José Luiz Pastore Mello
São Paulo − SP

     Introdução

A relação entre a temperatura na escala termométrica Fahrenheit (TF) e a temperatura na escala Celsius (TC) é a dada pela função afim - Essa função pode ser facilmente deduzida a partir dos pares ordenados (TF , TC) que correspondem às temperaturas de fusão do gelo e de ebulição da água à pressão normal. Esses pares são, respectivamente, (32, 0) e (212, 100).*

Como a escala Fahrenheit é de uso corrente nos EUA e é comum nas especificações e características de equipamentos, a fórmula de conversão Fahrenheit-Celsius é utilizada com alguma freqüência.

Se por um lado a fórmula garante uma conversão precisa entre as escalas, por outro ela não é prática para cálculos mentais, o que acaba dificultando a vida de quem viaja para países que utilizam a escala Fahrenheit. Até que o viajante perceba que a melhor estratégia para incorporar o padrão Fahrenheit é simplesmente abandonar sua memória recente da escala Celsius, muitas e muitas contas de conversão acabam sendo feitas.

A proposta deste artigo é analisar três fórmulas de conversão entre TF e TC que, ao favorecerem o cálculo mental, dispensam o recurso de uma conta armada. É claro que esse benefício será conquistado ao custo de assumirmos pequenos erros em relação à conversão correta. Avaliaremos esses erros com auxílio do estudo da função modular.

Primeira fórmula: -

Essa fórmula favorece o cálculo mental porque exige apenas subtrair 30 de TF e, em seguida, pegar a metade do resultado. Por exemplo, para TF = 77, concluímos rapidamente que - = 23,5 Nesse caso, como o cálculo correto seria TC = 25, cometemos um erro de −1,5 oC. Se TF = 35,6, temos - = 23,8 e TC = 2, o que indica um erro de +0,8 oC.

Uma vez que erros de superestimativa ou de subestimativa da temperatura são desvios em relação ao zero, é mais adequado que olhemos para o erro absoluto | TC - -|. Comparando o erro absoluto nos exemplos anteriores, percebemos que a fórmula - comete um erro menor para a temperatura 35,6oF do que para 77oF. O comportamento do erro absoluto, que chamaremos de E* , em função de TF , é expresso por:

--

cujo gráfico está indicado na figura. Para a temperatura de 50oF, que é equivalente a 10oC, não se comete erro algum ao usar - no lugar de TC e, para temperaturas próximas a esse valor, o erro cometido é pequeno.

Segunda fórmula: -

Essa fórmula também favorece o cálculo mental porque trabalha com a divisão por 2, em vez de por 1,8, que seria o correto na fórmula TC. O erro E** cometido por essa nova fórmula é dado por:

-

A figura a seguir indica os gráficos de E* e E** em um mesmo plano cartesiano.

- Os gráficos das funções E* e E** diferem apenas
por uma translação.

Observe que E**é zero para TF = 32 (equivalente a 0oC) e pequeno para temperaturas próximas a essa.

Além de comparar E*com E**graficamente, podemos trabalhar também com equações e inequações modulares vinculadas às situações com significado concreto, como, por exemplo:

a) Qual é a temperatura, em Fahrenheit, em que ambas as fórmulas cometem o mesmo erro? (resolve-se a equação modular E* = E** )

b) Quando a primeira fórmula comete um erro menor do que a segunda? (resolve-se a inequação modular E* < E ** )

c) Determine a condição para que a primeira fórmula não cometa erros superiores a 1oF. (resolve-se a inequação modular E*≤ 1)

Sabendo que E *<E ** para TF> 41 (ou TC> 5) e que E* > E** para TF < 41 (ou TC < 5), já podemos propor uma estratégia de escolha entre essas fórmulas em viagens para países de clima temperado que usem a escala Fahrenheit :- é mais adequada na primavera e no verão, onde as temperaturas provavelmente são superiores a 5oC, ao passo que - é mais adequada no outono e no inverno, quando as temperaturas são inferiores a 5oC.

Terceira fórmula: -

A terceira fórmula difere da segunda pelo acréscimo de 10%, o que não compromete o cálculo mental, já que é uma porcentagem simples de calcular. Apesar de menos prática do que as duas anteriores, essa fórmula sempre apresenta aproximações melhores ou iguais às obtidas por -.

Comparando-a com - , as aproximações obtidas por - só cometem erros maiores em um pequeno intervalo numérico nas proximidades de 50oF. O erro E***, associado ao cálculo de - no lugar de TC, será dado por:

-

A figura indica os gráficos das funções modulares E*, E** e E***.

-

Uma justificativa bastante simples para o fato de -ser uma excelente aproximação para TC pode ser dada através da seguinte manipulação algébrica:

-

Observando os gráficos e resolvendo a equação modular E*** = E *, é fácil verificar que E*** E** para qualquer valor de TF, e que E*** > E * apenas para - o que corresponde, aproximadamente, ao intervalo entre as temperaturas de 9,1oC e 11,1oC. Em relação a esse intervalo, deixo por conta do leitor a verificação de que E*** será muito pequeno, variando entre - e de que o maior erro cometido por E*** em relação a E* será de 0,1oC.

 

     Conclusão

Em viagens para os EUA, se você quiser evitar a fórmula prática - para não ter que calcular porcentagens mentalmente, então use as fórmulas práticas - na primavera e no verão, e - no outono e no inverno. Se o cálculo mental com uma porcentagem de 10% não lhe incomoda, então, utilize sempre a fórmula -. Além dessa fórmula cometer um erro menor ou igual ao cometido por -, ela só cometerá erros maiores do que os cometidos por - para temperaturas em torno de 9,1oC a 11,1oC. Nesse intervalo, a maior diferença E***E * será de 0,1oC, o que não compromete o uso de - no lugar de -.

 

* O físico sueco Anders Celsius usou como pontos fixos a fusão do gelo, à qual atribuiu o valor 0, e a ebulição da água, à qual atribuiu o valor 100. O físico alemão Daniel Fahrenheit usou como pontos fixos uma mistura de água, gelo e cloreto de amônio, à qual atribuiu o valor 0, e o sangue humano, ao qual atribuiu o valor 100.