Edson Ribeiro Alvares
Universidade Federal do Paraná

     Preliminares

Antes de começarmos nosso passeio pelas dízimas, vamos fazer algumas considerações prévias.

Primeiro, precisamos dizer o que entendemos por comprimento do período de uma dízima. Como exemplo, considere a dízima 7/30 = 0,23333... Seu período é formado apenas pelo algarismo três. Portanto, ela tem período de comprimento um. Já a dízima 1/7 = 0,142857142857... apresenta seis dígitos em sua formação; logo, tem período de comprimento seis.

Em segundo lugar, ao considerar uma fração a/b que gera uma dízima periódica, podemos simplificar a fração até que seu numerador e seu denominador sejam primos entre si. Portanto, podemos supor que isso já foi feito e considerar a e b primos entre si.

Além disso, se o denominador for múltiplo de 10, não haverá problemas para determinar a expansão decimal, já que dividir por uma potência de 10 equivale a andar com a casa decimal. Por exemplo, se 1/3 = 0,333..., então 1/300 = 0,00333...

Mesmo que o denominador não seja múltiplo de 10, mas contenha o fator 2 ou o fator 5, um expediente semelhante pode ser usado para trabalhar com a e b livres desses fatores, desde que multipliquemos o numerador e o denominador por um fator conveniente para completar uma potência de 10 no denominador. Por exemplo: 1/6 = 5/30. Como 5/3 = 1,666..., então 1/6 = 0,1666... Outro exemplo: como 4/3 = 1,333..., então 1/75 = 4/300 = 0,01333... E assim por diante.

Por tudo isso, podemos, de agora em diante, trabalhar só com frações a/b tais que: a e b sejam primos entre si e b seja primo com 10, isto é, b não seja par nem múltiplo de 5.

     Propriedades

1. A primeira propriedade das dízimas periódicas que queremos registrar é:

o comprimento do período da dízima a/b é, no máximo, b − 1, que decorre imediatamente do processo tradicional de efetuar a divisão, pois os possíveis restos nas sucessivas divisões por b são em número de, no máximo, b − 1. Por exemplo:

-

Daí por diante, os restos vão se repetir e, portanto:

1/7 = 0,142857142857..., com o período 142857, de 6 = 7− 1 algarismos.

Observe os exemplos:

1/17 = 0,0588235294117647... tem comprimento 16 = 17− 1;

1/3=0,333... tem comprimento 1 < 3− 1;

1/9 = 0,111... tem comprimento 1 < 9− 1; e assim por diante.

É possível mostrar que, se a dízima tiver período de comprimento exatamente igual a b − 1, podemos garantir que b é primo (como aconteceu com 1/7 e 1/17), mas não vale a recíproca, isto é, não é necessariamente verdade que o comprimento do período da dízima de uma fração com denominador primo b seja b − 1, como mostra o exemplo de 1/3.

2. A segunda propriedade que nos interessa é: o comprimento do período de uma dízima a/b (com a e b primos entre si e desde que b não seja par nem múltiplo de 5) não depende do numerador.

Vejamos um exemplo ilustrando esse fato. Analisaremos o que ocorre com o tamanho das dízimas da fração a/7. Ao dividir o número 1 por 7, obtemos a dízima periódica

1/7 = 0,142857142857..,

cujo período tem seis dígitos, 142857. Ao variarmos o numerador, obtemos:

2/7 = 0,285714285714...,

3/7 = 0,428571428571...,

4/7 = 0,571428571428...,

5/7 = 0,714285714285...,

6/7 = 0,857142857142...,

8/7 = 1,142857142857...,

9/7 = 1,285714285714... .

Em todas elas, o período tem 6 dígitos, isto é, tem comprimento 6.

Neste exemplo, em particular, os dígitos também são os mesmos. Porém, esse fato nem sempre ocorre. Veja, por exemplo, as frações com denominador 3: 1/3 = 0,333... e 2/3 = 0,6666... . Ambas têm períodos de comprimento 1, porém distintos, 3 e 6 respectivamente.

A justificativa dessa propriedade das dízimas periódicas baseia-se no fato de que, sendo b primo com 10, então existe um inteiro positivo t tal que b divide 10 t − 1, isto é, bm = 10 t− 1 para algum inteiro m. Isso está demonstrado, por exemplo, em [3], cujo argumento vamos repetir aqui:

existe uma infinidade de potências de 10 (ou seja, 10, 100, 1000, 10 000, etc.); elas, quando divididas por b, deixam, no máximo, b – 1 restos diferentes; logo, existem duas dessas potências, digamos 10u e 10v, com v > u, que deixam o mesmo resto. Logo, 10 v– 10 u = 10 u (10 vu– 1) deixa resto 0 quando dividido por b, isto é, é múltiplo de b..Mas como b é primo com 10, necessariamente b divide 10 vu– 1.

Seja  então  a/b  a  fração  nas  condições  dadas  e  t  o menor inteiro positivo tal que  b  divide 10 t− 1, isto é, bm = 10 t − 1 para algum inteiro m. Então,

-

Representemos agora

-

Como multiplicar por 10 t significa deslocar a vírgula “t casas” para a direita, temos:

-

Assim, do fato de a diferença - ser um número inteiro decorre que, após a vírgula, os valores são iguais. Podemos afirmar então que - etc.

De forma geral, podemos escrever: -, para todo n > 1.

(Deve ser observado que usamos a unicidade da representação decimal, que é verdadeira se excluirmos representações que terminam com uma infinidade de algarismos 9.) Isso mostra que o comprimento da dízima periódica que representa a/b é t, ou seja, o menor inteiro que satisfaça 10 t− 1 = bm, independente do valor a, completando assim a demonstração.

     Aplicação

 Uma aplicação interessante desse fato é a seguinte: Utilizando uma calculadora simples, e dada uma fração, como encontrar a dízima que a representa, se o comprimento do seu período exceder os dígitos da calculadora?

Nos exemplos anteriormente vistos das frações com denominador 7, o período tinha comprimento 6, de modo que todos os dígitos aparecem no visor de uma calculadora.

Para abordar um exemplo mais interessante, vamos supor uma calculadora em que aparecem apenas treze dígitos e considerar a divisão de 1 por 17. Os dígitos da dízima que aparecerão são

0,058823529412

sendo que o último dígito 2 é uma aproximação. Então, não podemos contar com esse último dígito. Estamos interessados em saber os próximos dígitos.

Já sabemos que o comprimento do período não muda, e que os dígitos do período de 1/17 aparecerão também na representação das frações do tipo a/17 em que a é algum resto da divisão de 1 por 17. É claro que não necessariamente aparecerão na dízima de qualquer fração do tipo a/17. O que devemos fazer é analisar as próximas divisões. Por exemplo, na calculadora aparecerá:

-

O último dígito nos remete à suspeita de ser uma aproximação, pois na divisão de 1 por 17, após os dígitos 5882, temos o dígito 3. Então, concluímos que 1176470 pode fazer parte do período de 1/17, pois o restante dos dígitos, 5882, fazia parte do período dessa fração. Vejamos juntas as seguintes dízimas sem o último dígito:

1/17 = 0,05882352941

2/17 = 0,11764705882

3/17 = 0,176470588235

4/17 = 0,352941176471.

Portanto, 1/17 = 0,0588235294117647... Conseguimos, assim, todas as casas decimais, pois já temos 16 dígitos e 16 é o comprimento máximo para o período de uma dízima com denominador 17.

Sugestão: tente construir a dízima 1/49, que tem 42 dígitos.

 

Referências e indicações bibliográficas

[1] CARNEIRO, José Paulo Q. As dízimas periódicas e a calculadora, Revista do Professor de Matemática − RPM 52, 2003.
[2] DOMINGUES, Hygino H. O pequeno teorema de Fermat e as dízimas periódicas, Revista do Professor de Matemática − RPM 52, 2003.
[3] LMA, Elon Lages. Conceitos e controvérsias, Revista do Professor de Matemática − RPM 10, 1987.

 

 

Que para calcular o MDC de dois ou mais números pode-se usar o procedimento da fatoração simultânea, amplamente conhecido, para o cálculo do MMC?

Exemplificando, vamos calcular o MDC(60, 80,100,120).

Para o MMC, todos sabemos que bastaria efetuar a multiplicação de todos os fatores encontrados: MMC (60, 80, 100, 120) = 2 4 x 3 x 5 = 1 200.

 

60
30
15
15
15
5
1
1

80
40
20
10
5
5
1
1

100
50
25
25
25
25
5
1
120
60
30
15
15
5
1
1
2
2
2
2
3
5
5

Para o MDC faz-se necessário localizar na decomposição simultânea as ocasiões em que a divisão alcançou todos os números, sem exceção, assinaladas em azul: MDC(60, 80, 100, 120) = 2 x 2 x 5 = 20.

Enviado por Carlos Alberto Ferreira Ribeiro, Rio das Ostras, RJ
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