I. Sistemas não decimais de numeração posicional

 


Marcio Andrade Monteiro


Uma experiência docente interessante para mim tem sido trabalhar com sistemas de numeração posicional não decimais com alunos do segundo segmento do ensino fundamental (5 a 8 séries) e do ensino médio.

O sistema de numeração utilizado universalmente é o sistema decimal ou de base 10. O que isso significa? Que 10 unidades de uma ordem representam 1 unidade de ordem imediatamente superior. Com isso, precisamos de apenas 10 símbolos, que chamamos de algarismos, para escrever qualquer numeral.

Imagina-se que o surgimento da base decimal se deve ao fato da utilização dos dedos das mãos para efetuar operações aritméticas elementares. Se nós tivéssemos 8 dedos nas mãos, provavelmente nosso sistema de numeração seria, hoje, octal.

Usar sistemas de numeração posicional não decimal com os alunos do ensino básico é útil para provocar questionamentos e testar a compreensão sobre procedimentos já automatizados na base 10, uma vez que devem ser reproduzidos em outra base.

Vejamos, inicialmente, como escreveríamos alguns numerais no sistema de base 2. No sistema decimal, ao juntarmos 10 unidades simples, temos uma dezena, ao juntarmos 10 dezenas, temos uma centena e assim por diante. No sistema de base 2, a cada duas unidades de 1 ordem, formaremos uma unidade de 2 ordem, 2 unidades de 2 ordem formarão uma unidade de 3 ordem e assim por diante. Considerando, por exemplo, 7 unidades (ver figura a seguir), no sistema de numeração de base 2, temos uma unidade de 1 ordem, uma unidade de 2 ordem e uma unidade de 3 ordem. Como o sistema de numeração é posicional, a representação será (111)2, onde o índice 2 indica o sistema de numeração.

 

     Outros exemplos

Os números sem indicação de base estão na base 10.

Essa forma de explicar a construção de numerais (212 é o numeral que representa, na base 3, o número que é representado por 23 na base 10) em bases diferentes de 10 pode ser interessante para a compreensão da lógica dos sistemas de numeração. Após isso, o professor pode apresentar o algoritmo conhecido e tradicional de conversão de bases:


 

 

    Operações

Também é interessante praticar com os alunos as operações fundamentais em bases não decimais. Fiz essa experiência em várias turmas, sempre com bons resultados. Vejamos alguns exemplos.

1. (45353)6 + (23524)6

O aluno pode transformar os numerais para a base 10, efetuar a soma e depois transformar o resultado para a base 6, ou ser levado pelo professor a perceber que, seguindo a mesma lógica da operação na base 10, é possível fazer a soma na base 6. Assim, 3 + 4 = 7 = 1.6 + 1: uma unidade de ordem 1 e uma unidade de ordem 2 (fica 1 e vai 1). 1 + 5 + 2 = 8 = 1.6 + 2, logo temos duas unidades de ordem 2 e uma unidade de ordem 3 (fica 2 e vai 1).

Continuando de modo análogo, obtemos a soma (113321)6.

2.. (42123)6− (23524)6 Na ordem 1, tomaremos uma unidade de ordem 2 que corresponde a seis unidades de ordem 1: 6 + 3 = 9 é o minuendo. O algarismo de ordem 1 será dado pela subtração 9 – 4 = 5. Na ordem 2, não temos mais duas unidades no minuendo, apenas uma. Como 1 < 2, fazemos (6 + 1) – 2 = 5, que é o algarismo de ordem 2 da subtração. E assim por diante.

3. Multiplicar pela base acrescenta zero no final. Verifique:

(1311)4 x 4 = (13110)4

4. Como ficariam, em uma base não decimal, os numerais com parte fracionária?

Considere (211,12)3.

(211,12)3 = (211)3 + (0,12)3

(211)3 2 x 32 + 1 x 31 + 1 x 30 = 22.

Vejamos o que significa (0,12)3. Observe que (0,1)3 representa tomar uma parte de 3, assim equivale a 1/3. Já (0,02)3 representa tomar duas partes de 9, assim equivale a 2/32. É a mesma estrutura do sistema decimal. Então,

Dependendo da série da turma, continuamos trabalhando com a multiplicação e divisão e com alguns problemas de solução mais algébrica. A resposta dos alunos, independentemente de menor ou maior habilidade em Matemática, tem sido ótima, proporcionando aulas bem motivadoras e participativas.

Bibliografia

ALENCAR FILHO, Edgar de. Aritmética dos inteiros. São Paulo: Nobel, 1987. TREMBLAY, Jean-Paul. Ciência dos computadores: uma abordagem algorítmica. São Paulo: McGraw-Hill, 1983.

 

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2. A torre de Hanói em sala de aula

 


Alex Oleandro Gonçalves

A torre de Hanói é um jogo formado por uma base com três hastes, digamos H1, H2 e H3, e discos de raios diferentes. Em uma das hastes encontram-se colocados todos os discos, geralmente de três a cinco, dispostos de baixo para cima do maior raio para o menor. O objetivo é trocar a pilha de discos de uma haste para uma outra, movendo um disco de cada vez e nunca permitindo que um disco de diâmetro maior fique sobre um de diâmetro menor. As três hastes podem ser usadas para suporte dos discos durante os movimentos.

Esse jogo já foi apresentado na RPM9, p.39, no artigo Vale para 1, para 2, para 3,... . Vale sempre?, no qual está demonstrado por indução que o menor número possível de movimentos necessários para transferir todos os discos é igual a 2n −1, sendo n o número de discos.

Eu estava lecionando nas 8s séries de um colégio estadual e o conteúdo a ser desenvolvido no primeiro bimestre incluía propriedades de potência. Como observei um desinteresse muito grande pelo assunto em todas as turmas, decidi propor uma atividade como motivação: cada aluno traria o material para um jogo que seria explicado durante a aula. Todos tiveram o final de semana para confeccionar esse material, que consistia em cinco peças em tamanhos diferentes, quadradas ou redondas, e uma base, com três hastes ou, simplesmente, o desenho das “casas” de cada peça. Desenhei no quadro como as peças poderiam ser confeccionadas em cartolina, não sendo cobrado dos alunos nenhum tipo de perfeccionismo.

A surpresa foi grande quando entrei para realizar o jogo na primeira turma de 8 série e vi que, de 45 alunos da turma, apenas 10 haviam confeccionado o jogo, o que não foi muito diferente em nenhuma das turmas em que a atividade foi solicitada. Pensei em desistir de realizar o jogo em sala, mas isso não seria justo com aqueles 10 alunos que haviam cumprido a tarefa. Fiz a leitura da lenda da torre de Hanói, que se encontra no artigo mencionado da RPM 9, a qual trata da transposição de 64 discos, acompanhada da explicação das regras do jogo, e demos início à prática. Pedi para aqueles que não trouxeram o material que, pelo menos, observassem o jogo dos demais.

Comecei solicitando que os alunos tentassem transpor dois discos seguindo a regra. Houve dificuldade em entender o que fora pedido. Foram necessárias explicações individuais. Nesse momento, um aluno perguntou se podia sentar ao lado de um colega que fizera o material. Percebi que outros sem material tentavam ajudar aqueles que tinham o jogo, mas não tinham entendido o que deveriam fazer. Anotei o menor número de movimentos que um aluno conseguiu em uma tabela na lousa.

Antes de passar para 3 discos, um aluno perguntou “Professor, posso fazer agora o jogo?”. Fiquei surpreso e perguntei para a turma como poderíamos confeccionar rapidamente a torre de Hanói para poder jogar. “Ora, rasga uma folha de caderno!”, disse um aluno. “Como?”, perguntei. “Faz cinco quadrinhos de papel!”, disse outro. Paramos a atividade e todos os que não tinham feito o jogo fizeram-no com uma folha de caderno da mesma forma como era para ser feito em cartolina.

O melhor desempenho para 3 discos foi anotado na tabela da lousa. Um aluno disse que teria conseguido com 5 movimentos. Houve tumulto, pois alguns alunos disseram que só era possível com pelo menos 7. Fizemos a verificação de que eram mesmo 7 movimentos, no mínimo, para 3 discos – o aluno que disse ter conseguido com 5 se convenceu que errou em alguma passagem ou na contagem de movimentos. Para 4 discos a dificuldade foi grande. Procurei ajudar nos pequenos grupos que foram se formando pela sala. Muitos se perdiam na contagem de movimentos. Pedi que anotassem os movimentos com tracinhos. Somente foi possível concluir que seriam necessários 15 movimentos com a minha interferência.

Completamos então a tabela de movimentos necessários para cada número de discos. Perguntei se alguém estava percebendo algum padrão na tabela “Parece que cada número da tabela é o que em relação ao anterior?”. Depois de alguns palpites testados, uma aluna disse “Não é o dobro do que vem antes e mais um, professor?” (já havíamos estudado em aulas anteriores algumas seqüências em que o elemento era o dobro do anterior). Pedir que os alunos tentem descobrir o “segredo” de uma seqüência ajuda a desenvolver a intuição matemática necessária para iniciar qualquer demonstração.

O problema é que com essa idéia de que a solução é “o dobro do anterior mais um” não poderíamos saber o número mínimo de movimentos para, por exemplo, 64 discos, como na lenda, exceto se o soubéssemos para 63 discos, o qual necessitaria da solução para 62 discos e, assim, sucessivamente. Fiz então mais uma coluna na tabela e escrevi potências de base 2, em que o expoente era o número de discos. Rapidamente os alunos perceberam que deveríamos subtrair uma unidade das potências escritas para obter o número de movimentos. Solicitei que verificassem se a “fórmula encontrada para n discos” funcionava para os casos já estudados, com n = 1, 2, 3 ou 4 (primeiro passo numa demonstração por indução).

Esse foi um exemplo que mostra que devemos apostar na eficácia da resolução de problemas e dos jogos no ensino da Matemática, mesmo enfrentando alguns desafios, como a resistência inicial dos alunos ou falta de material.

Observo ainda que há um longo caminho a ser percorrido das primeiras constatações matemáticas dos alunos no ensino fundamental até uma formalização rigorosa; portanto, devemos, sempre que possível, apresentar nas aulas situações que levem a generalizações ou induções.