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Lendo o artigo citado em [1], encontrei um problema chinês proposto há cerca de 2000 anos: Achar o raio da circunferência inscrita em um triângulo retângulo de hipotenusa a e catetos b e c. A solução dada pelos antigos escribas chineses é r = bc/(a + b + c). Surgiu então a idéia de propor o problema a estudantes e obter informações a respeito das possíveis resoluções que eles poderiam elaborar.
Começamos apresentando a estudantes, de 16 a 17 anos, a seguinte variante do problema: ABC é um triângulo com AB = 3, BC = 5, CA = 4. Achar o raio da circunferência inscrita no triângulo ABC. Os estudantes trabalharam em duplas, com lápis e papel, e entregaram o que haviam feito em conjunto. As resoluções distintas que apareceram foram apresentadas à classe toda.
Uma das primeiras conjeturas formuladas foi que o triângulo ABC é retângulo em A. As primeiras explicações foram que 32 + 42 = 52 indica, pelo teorema de Pitágoras que o triângulo deve ser retângulo. Ao serem questionados sobre qual é a hipótese e qual é a tese do teorema de Pitágoras, alguns estudantes se deram conta de estar usando a recíproca do teorema. Algumas duplas observaram que AP = AN baseando-se no fato de que os segmentos de tangentes a uma circunferência traçadas por um ponto exterior a ela são iguais (propriedade demonstrada previamente no curso). Sendo AP = AN, como IP = IN, alguns estudantes afirmaram que APIN é um quadrado. Perguntamos: Um quadrilátero com dois pares de lados consecutivos iguais é um quadrado? Pode-se construir um quadrilátero com dois pares de lados consecutivos iguais que não seja um quadrado? Outros tentaram justificar a conjectura de que os ângulos API e ANI são retos dizendo que AP e AN são tangentes. Perguntamos: Um quadrilátero que tem dois ângulos opostos retos é um quadrado? Pode-se construir um quadrilátero com dois ângulos opostos retos que não seja um quadrado? Mas o ângulo NAP também é reto; assim, APIN tem três ângulos retos. Perguntamos: Um quadrilátero com três ângulos retos é um quadrado? Pode-se construir um quadrilátero com três ângulos retos que não seja um quadrado? Finalmente, concluíram que APIN é um quadrado. Primeira resolução Assim como AP = NA, baseando-se na mesma propriedade, algumas duplas observaram que BP = BM e CM = CN (ver figura acima). Escreveram então as equações: x + y = 3; x + z = 4; y + z = 5. Após discussões sobre como resolver o sistema, obteve-se x = 1. Segunda resolução Também usando a igualdade dos segmentos de tangentes, algumas duplas resolveram o problema da seguinte maneira: (3 − x) + (4 − x) = 5 7 − 2x = 5 x = 1. Terceira resolução A B Sendo M, N, P os pontos de tangência, os segmentos IM, IN, IP são alturas dos triângulos BCI, CAI, ABI. Então
Quarta resolução Também calcularam a área do triângulo ABC como soma de áreas, dessa vez do quadrado APIN com o dobro das áreas dos triângulos PBI e MCI: área(APIN) + 2 área(PBI) + 2 área(MCI) = área(ABC) x2 + 2[(3 − x)x/2] + 2[(4 − x)x/2] = 6 x2 + (3 − x)x +(4 − x)x = 6 x2 + 3x − x2 + 4x − x2 = 6 x2 − 7x + 6 = 0 x = 1 e x = 6 Surge a questão de saber se a solução x = 6, da equação do segundo grau, tem sentido no contexto do problema. Quinta resolução Estudantes de um curso de Geometria Analítica deram a seguinte resolução para o problema: Por ser o triângulo ABC retângulo, podem-se colocar os lados AB e AC nos eixos x e y respectivamente, e como o incentro I do triângulo ABC pertence à bissetriz do ângulo BAC, de equação y = x, as coordenadas do incentro são da forma (i, i). Impôs-se aos pontos I = (i, i) a condição de estarem a uma igual distância das retas AB e BC. Para achar a distância de um ponto P(x0, y) a uma reta de equação ax + by + c = 0, os estudantes usaram a fórmula AB: y = 0 BC: 4x + 3y − 12 = 0 I = (i, i) d(I, AB) = | i | = i Impondo d(I, AB) = d(I, BC), vem 5i = | 7i − 12 |. Ao resolver essa equação, os estudantes encontraram i = 6, o que lhes pareceu contraditório, já que I = (6,6) não pode ser o incentro do triângulo ABC. O que está acontecendo? Medindo com régua segmentos da figura construída, alguns estudantes conjecturaram que o incentro tem coordenadas (1, 1). Ao substituir 1 na equação 5i = | 7i − 12 |, verificaram que 1 é solução. Como interpretar a solução i = 6? Por que não se obteve a solução i = 1? Isso motiva uma discussão de como resolver corretamente a equação. Ao final chegou-se às soluções i = 1 e i = 6.
Além dos erros e dificuldades que surgem na resolução de um sistema de 3 equações com 3 incógnitas, ou de uma equação com valor absoluto, observou-se que: Cerca de um terço das duplas considerou inicialmente a circunferência circunscrita ao triângulo e acertadamente concluiu que o raio media 2,5. Tendo percebido que a circunferência inscrita era a “circunferência tangente aos três lados do triângulo” (a de dentro), aproximadamente a metade das duplas construiu uma circunferência que não era a inscrita. Embora tivessem construído corretamente o incentro do triângulo, consideraram como raio o segmento compreendido entre o incentro e o ponto de intersecção da bissetriz do ângulo CAB com a hipotenusa do triângulo. Possíveis origens desse erro: a pouca experiência na construção de circunferências inscritas em triângulos, ou a construção de circunferências inscritas em triângulos particulares (eqüiláteros, retângulos isósceles) em que o processo empregado funciona. Outro aspecto que pode ter influenciado o erro é que a maioria das duplas construiu inicialmente triângulos de lados 3, 4 e 5 cm. As dimensões do triângulo dificultavam a detecção do erro.
A variedade de resoluções descritas mostra a riqueza de um problema transportado da história da matemática para um trabalho em sala de aula. Queremos ressaltar o aspecto positivo de ter defrontado os estudantes com um problema, neste caso histórico, o que proporcionou uma motivação extra, dando a possibilidade aos estudantes de elaborarem soluções pondo em jogo seus próprios conhecimentos e fornecerem uma resposta baseandose em fatos bem assentados, sendo os erros uma parte natural desse trabalho. O trabalho em duplas diminuiu a tensão gerada por uma situação desconhecida e, além disso, serviu para que cada dupla discutisse e concordasse sobre qual seria o melhor procedimento.
Referência bibliográfica [1] SWETZ, F. J. Using problems from the history of mathematics in classroom instruction. \\In: F. Swetz, J. Fauvel, O. Bekken, B. Johansson & V. Katz (Eds.), Learn from the masters, pp. 25-38, USA: The Mathematical Association of America, 1995.
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