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Jorge C. Lucero
Conta Eratóstenes [4] que certa vez, na antiga Grécia, os habitantes da ilha de Delos perguntaram ao oráculo de Apolo o que fazer para combater uma peste que assolava o povo. A resposta do oráculo foi que o altar de Apolo, de forma cúbica, devia ser duplicado. Assim, teria nascido o problema geométrico da duplicação do cubo, também conhecido como “problema deliano”, que se tornou um dos problemas clássicos da Antigüidade [2,6]. Podemos enunciá-lo também desta forma: dada a aresta de um cubo, construir a aresta de um segundo cubo cujo volume seja o dobro do primeiro. Os matemáticos gregos já tinham resolvido a questão da duplicação de um quadrado, e parece natural que a tenham estendido ao caso do cubo. Consideremos um segmento de reta de comprimento a. O cubo que tem tal segmento como aresta terá volume Va = a3. Queremos, então, obter um segmento de reta de comprimento b, tal que o cubo associado, de volume Vb = b3, satisfaça Vb = 2Va . Dessas fórmulas obtemos a relação Assim, o problema se reduz a construir a raiz cúbica de 2 (isto é, obter dois segmentos de reta cujos comprimentos estejam na razão). Numerosas soluções foram propostas usando diversos artifícios, desde o século IV a.C., com uma construção tridimensional devida a Arquitas. Entretanto, o problema se tornaria famoso quando considerado sob a seguinte restrição: deve ser resolvido em um número finito de passos usando apenas régua e compasso, onde a régua deve ser utilizada apenas para traçar linhas retas, e não para medir. Muitos problemas de construção similares a esse são vistos quando se estudam construções geométricas. A solução do problema deliano, com a restrição citada, foi procurada em vão durante séculos. Só a partir dos trabalhos em Álgebra de Rufini, Abel, e Galois, no século XIX, demonstrou-se que é impossível fazer tal construção [3]. É curioso, então, que seja possível resolvê-lo apenas dobrando uma folha de papel, como mostra a técnica a seguir, proposta por Messer [5].
Partimos de uma folha quadrada de papel, de dimensão arbitrária. A solução consta de duas etapas; primeiramente, devemos dividir a folha em três partes iguais. Isso pode ser feito por meio dos seguintes passos (ver também o teorema de Haga, na RPM 16, p. 22): Os seguintes passos, finalmente, determinam As linhas de dobradura que não são relevantes foram eliminadas, para maior clareza.
Demonstremos primeiro que a seqüência de passos (1) − (6) divide a folha de papel em 3 partes iguais. O seguinte diagrama reproduz o resultado no passo (6). Escolhemos um sistema de coordenadas x0y como indicado na figura, sendo l o comprimento dos lados da folha. O ponto C, por estar na diagonal do quadrado, está à mesma distância, s, das bordas inferior e direita da folha, portanto suas coordenadas são (xC ; yC) = (l − s; s). As coordenadas do ponto D são (xD ; yD) = (l; l/2). Por semelhança de triângulos temos Pelos passos (4) e (5), a distância entre ambas as linhas das dobraduras horizontais, e entre a linha superior e a borda superior da folha, também deve ser l/3. Demonstremos agora que a dobra do passo (7) determina sobre a borda direita da folha. Os pontos A e B indicados no passo (7) têm coordenadas (xA; yA) = (0, 0) e (xB ; yB) = (0; l/3), respectivamente. Nesse mesmo passo (ver figura a seguir), realizamos a dobra sobre a linha MN; os pontos A e B passam a ocupar as posições A’ e B’, respectivamente, de coordenadas (xA ; yA) = (l; c) e (xB; yB) = (a;2l/3), onde a é a abscissa do ponto B’da figura a seguir. Do paralelismo de AA’ e BB’ vem ou M é o ponto médio de BB’ e N é o ponto médio de AA’; logo, O coeficiente angular da reta determinada por M e N é (c − l)/(l − a) e o da reta determinada por A e A’ é c/l. Como essas duas retas são perpendiculares, obtemos o que implica l2 − al + c2 − cl = 0. Substituindo a pelo valor l2/3c e simplificando, obtemos 3c3 − 3c2l + 3cl2 − l3 = 0. Considerando que c3 − 3c2l + 3cl2 − l3 = (c − l)3, essa equação fica 2c3 = (l − c)3, ou o que prova que foi obtida a solução do problema deliano.
A raiz cúbica de dois é solução da equação x3 − 2 = 0. Com dobraduras de uma folha de papel é possível construir soluções de qualquer equação cúbica com coeficientes construtíveis por dobraduras (ver [1]), o que é impossível de ser feito com régua e compasso. Isso permite resolver, por meio de dobraduras, outros problemas geométricos de construção que possam ser reduzidos a uma equação cúbica, como a trissecção de um ângulo e a construção de um heptágono regular.
Referências bibliográficas [1] ALPERIN, Roger C. A mathematical theory of origami constructions and numbers. New York Journal of Mathematics, 6:119-133, 2000. http://nyjm.albany.edu:8000/j/2000/6-8.html |