do primeiro.

O apótema C'M' (que chamaremos de a2n) do novo polígono é a metade de C'M (pois A'B'//AB). Mas C'M = C'C + CM = Rn + an. Logo a , ou seja, a2n é a média aritmética entre Rn e an. No triângulo retângulo A'C'C, (A'C')2 = CC' × C'M' ou ou , ou seja, R2n é a média geométrica entre Rn e a2n.

Portanto, conhecidas as medidas do raio e do apótema de um polígono regular de n lados, podemos com essas fórmulas calcular as medidas do raio e do apótema de um polígono regular de 2n lados, isoperimétrico com o inicial. Essa operação pode, agora, ser repetida indefinidamente, calculando-se as medidas dos raios e dos respectivos apótemas de polígonos isoperimétricos com 4n, 8n, 16n, 32n, etc., lados. À medida que o número de lados cresce, diminui a diferença entre o raio e o apótema. No limite, quando o raio e o apótema forem iguais, o polígono e a circunferência coincidirão, ou seja, o perímetro do polígono será o comprimento da circunferência. Mas não é preciso realizar uma infinidade de cálculos: quando julgarmos que a diferença entre o raio e o apótema de um dos polígonos a que chegamos está suficientemente pequena, podemos parar e calcular π dividindo o perímetro (que é conhecido desde o início) pelo dobro do raio calculado (ou do apótema, já que ambos estarão muito próximos).

Façamos, então, os cálculos, partindo de um polígono regular de 4 lados inscrito em uma circunferência. Se tomarmos o lado desse quadrado como unidade de comprimento, seu perímetro será 4, o raio da circunferência circunscrita será e o apótema será .
Aplicando as fórmulas com uma calculadora de bolso com 11 casas após a vírgula, temos:

  a4 = 0,5 R4 = 0,70710678118
  a8 = 0,60355339059 R8 = 0,65328148243
  a16 = 0,62841743651 R16 = 0,64072886192
  a32 = 0,63457314921 R32 = 0,6376435773
  a64 = 0,63610836325 R64 = 0,63687550768
  a128 = 0,63649193546 R128 = 0,63668369268
  a256 = 0,63658781407 R256 = 0,63663575176
  a512 = 0,63661178281 R512 = 0,63662376716
  a1024 = 0,63661777498 R1024 = 0,63662077105
  a2048 = 0,63661927301 R2048 = 0,63662002202
  a4096 = 0,63661964751 R4096 = 0,63661983476
  a8192 = 0,63661974113 R8192 = 0,63661978794
  a16384 = 0,63661976453 R16384 = 0,63661977623
  a32768 = 0,63661977038 R32768 = 0,63661977330
  a65536 = 0,63661977184 R65536 = 0,63661977256
  a131072 = 0,63661977220 R131072 = 0,63661977237
  a262144 = 0,63661977228 R262144 = 0,63661977232
  a524288 = 0,63661977230 R524288 = 0,63661977231

Vemos, então, que com a calculadora utilizada não é mais possível distinguir as medidas do raio e do apótema. Para esse grau de precisão, podemos dizer que o perímetro do polígono de 524.288 lados, ou seja, 4, é o comprimento de uma circunferência de raio aproximadamente 0,63661977231. Assim,

valor que está correto até a nona casa decimal.

É fato que esses cálculos somente podem ser feitos em alguns minutos porque dispomos hoje das calculadoras de bolso. No século XVI, o matemático alemão (radicado na Holanda) Ludolph van Ceulen (1540- 1610) gastou décadas de sua vida realizando manualmente cálculos dessa natureza até chegar a um valor de π com 35 casas decimais corretas. Nossa homenagem a esse incansável e pouco lembrado calculista...