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Leonardo Euler O ano de 2007 marcou o tricentenário de nascimento do grande matemático suíço Leonardo Euler. Várias instituições acadêmicas do mundo organizaram celebrações em homenagem a esse notável homem de ciência. A Mathematical Association of America, por exemplo, além de publicar, nesse ano, cinco livros sobre Euler e sua obra, organizou uma excursão aos principais lugares onde Euler viveu, na Suíça, na Rússia e na Alemanha. Euler nasceu na Basiléia (Suíça) em 15 de abril de 1707 e faleceu em São Petersburgo (Rússia) em 18 de setembro de 1783. Ele foi um menino precoce, dotado de extraordinária memória e grande facilidade para o aprendizado de línguas. Seu pai, que era pastor protestante, queria que o filho estudasse teologia e seguisse seus passos. E assim foi até a universidade, onde Euler realmente iniciou estudos direcionados à carreira religiosa. Mas pouco se dedicou a eles, empregando a maior parte do tempo à Matemática e ciências afins. Como aluno na Universidade da Basiléia, Euler, ainda adolescente, muito se beneficiou dos encontros que mantinha com Jean Bernoulli (1667-1748), um dos grandes matemáticos da época. Não demorou muito para que o próprio Bernoulli reconhecesse que estava sendo ultrapassado pelo jovem Euler. Jean Bernoulli tinha dois filhos matemáticos, Nicolau Bernoulli (1695-1726) e Daniel Bernoulli (17001782), ambos amigos de Euler. Estes dois Bernoulli foram para a Academia de Ciências de São Petersburgo em 1725. Euler também foi admitido nessa Academia em 1727, porém, inicialmente como professor de Fisiologia e Medicina. Com a morte de Nicolau Bernoulli em 1726 e a volta à Basiléia de seu irmão Daniel, Euler assumiu a cadeira de Matemática. Em 1734, casou-se com Katharina Gsell, uma moça de ascendência suíça, com quem teve treze filhos. No tempo de Euler os cientistas estavam mais presentes nas academias de ciências do que nas universidades. Essas academias começaram a ser criadas em meados do século XVI. Primeiro foi a Royal Society inglesa, fundada em 1662, logo seguida da Académie des sciences, em Paris, em 1666. No tempo de Euler já havia academias científicas em vários países. Elas contribuíram indiretamente para a melhoria das universidades, pois essas competiam com as academias pelos melhores talentos. A criação das academias e o fortalecimento das universidades se deveram muito aos grandes estadistas e déspotas esclarecidos da época, como Carlos II na Inglaterra, Colbert, o lúcido e influente ministro de Luís XIV na França, Pedro o Grande na Rússia e Frederico II na Prússia. As academias eram centros de pesquisa científica e tecnológica, e contavam com boas dotações financeiras, instalações e bibliotecas. Os sábios por elas contratados tinham bastante liberdade em seu trabalho, pois o que muito se esperava deles era que prestigiassem suas instituições com a publicação de suas pesquisas nos anais das academias a que pertenciam. Quando solicitados, deviam atender a seus governos na solução de problemas práticos em diferentes áreas como navegação e engenharia naval, hidráulica, acústica, cartografia, artes militares, etc. Euler permaneceu em São Petersburgo até 1741, quando se transferiu para a Academia de Berlim. Aí ficou até 1766, quando retornou a São Petersburgo. Euler publicava intensamente, às vezes, em média, um trabalho por semana. Tanto que, no período em que esteve em Berlim, embora tivesse trabalhos aí publicados, muitos outros iam para publicação na Academia de São Petersburgo, da qual Euler continuava recebendo honorários e mantinha laços de calorosa amizade com colegas de lá. Conta-se que ele ia escrevendo e empilhando trabalho sobre trabalho. O impressor da Academia, por sua vez, tirava os trabalhos da pilha, de cima para baixo, acontecendo que Euler voltava a aumentar a pilha antes que o impressor pudesse esgotá-la! Issso explica por que as datas de publicação e produção de seus trabalhos estão freqüentemente invertidas. Segundo E. T. Bell, em seu livro Men of Mathematics, Euler tinha memória fenomenal, a ponto de conhecer, de cor, toda a Encida, e as sextas potências dos primeiros cem números! A produção científica de Euler nunca diminuiu, mesmo nos períodos de maior adversidade de sua vida, quando perdia filhos, quando enviuvou, ou quando ficou totalmente cego doze anos antes de morrer. E, depois de sua morte, a publicação de seus artigos continuou por cerca de meio século. Euler produziu a mais extensa obra matemática de todos os tempos, em todas as áreas da Matemática Pura e Aplicada. Álgebra, Geometria, Cálculo Infinitesimal, Teoria dos Números, Mecânica Racional, Mecânica Celeste, Geodésia, Cartografia, Balística e Hidrodinâmica são alguns dos domínios científicos nos quais Euler deixou a marca indelével de seu gênio. Em Teoria dos Números, Euler é o maior nome que surgiu logo depois de Fermat. E foi devido a ele que o trabalho de Fermat passou a ser bem conhecido e essa área de estudos ganhou o interesse geral dos matemáticos. Euler criou o Cálculo das Variações, que é o estudo de funcionais, ou funções que dependem de outras funções. Criou a Mecânica Analítica, cujos métodos têm um alcance incomparavelmente maior que os métodos de Newton. Criou ainda a Geometria Diferencial, que estuda as curvas e superfícies com os métodos do Cálculo. Além de produzir pesquisa científica do mais alto nível, Euler foi um bom didata. Ele escreveu vários livros textos, alguns dos quais traduzidos e publicados até os dias de hoje. Um exemplo disso é seu livro de 1748 intitulado Introductio in Analysis Infinitorum, cuja edição inglesa tem uma curiosa história: em outubro de 1979 o eminente matemático André Weil fez uma conferência na Universidade de Rochester sobre a vida e a obra de Leonardo Euler. Nessa conferência ele manifestou sua convicção de que os estudantes de hoje teriam muito mais a aproveitar estudando pela Introductio in Analysis Infinitorum de Euler do que em muitos livros modernos de Cálculo. Essa afirmação de Weil foi o que bastou para que uma pessoa presente na audiência logo empreendesse a tradução dessa obra do latim para o inglês, a qual foi publicada pela prestigiosa editora Springer-Verlag. O século XVIII, na História da Matemática, foi uma época de rápido desenvolvimento do Cálculo, de sistematização e aprimoramento de seus métodos, uma época em que as concepções de Newton, Leibniz e outros matemáticos do século anterior foram extensamente exploradas e desenvolvidas. Muitos matemáticos ilustres viveram e produziram trabalhos importantes nesse século, mas Euler situase bem acima de todos eles em tudo o que foi feito para a organização e sistematização dos referidos métodos. Para bem entender o que isso significou na evolução da Matemática, convém lembrar que, embora o Cálculo tenha se desenvolvido ao longo de todo o século anterior, culminando com os trabalhos de Newton e Leibniz, a matemática inglesa ficou prejudicada pela disputa de prioridade entre esses dois sábios sobre o verdadeiro descobridor (ou inventor) do Cálculo, disputa essa nutrida principalmente por Newton e seus seguidores. Como a notação de Leibniz para derivadas, diferenciais e integrais era muito superior à de Newton, os matemáticos do continente, como os Bernoulli, Euler e muitos outros, puderam promover um avanço mais significativo dos novos métodos do Cálculo em comparação com o que acontecia na Inglaterra. Euler foi uma pessoa de grandes virtudes morais. Era homem simples e humilde, como pessoa e como cientista. Relacionava-se muito bem com colegas e amigos próximos, com reis e pessoas influentes do governo e da sociedade, mas igualmente com as pessoas mais simples do extrato social. Euler teve, em vida, pleno reconhecimento de suas altas qualidades humanas e de grande cientista, por cujos trabalhos recebeu muitos prêmios. Foi um homem feliz, que, todavia, não escapou a uma pesada dose de sofrimento ao longo dos anos: começou a perder a visão do olho direito aos 31 anos de idade e logo ficou cego desse olho. Enviuvou aos 66 e ficou totalmente cego aos 67; testemunhou a morte de 10 de seus 13 filhos antes de morrer, cinco dos quais ainda crianças ou muito jovens. Imbuído de sólida fé cristã, Euler enfrentou todos esses embates da vida sem perder o ânimo de continuar a caminhada no tempo e na sua fenomenal produção científica. |