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Ana Catarina P.Hellmeister A aplicação de situações do cotidiano na motivação, estudo e ensino de tópicos de conteúdos programáticos aumenta, na maioria da vezes, o interesse e compreensão dos alunos da educação básica, além de evidenciar que a Matemática faz realmente parte da vida de todos nós. No ensino de funções, que pode ser iniciado já no nível fundamental, as aplicações são muito indicadas para fugir do formalismo teórico. Nessa direção, vou apresentar e estudar alguns aspectos de funções bastante simples que modelam situações reais e comuns. I. Em uma capital brasileira, os preços das corridas de táxi tiveram o seguinte aumento: . bandeirada: passou de R$ 3,20 para R$ 3,50, tendo, portanto, um aumento de aproximadamente 9,3%; A determinação da função que fornece o preço de uma corrida já suscita uma discussão interessante, Vários textos didáticos apresentam funções que modelam situações desse tipo como polinomiais de primeiro grau, cujo gráfico é uma reta. No nosso caso seria: P1(x) = 3,20 + x 1,80 P2(x) = 3,50 + x 2,20, onde P1(x) e P2(x) denotam o preço da corrida de x km antes e depois do aumento, respectivamente. Essa interpretação pressupõe uma variação contínua no preço da corrida em função dos quilômetros rodados. Mas a realidade não é assim. O taxímetro varia em frações no valor de R$ 0,30, ou seja, supondo que o carro não pare
durante a corrida: Conversas com taxistas nos fizeram concluir que eles não têm em mente o valor exato do comprimento do trecho percorrido antes de cada mudança no preço, apenas deduzem valores aproximados (recebemos respostas de 200m, 150m, etc.); dizem que quem determina o valor exato é o INMETRO ao ajustar os aparelhos dos táxis. Aqui cabe uma observação interessante: no caso da P1, o taxímetro muda um número inteiro de vezes, 6, em cada km rodado, o que não acontece na P2, uma vez que 2,20 não é múltiplo de 0,30. Nesse caso, para que o taxímetro mude um número inteiro de vezes, é necessário que seja inteiro, isto é, que x seja múltiplo de 0,30, sendo x o número de km rodados. Isso significa que a “expressão afim” da função P1 ou P2 fornece o preço exato de uma corrida de x km, se x é, respectivamente, inteiro ou inteiro múltiplo de 3. Voltemos então às funções, P1 e P2 “reais”, que mudam de valor aos saltos, a cada intervalo de 166,66 m ou de 136,36 m. Seus gráficos têm a forma de escada, um exemplo não usual de função . Esboçamos, também, os gráficos das P1 e P2“afins”. Perguntas 1. Quais os preços, antigo e depois do aumento, de uma corrida de 3,5 km = 3500 m?
Como 3500/166,6 é um valor entre 21 e 22, vemos que o preço antigo é
dado pelo 22 Vamos responder às perguntas a seguir, considerando as aproximações de P1(x) e P2(x) pelas funções afins anteriormente consideradas. Isso permite estabelecer expressões algébricas simples para as funções envolvidas, além do que os gráficos da página anterior mostram que a função afim é uma aproximação razoavelmente boa. 2. Qual será o aumento percentual no preço de uma corrida de 10 km? Considerando P1(10) = 3,20 + 10 x 1,80 = 21,20 e P2(10) = 3,50 + 10 x 2,20 = 25,50, vemos que o aumento percentual é de 20,28%. 3. Qual é a função que fornece o aumento percentual numa corrida de x km? Considerando as funções afins, queremos, em função de x, o valor de p tal que sendo P1(x) = 3,20 + x 1,8 e P2(x) = 3,50 + x 2,20. Substituindo os valores e fazendo os cálculos, obtemos Como x > 0, temos que o domínio dessa função é o intervalo [0, +∞]. É interessante observar que, para x = 0, o aumento é igual a 30/3,20, que é aproximadamente 9,3%, aumento da bandeirada. Para valores de x muito grandes, observando que vemos que p tende para 40/1,80 = 22,22222... que é o aumento percentual do km rodado, isto é, para corridas muito grandes, o aumento da bandeirada não conta, valendo apenas o aumento do km rodado. O gráfico da função p(x), a seguir, ilustra esse resultado e também evidencia uma peculiaridade dos taxistas: eles não têm como receber aumentos de um percentual fixo. II. O governo de um Estado brasileiro mudou a contribuição previdenciária de seus contribuintes: de 6% sobre qualquer salário passou para 11% sobre o que excede R$ 1200,00 nos salários. Por exemplo, sobre um salário de R$ 1700,00, a contribuição anterior era 0,06 x R$1700,00 = R$ 102,00 e a atual é 0,11 x (R$ 1700,00 − R$ 1200,00) = R$ 55,00. Provavelmente os alunos não terão dificuldades em determinar as funções que fornecem o valor das contribuições em função do valor x do salário. Sendo C1(x) a contribuição anterior e C2(x) a atual, temos: Os gráficos dessas funções estão esboçados na página seguinte e uma análise deles permite tirar várias conclusões, por exemplo: 1. Para um salário de, aproximadamente, R$ 2 700,00, o valor da contribuição permanece o mesmo, por volta de R$ 160,00. Para obter o valor exato do salário que mantém a contribuição, basta resolver a equação 0,06x = 0,11(x − 1200), chegando a x = 2640 e C1(2640) = C2(2640) = 158,40. 2. Para salários abaixo de R$ 2 640,00, a contribuição previdenciária diminuiu, pois nesse caso temos, para um mesmo x, C2(x) menor do que C1(x). Fica interessante fazer simulações com salários e população para calcular os valores das arrecadações antes e depois da mudança da lei, verificando que em determinadas situações, bastante prováveis, a arrecadação estadual diminui consideravelmente. 3. C2(x) é maior que C1(x) para salários maiores que R$ 2 640,00, logo a nova lei aumenta a contribuição dos salários maiores que esse valor. 4. A inclinação da reta do gráfico de C2(x), x > 1200, é maior que o da reta de C1(x); logo, a contribuição, com a nova lei, aumenta mais rapidamente do que antes, à medida que o salário aumenta.
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