Eduardo Wagner
FGV – RJ
CE da RPM

 

     Um problema

Imagine dois postes verticais AA′e BB′ de tamanhos diferentes no plano horizontal Π. Para que posições uma formiga P, no plano, vê os dois postes do mesmo tamanho?

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Em primeiro lugar, devemos pensar o que ocorre quando vemos dois objetos com o mesmo tamanho. Por exemplo, uma moedinha de 1 centavo segura entre os dedos com o braço esticado tem, aparentemente, o mesmo tamanho da lua cheia. A conclusão é a seguinte: dois objetos aparentam ter o mesmo tamanho para certo observador, quando os ângulos de visada são iguais. Portanto, observando a figura acima, a formiga vê os postes AA′ e BB’ do mesmo tamanho se os ângulos de visada APA′ e BPB′ forem iguais.

-Mesmo sem pensar ainda como resolver o problema, a formiga inteligente pode verificar que existem dois lugares onde isso acontece, ambos na reta AB. Andando na reta AB, de A para B, certamente encontraremos um ponto interior ao segmento AB, onde APA′ = BPB, como mostra a figura.

Se o poste A for maior que o poste B, esse ponto P estará obviamente mais próximo de B do que de A e, para obter exatamente a posição de P, basta ligar o ponto A′ ao simétrico de B′ em relação à reta AB.

Por outro lado, uma segunda posição para P é a interseção da reta AB com a reta AB. A figura a seguir mostra uma outra posição de P, onde APA′ = BPB′.

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Além dessas duas posições determinadas intuitivamente, existe certamente uma infinidade de outras, no plano, mas fora da reta AB. Já sabemos que os ângulos de visada APA′ e BPB′ são iguais para que a formiga veja os dois postes do mesmo tamanho. Porém, como os postes são verticais, isso significa que os triângulos APA′ e BPB′ são semelhantes.

Portanto, - que é constante, pois é a razão entre os comprimentos dos dois postes (veja novamente a primeira figura).

Temos então dois pontos fixos A e B no plano e buscamos o lugar geométrico dos pontos cuja razão das distâncias a esses pontos é constante e igual à razão entre os comprimentos dos postes.

Antes de resolver o problema, é interessante recordar o “teorema das bissetrizes”:

Uma bissetriz de um ângulo de um triângulo divide o lado oposto na mesma razão dos lados adjacentes.

-Veja a seguir uma demonstração desse importante teorema.

a) Na figura ao lado, AD é bissetriz interna do ângulo A do ∆ABC.

Traçando por D as perpendiculares DM e DN aos lados AB e AC, temos que DM = DN, pois o ponto D está na bissetriz do ângulo A. Por outro lado, como os triângulos ADB e ADC têm mesma altura a partir de A, então a razão entre suas áreas, -, é igual à razão entre suas bases, ou seja,

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b) Na figura a seguir, AE é bissetriz externa do ângulo A do ∆ ABC.

-Traçando por E as perpendiculares EP e EQ às retas AB e AC, temos que EP = EQ, pois o ponto D está na bissetriz do ângulo externo A. Por outro lado, como os triângulos AEB e AEC têm mesma altura a partir de A, então a razão entre suas áreas, -, é igual à razão entre suas bases, ou seja,

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Demonstrado o teorema das bissetrizes, é importante lembrar que vale a sua recíproca, ou seja, se D é um ponto da base BC do ∆ ABC e -, então AD é bissetriz interna do ângulo A e, se E é um ponto do prolongamento de BC e -, então AE é bissetriz externa.

 

     A circunferência de Apolônio

Passamos agora a analisar o problema seguinte:

Dados dois pontos A e B no plano e um número k > 0, determinar o lugar geométrico do ponto P tal que -

Em primeiro lugar, se k = 1, temos PA = PB e o lugar geométrico de P é naturalmente a mediatriz de AB.

Em seguida, vamos imaginar k > 1 (o caso 0 < k < 1 é inteiramente análogo). Como já vimos antes, podemos encontrar com alguma facilidade dois pontos da reta AB que possuem a propriedade desejada. Sejam portanto M e N pontos da reta AB tais que -

Observe então a figura a seguir em que as retas r e s são paralelas.

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Sabemos que, dado um segmento unitário, para cada real positivo k existe um segmento de comprimento k e a semelhança de triângulos permite concluir que, na figura acima, temos - Atenção: a figura MB NB acima mostra que os pontos M e N existem, mas a construção com régua e compasso só é possível se k é construtível (racionais, por exemplo, são construtíveis). Na situação acima, dizemos que os pontos M e N dividem harmonicamente o segmento AB.

Vamos agora considerar um ponto P fora da reta AB tal que - e investigar seu lugar geométrico.

Observe a figura ao lado.     -

Como - então PM é bissetriz interna do ângulo APB e como - então PN é bissetriz externa. Mas essas bissetrizes são perpendiculares (verifique!) e, como M e N são fixos, o lugar geométrico de P é a circunferência de diâmetro MN.

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Essa circunferência chama-se circunferência de Apolônio do segmento AB na razão k. Ela é o lugar geométrico dos pontos cuja razão das distâncias a dois pontos fixos é igual a uma constante dada.

O problema da formiga está resolvido. O lugar geométrico dos pontos de onde a formiga vê os postes de mesmo tamanho é a circunferência de Apolônio do segmento AB na razão AA’/BB’.

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     Nota

Apolônio de Perga viveu no século 3 a.C. Foi célebre geômetra e astrônomo, mas a maior parte de sua vasta obra desapareceu. Felizmente, a sua obra-prima – As Cônicas – foi quase toda preservada. Entretanto, são conhecidos os títulos e conteúdos dos muitos tratados que escreveu devido a relatos de matemáticos posteriores. Sabemos por isso que Apolônio escreveu um livro chamado Lugares Planos dedicado à análise de diversos lugares geométricos e que um deles era justamente o lugar geométrico dos pontos cuja razão das distâncias a dois pontos fixos é constante. Esse lugar geométrico ficou conhecido até hoje como Circunferência de Apolônio, um tanto injustamente, pois Aristóteles já o tinha descoberto anos antes.