Parte I - O problema das caixas de lápis

Florêncio F. Guimarães Filho
Pela diretoria acadêmica da OBMEP

O último problema da prova da 2 fase do nível 3 da 2 Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas −, OBMEP − de 2006, é um bonito exemplo envolvendo Geometria, Combinatória e Álgebra. O seu enunciado é:

-Rodrigo coloca lápis cilíndricos de 15 cm de comprimento e 1 cm de diâmetro em caixas na forma de bloco retangular com base de dimensões 6 cm por 15 cm. Ele empilha os lápis nas caixas usando dois métodos diferentes, ilustrados na figura:

No método A, os centros dos círculos formam quadrados e, no método B, triângulos eqüiláteros, como na figura.

(a) Mostre que cada camada de lápis empilhados pelo método B, exceto a primeira, acrescenta - cm à altura da pilha. Para os próximos itens, use a aproximação 0,87 para -.

(b) Rodrigo quer colocar 90 lápis em uma caixa. Qual a menor altura que a caixa deve ter se ele usar o método A? E se ele usar o método B?

(c) Olímpico mostrou a Rodrigo como empacotar 90 lápis em uma caixa de altura 14, 5 cm. Como isso pode ser feito?

Vamos analisar a altura da caixa para alguns métodos de embalagens. Pelo método A, os lápis são dispostos em 15 fileiras de 6 lápis, de modo que os centros de quatro lápis vizinhos determinam um quadrado. Logo, para acomodar todos os lápis, a caixa precisa ter 15 cm de altura.

-

Pelo método B, os lápis são dispostos em 16 fileiras alternadas de 6 e 5 lápis, com dois lápis sobrando, que são colocados sobre a 16 fileira. Os centros de três lápis vizinhos formam um -triângulo eqüilátero de 1 cm de lado. Cada fileira, a partir da segunda, aumenta aaltura da pilha de - cm, que vamos aproximar por 0,87 cm (veja a figura). Logo, por esse método, a altura da pilha deve ser 1 + 16 × 0,87 = 14,92 cm.

Os dois lápis que sobram em cima da pilha do método B podem ser colocados na base para completar as duas primeiras fileiras de 5 lápis, formando agora 5 fileiras de 6 lápis seguidas de 11 fileiras alternadas de 5 e de 6 lápis. Esse é o método C, cuja altura é então 5 + 11 × 0,87 = 14,57 cm.

 

     Como diminuir ainda mais a altura da pilha?

A pergunta do problema era descobrir um método para rearrumar os 90 lápis numa caixa de largura 6 cm e altura menor do que 14,5 cm.

A solução

-Considere a pilha do método B. Ao inserirmos um lápis numa fileira de 5, entre duas fileiras de 6, a pilha sofre um deslocamento para cima de 0,26 cm, isto é, de duas vezes 0,13 cm.

Por outro lado, retirando os dois lápis de cima e inserindo um deles para completar a 16 fileira (a de cima), a pilha só cresce 0,13 cm. Inserindo o segundo lápis na 14 fileira, a pilha cresce 0,26 cm. Portanto, a altura, primeiro, decresce de 0,87 cm e, em seguida, cresce 0,13 + 0,13 + 0,13 = 0,39 cm. Logo, ao final, a pilha decresce 0,87 – 0,39 = 0,48 cm e, portanto, fica com 14,92 – 0,48 = 14,44 cm de altura. Esse é o método D, que faz a altura da pilha ficar abaixo de 14,5 cm e cuja figura está mostrada abaixo.

-O método D também pode ser obtido do método C, simplesmente transferindo as 4 últimas fileiras para o alto da pilha. No método C, as 4 fileiras da base acrescentam 4 cm às 12 fileiras acima delas. Transferindo essas fileiras para o alto da pilha, elas diminuem a altura da pilha em 0,13 cm: de C para D a altura diminui 0,13 cm.

 

 

     Qual a pilha de altura mínima?

Observe que numa caixa de 6 cm de largura não é aceitável colocar duas fileiras horizontais de 5 lápis, uma vizinha da outra. Logo, cada uma das fileiras de 5 lápis deve ficar inserida entre 2 fileiras de 6 lápis. Vamos representar cada pilha pela quantidade de lápis de cada fileira, começando de baixo para cima. Assim, a pilha fica representada por uma lista de 16 algarismos contendo dez algarismos 6 e seis algarismos 5. Por exemplo, a pilha do método C fica representada pela lista:

6 6 6 6 6 5 6 5 6 5 6 5 6 5 6 5.

Cada alternância de 6 para 5, ou vice-versa, aumenta a altura da pilha só em (1 – 0,13) = 0,87 cm. Isso significa que, ao colocarmos uma fileira de 5 sobre uma fileira de 6, ou vice-versa, a pilha diminui 0,13 cm em relação à altura correspondente a 2 pilhas consecutivas de 6 lápis. Logo, uma pilha com n alternâncias tem altura igual a (16 – 0,13n) cm. Cada algarismo 5 presente no interior da lista proporciona duas alternâncias e, no início ou no fim da lista, apenas uma alternância. Logo, toda pilha que começa e termina com fileiras de 6, como a do método D, possui 12 alternâncias e, portanto, tem altura igual a 16 – 12 × 0,13 = 14,44 cm. Toda pilha que começa com fileiras de 6 e termina com fileiras de 5 (ou vice-versa), como a do método C, possui 11 alternâncias, logo tem altura igual a 16 – 11 × 0,13 = 14,57 cm.

-Por último, toda pilha que começa e termina com fileiras de 5 possui 10 alternâncias, logo tem altura igual a 16 – 10 × 0,13 = 14,7 cm. Esse é o método E representado pela figura ao lado.

A altura da pilha será tanto menor quanto maior for o número de alternâncias e isso ocorre quando os seis algarismos 5 estão no interior da lista, quando ocorrerão 12 alternâncias. Logo, dentre todas as pilhas com 10 fileiras de 6 lápis e 6 fileiras de 5 lápis, as de menor altura são aquelas que começam e terminam com fileiras de 6 lápis, como no método D. Observe que, para diminuir a altura da pilha do método E, deve-se retirar a primeira e a última fileiras e inserir cada uma delas entre 2 fileiras de 6 lápis. O número de alternâncias aumenta de 2 e a altura diminui de 0,26 cm, passando para 14,44 cm.

 

     Quantas pilhas distintas podem ser formadas contendo 10 fileiras de 6           lápis e 6 fileiras de 5 lápis?

O problema consiste em determinar quantas listas de dezesseis algarismos podem ser feitas com os algarismos 6 e 5, sabendo-se que os algarismos 5 não ficam repetidos. A figura abaixo representa uma dessas situações.

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Vê-se que há 11 lugares para colocarmos os seis algarismos 5; logo, a quantidade de listas distintas é igual a

-

A tabela abaixo mostra a quantidade e a altura de todas as pilhas que podem ser feitas com 10 fileiras de 6 lápis e 6 fileiras de 5 lápis.

-

 

     Existem outras maneiras de distribuir os 90 lápis em fileiras de 6 e 5                lápis?

Agora o problema consiste em achar todas as soluções inteiras da equação 6m + 5n = 90, sendo m o número de fileiras de 6 e n o número de fileiras de 5 lápis. Essa equação, que envolve números inteiros, é chamada de equação diofantina, em homenagem a Diophantus de Alexandria, matemático grego do século III d.C.

Observe ainda que as fileiras de 5 lápis não podem ficar vizinhas; logo, n m + 1, pois há apenas m + 1 posições para as fileiras de 5 ficarem inseridas entre as m fileiras de 6. Para resolver essa equação, que é especial porque os coeficientes são inteiros consecutivos, observe que m + 5(m + n) = 90, portanto, m + n = 17, 16 ou 15.

Se m + n = 17, teríamos m = 5 e n = 12, ou seja, haveria muito mais fileiras de 5, o que é impossível. Se m + n = 16, então m = 10 e n = 6, que corresponde aos métodos C, D e E. Se m + n = 15, então m = 15 e n = 0, que corresponde unicamente ao método A.

Portanto, os métodos A, C, D e E são as únicas maneiras de dispor os 90 lápis em caixas retangulares com 6 cm de largura, sendo que as pilhas que começam e terminam com 6 lápis, como a do método D, são as que possuem a menor altura.

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Parte II - Análise de resultados de uma escola

Alex Oleandro Gonçalves
Campina Grande do Sul - PR

Analisando as provas da primeira fase da 3 OBMEP, dos alunos de uma escola da região metropolitana de Curitiba, PR, destaquei as questões que tiveram maior número e também menor número de acertos e tentei entender a razão dessas ocorrências.
 

     Questões com maior número de acertos

A questão da prova do nível 1 que teve o maior número de acertos foi a questão 4: 50,9% dos alunos acertaram a questão.

Acredito que o maior número de acertos se deve ao fato de que a questão, enunciada a seguir, exigia apenas umaleitura do gráfico apresentado, tipo de habilidade que vem sendo tratada com freqüência nos livros didáticos atuais.

-4. O número de consultas mensais realizadas em 2006 por um posto de saúde está representado no gráfico. Em quantos meses foram realizadas mais de 1200 consultas?

A) 5    B) 6    C) 7    D) 8    E) 9

Já no nível 2, a questão que apresentou maior número de acertos foi a 8. A mesma questão foi a que também apresentou o maior número de acertos no nível 3, sendo que nessa prova a questão tinha número 5. A porcentagem de acertos no nível 2 foi 50,5% e no nível 3, 59,6%.

8. (nível 2) e 5. (nível 3)

A mãe de César deu a ele as seguintes instruções para fazer um bolo:

-se colocar ovos, não coloque creme.

se colocar leite, não coloque laranja.

se não colocar creme, não coloque leite.

Seguindo essas instruções, César pode fazer um bolo com

A) ovos e leite, mas sem creme.

B) creme, laranja e leite, mas sem ovos.

C) ovos e creme, mas sem laranja.

D) ovos e laranja, mas sem leite e sem creme.

E) leite e laranja, mas sem creme.

Trata-se de uma questão de lógica que exige uma leitura cuidadosa do enunciado e das alternativas. No nível 2, 36,6% dos alunos e, no nível 3, 30% dos alunos marcaram erradamente a alternativa A): a primeira e a segunda instruções permitem que César faça um bolo com ovos e leite, mas sem creme, o que tornaria a alternativa A) correta. Porém, a terceira instrução mostra que, se César não colocar creme, então não poderá colocar leite no bolo, o que invalida a alternativa A).

 

     Questões com menor número de acertos

Entre os alunos que fizeram a prova dos níveis 1 e 2, a questão em que ocorreu o menor número de acertos foi a mesma: número 18 na prova do nível 1 e número 10 na prova do nível 2. Além disso, a mesma questão foi a segunda mais errada pelos alunos do ensino médio − questão de número 8 na prova do nível 3. As porcentagens de acertos na questão, nos níveis 1, 2 e 3, foram, respectivamente: 5%; 2,4% e 9,2%.

Questão 18 (nível 1), 10 (nível 2) e 8 (nível 3)

Turmalinas são pedras semipreciosas cujo valor varia de acordo com o peso: se uma turmalina pesa o dobro de outra, então seu valor é cinco vezes o dessa outra. Zita, sem saber disso, mandou cortar uma turmalina que valia R$ 1000,00 em quatro pedras iguais. Quanto ela irá receber se vender os quatro pedaços?

A) R$ 160,00     B) R$ 200,00      C) R$ 250,00     D) R$ 400,00     E) R$ 500,00

Acredito que essa questão apresentou o menor número geral de acertos, devido à dificuldade dos alunos em pensar inversamente: se uma turmalina, que tem o dobro do peso da outra, tem valor multiplicado por 5, então, se tiver a metade do peso, terá um 1/5 do valor da primeira.

Observa-se que muitos alunos dos três níveis se precipitaram dividindo 1 000 por 4, o que os fez marcar erradamente a alternativa C), quando o correto seria dividir 1000 por 25 ou, ainda, dividir por 5 duas vezes como a solução encontrada em algumas poucas provas. As porcentagens dos alunos que marcaram erradamente a alternativa C) foram, respectivamente, nos níveis 1, 2 e 3: 45,7%; 59%; e 52,8%.

Na prova do nível 3, a questão em que ocorreu o menor número de acertos foi a de número 20, com apenas 3,7% de respostas certas.

-20. Uma formiguinha quer sair do ponto A e ir até o ponto B da figura I, andando apenas pelos lados dos quadradinhos na horizontal ou na vertical para baixo, sem passar duas vezes pelo mesmo lado. A figura II ilustra um possível trajeto da formiguinha. De quantas maneiras ela pode ir de A até B?

A) 120 B) 240 C) 360 D) 480 E) 720

Em algumas provas foram encontradas tentativas de traçar sobre a figura possíveis caminhos, mas a grande maioria dos alunos não conseguiu levar adiante um raciocínio que utilizasse o princípio multiplicativo mostrado na solução apresentada pela coordenação da OBMEP: no primeiro nível, a formiga pode tomar 4 caminhos diferentes para baixo; no segundo nível 3; no terceiro nível 5; no quarto nível 3 e, finalmente, 4 caminhos diferentes para baixo no quinto nível, totalizando 4.3.5.3.4 = 720 caminhos diferentes.

Além das dificuldades mencionadas, também verificou-se, na grande maioria dos cadernos de provas, a falta de registros que evidenciassem resoluções criativas do ponto de vista numérico, algébrico ou geométrico.