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Geraldo Ávila
Em nosso artigo na RPM 60, insistimos em que a derivada deve ser ensinada na primeira série do ensino médio. Isso tem a virtude de permitir uma saudável interação com o estudo do movimento que se faz na Física. Portanto, é um modo de promover a interdisciplinaridade, tão desejada no ensino. Falaremos disso no presente artigo, deixando para uma eventual futura oportunidade outras questões referentes à derivada na própria Matemática. No artigo anterior introduzimos a derivada como limite de uma razão incremental e fizemos sua interpretação como inclinação da reta tangente ao gráfico da função da qual tomamos a derivada. Trataremos agora de uma outra interpretação da derivada, que é típica de sua utilização no estudo do movimento de um ponto material. Mas, antes disso, falaremos de uma propriedade da derivada que está utilizada logo adiante.
Começamos observando que a derivada de uma função constante é zero. Com efeito, dada uma função constante, y = f(x) = c, o acréscimo ∆y da variável dependente é sempre zero, qualquer que seja o acréscimo ∆x da variável independente, o qual nunca é zero; em conseqüência, a razão incremental ∆ y/∆ x é sempre zero, portanto também a derivada f’(x). A propriedade que será utilizada adiante é a recíproca da anterior e assim se formula: se a derivada de uma função é nula em todo um intervalo, então essa função é constante nesse intervalo. O modo mais natural de interpretar (e justificar) essa propriedade consiste em observar que a reta tangente ao gráfico da função em qualquer de seus pontos é horizontal, o que nos leva a entender que esse gráfico só pode ser uma reta horizontal, donde a função ser constante. Foi assim que os melhores matemáticos do século XVIII (dentre eles as grandes figuras de Euler e Lagrange) compreenderam a referida propriedade. Portanto, muito razoável que ela seja assim explicada a alunos do ensino médio; e que eles não sejam perturbados com qualquer tentativa adicional de uma demonstração mais sofisticada.
Vamos considerar agora o movimento de um ponto material que se move numa trajetória qualquer. Ponto material é um ponto geométrico ao qual se associa um número positivo, que é a sua massa. A massa não nos preocupa, enquanto não tivermos de lidar com a dinâmica do movimento, quando intervém os conceitos de massa, força e energia. Como de costume, s = s(t) denotará o espaço percorrido pelo móvel a partir de um certo ponto O. Então, ∆s = s(t +∆t) - s(t) representa o espaço percorrido pelo móvel durante o intervalo de tempo que vai do instante t ao instante t + ∆t (figura 1). A velocidade média vm nesse intervalo é definida como sendo a razão incremental
Dizemos que o movimento é uniforme quando a velocidade média tem o mesmo valor v durante todo o tempo do movimento. Nesse caso, denotando com s0 o valor do espaço inicial (que é o espaço já percorrido quando se começa a contar o tempo), podemos escrever essa velocidade média utilizando o incremento espacial ∆t = s(t) − s0 correspondente ao incremento de tempo ∆t = t − 0 = t, isto é, donde s = s0+ vt. Esta é a conhecida equação horária do movimento uniforme. Seu gráfico num plano cartesiano t-s é uma reta. A figura 2 ilustra esse gráfico numa situação em que s0 e v são números positivos.
Se o movimento não for uniforme, a velocidade média nada nos dirá sobre o estado do movimento no instante t (ou em qualquer outro instante t e t + ∆t). De fato, podemos imaginar um sem-número de movimentos diferentes, entre os instantes t e t + ∆t, todos com a mesma velocidade média: o móvel pode mover-se muito rapidamente em certos trechos, mais devagar em outros e até parar uma ou várias vezes antes de completar o percurso; e isso, como dissemos, de muitas maneiras distintas. Não obstante essas considerações, a idéia de “velocidade instantânea” nos é muito familiar. Qualquer pessoa entende o que significa dizer que o carro estava a mais de 80 km/h quando bateu no poste. Mas como traduzir isso matematicamente? Repare que para falar em velocidade é preciso observar o movimento; e movimento só existe durante intervalos de tempo, nunca num instante de tempo! É preciso deixar fluir o tempo para podermos avaliar a rapidez ou vagarosidade do movimento. Mantendo t fixo e imaginando intervalos de tempo (t, t + ∆t) cada vez menores, as velocidades médias correspondentes vão nos dando informações cada vez mais precisas sobre o que se passa no instante t. Assim concebemos a idéia de que essas velocidades médias deverão se aproximar de um valor determinado quando ∆t tende a zero. E é isso o que acontece na maioria dos movimentos observados na Natureza e que são descritos por idealizações matemáticas. Esse valor limite é chamado de velocidade instantânea no instante t. Como essa velocidade está associada ao instante t, ela deve ser função desse tempo t, por isso deve ser denotada v = v(t). Portanto, como acabamos de explicar, matematicamente ela é definida como sendo o limite, com ∆t → 0, da razão incremental que dá a velocidade média, isto é, Assim, por definição, a velocidade instantânea é a derivada do espaço em relação ao tempo.
O conceito de aceleração é introduzido de maneira análoga ao de velocidade: ela mede a variação da velocidade em relação ao tempo. No movimento uniforme, em que a velocidade permanece constante, não há aceleração; ou seja, a aceleração é zero. O movimento de um corpo em queda livre é um exemplo típico de movimento acelerado. Desprezando a resistência do ar, a velocidade desse corpo aumenta de aproximadamente 10 m/s a cada segundo. Assim, se o corpo é abandonado à ação da gravidade com velocidade zero no instante t = 0, depois de um segundo essa velocidade é de aproximadamente 10 m/s; depois de dois segundos será de 20 m/s; depois de três segundos, 30 m/s; e assim por diante. De um modo geral definimos aceleração média num intervalo de tempo (t, t + ∆t) como sendo o quociente ∆v/∆t, onde ∆v é a variação da velocidade nesse intervalo, dada por ∆v = v(t + ∆t) − v(t). A aceleração instantânea a(t) no instante t, por sua vez, é o limite da velocidade média com ∆t tendendo a zero, isto é, Dizemos que um movimento é uniformemente variado quando sua aceleração for constante e diferente de zero. É esse o caso mencionado há pouco de um corpo em queda livre. Vamos considerar um movimento uniformemente variado com aceleração a. Seja v = v (t) sua velocidade num instante t; seja v0 = v(0) a velocidade inicial. Como a é constante, podemos escrever donde se obtém que é equação da velocidade. Seu gráfico é uma reta, ilustrada na figura 3, quando v0 e a são números positivos.
Para obtermos a equação horária do movimento, vamos utilizar a segunda propriedade da derivada, mencionada no início deste artigo, segundo a qual se duas funções f(t) e g(t) têm a mesma derivada, a diferença h(t) = f(t) − g(t) tem derivada zero, significando que o gráfico de h(t) tem tangente horizontal em todos os pontos, sendo, pois, uma função constante em t, vale dizer, f e g diferem por uma constante. Para isso começamos procurando uma função cuja derivada seja a velocidade v (t) = v0 + at. O primeiro termo v0 é a derivada de v0 t. Quanto ao segundo termo at, notamos que t é a derivada de t2/2, de sorte que at é a derivada de at2/2. Essas considerações nos mostram que v(t) = v0 + at é a derivada da função v0 t + at2/2, isto é, Mas a derivada do espaço s(t) também é a velocidade v(t) = v0 + at. Portanto, a função tem derivada zero; logo, é uma constante Em conseqüência, . O significado de C torna-se claro quando fazemos t = 0: C = s(0) = s0. Substituindo esse valor na equação anterior, obtemos a equação horária do movimento uniforme: Como s é um trinômio do segundo grau em t, seu gráfico é uma parábola, como ilustra a figura 4, na hipótese de serem s0, v0 e a todos positivos.
O leitor deve notar, no caso do movimento uniformemente variado, que foi mais fácil obter a equação da velocidade do que a equação horária. Mas não se pode dizer que a dedução dessa última tenha sido tão trabalhosa. O que não se pode admitir é o péssimo hábito, ainda tão comum nas escolas e cursinhos, de ensinar essas equações “dogmaticamente”, sem nenhuma justificativa. Devemos observar também que fizemos uma apresentação com o objetivo de mostrar como as coisas podem ser feitas, sem nos alongarmos além do necessário. Assim, o presente artigo deve ser entendido apenas como um roteiro que possa servir ao professor (de Física ou mesmo o professor de Matemática) para organizar suas aulas, as quais devem, evidentemente, ser complementadas com exercícios e atividades para os alunos.
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