José Paulo Q. Carneiro
CE da RPM

O uso adequado do computador em sala de aula tende a estimular a participação ativa do aluno no processo de aprendizagem, mas especialmente os programas de Geometria Dinâmica (GD) trouxeram, para o ensino de Matemática, vantagens preciosas − e também novos desafios (ver [1]).

Nos programas de GD, a Geometria é apresentada de forma essencialmente diferente da do lápis e do papel ou do quadro-negro, aportando uma grande variedade de novos recursos para o ensinoaprendizagem, tais como: permitir a consideração e a análise simultânea de um número muito grande de casos, ressaltar a distinção entre desenho e construção geométrica, facilitar a formulação de conjecturas e ajudar o professor na elaboração de dinâmicas ilustrativas.

Neste artigo, vamos explorar um exemplo de formulação e verificação de conjecturas, usando o tema de Lugar Geométrico (ver [5]). O programa utilizado é o Cabri (Cabri Géomètre II, ver [3]), mas certamente as idéias fundamentais envolvidas seriam as mesmas se usássemos qualquer um dos bons programas de GD, como Sketchpad, Cinderella, Tabulae, CaR, etc.

Criemos uma circunferência K de centro O, sobre ela marquemos três pontos A, B e C e construamos o triângulo ABC.

Em seguida, vamos construir o baricentro G do triângulo ABC. Para isso, basta, por exemplo, construir o ponto médio M do lado BC e o ponto médio N do lado AC e, em seguida, os segmentos AM e BN, medianas do triângulo ABC. A interseção de AM e BN é o baricentro G.

Todas essas construções são imediatas no Cabri, que contém as ferramentas Triângulo, Ponto Médio, Segmento e Ponto de Interseção.

Neste momento, é interessante ocultar as construções intermediárias (cuidado! oculte, não destrua!), retendo apenas a circunferência, o triângulo e seu baricentro.

 

Vamos agora colocar a nossa questão: mantendo fixos os vértices B e C e variando o vértice A (sempre sobre a circunferência K, circunscrita ao triângulo ABC), qual é o lugar geométrico do baricentro G?

Simplesmente movendo o vértice A sobre a circunferência com o cursor, já é possível ter uma idéia do aspecto geral da figura que se procura. E esse movimento pode ser feito manualmente ou por meio da ferramenta Animação. Porém, um recurso mais interessante do Cabri que pode ser usado para isso é a ferramenta Rasto. Colocando o rasto ativado sobre o ponto G e animando o ponto A, obtém-se o que aparece na figura ao lado. Em vez de usar o Rasto, pode-se usar também a ferramenta Lugar Geométrico (para pedir o LG de G quando A varia, é preciso clicar, nesta ordem: Lugar Geométrico, G, A).

Por essa aparência, é perfeitamente natural então que nossa primeira conjectura aponte para que o LG procurado seja uma circunferência.

E, se for mesmo uma circunferência, qual seria o seu centro? Para responder a essa pergunta, basta tomar três pontos 1, 2 e 3 sobre o LG (ferramenta Ponto sobre Objeto) e, em seguida, construir a mediatriz (ferramenta Mediatriz) de 12 e 13, por exemplo. A interseção das duas mediatrizes é o ponto P, candidato a centro da suposta circunferência.

E qual seria o seu raio? Para tentar responder a essa pergunta, vamos utilizar um recurso típico de GD: variar os dados do problema.

Se variarmos a posição dos pontos dados B e C na circunferência, veremos que a posição do LG varia, mas, aparentemente, seu tamanho não muda. No entanto, se variarmos o raio da circunferência K, o tamanho do LG varia, aumentando quando se aumenta o raio de K. Isso sugere que o LG procurado seja uma circunferência cujo raio seja uma função crescente do raio de K. Por exemplo, talvez seja proporcional ao raio de K. É uma conjectura razoável. Como podemos verificá-la?

Uma solução bem simples é medir o raio da circunferência K (ferramenta Distância e Comprimento), medir o suposto raio do LG (basta medir, por exemplo, a distância de P até 1), e usar a Calculadora do Cabri para efetuar o quociente do primeiro pelo segundo. Arrastando esse resultado para um lugar qualquer da tela, vamos verificar que o resultado obtido é igual a 3. E mais: se variarmos o raio de K, os valores das duas distâncias variam, mas sua razão permanece sempre igual a 3.

Resultado: 3cm

Essa experimentação sugere, portanto, que o LG procurado seja uma circunferência cujo raio é um terço do raio da circunferência dada inicialmente.

E quanto ao centro? A experiência em sala de aula tem constatado que facilmente o aluno se convence de que o LG em causa é uma circunferência e, com razoável facilidade (talvez com um pouco de ajuda e estímulo), conjectura que o raio procurado é um terço do raio da circunferência dada inicialmente (em cursos para professores, alguns inclusive já farejam neste momento que esse “um terço” tem a ver com as propriedades clássicas das medianas de um triângulo). No entanto, a posição do centro tem-se apresentado como um desafio maior.

Se o professor que está orientando o experimento convidar o aluno a reavivar na figura o ponto M, médio de BC,aumenta muito a probabilidade de ser percebido que M, P e O são colineares. Num segundo passo, sob estímulo e sob a lembrança do “um terço”, pode ser finalmente suspeitado que a distância MP é um terço da distância MO, o que também pode ser verificado experimentalmente por meio de medidas e calculadora.

Finalmente, está pronta a nossa conjectura: desconfiamos que o LG do baricentro de um triângulo ABC, quando B e C estão fixos e A varia na circunferência K circunscrita ao triângulo, é uma outra circunferência cujo raio é um terço do raio de K e cujo centro P está no segmento MO, onde M é o ponto médio de BC e O é o circuncentro do triângulo, e situado de modo tal que

Agora, resta provar que essa conjectura é verdadeira. Neste ponto, o professor certamente enfrentará um desafio, pois é provável que muitos alunos achem que toda a experimentação feita até agora já demonstrou a veracidade da conjectura. De fato, seria difícil alguém de bom senso duvidar dessa veracidade, dada a grande precisão do computador, mas cabe ao professor, inclusive com exemplos (ver [2] e [4]), esclarecer a diferença entre uma constatação experimental, mesmo envolvendo um número imenso de casos, e um raciocínio matemático.

Demonstrar matematicamente uma proposição é reduzi-la, por meio de argumentos lógicos válidos, a outras proposições assumidas como conhecidas. O que é ou não considerado conhecido depende dos nossos interlocutores.

No nosso caso, por exemplo, se o aluno tiver algum conhecimento sobre homotetia (ver [5]) – uma transformação, aliás, que pode ser muito bem explorada com o Cabri –, compreenderá que, pela conhecida propriedade do baricentro, uma homotetia de centro M e razão 1/3 transforma o ponto A no ponto G, já que, vetorialmente, Logo, enquanto Apercorre a circunferência K de centro O, o ponto G percorre a sua transformada por essa homotetia, a qual é justamente a circunferência cujo raio é 1/3 do raio de K e cujo centro é o transformado de O, que é o ponto P tal que E essa igualdade, por ser vetorial, diz tudo sobre P, isto é, M, P e O são colineares, P está entre M e O, e a distância MP é 1/3 da distância MO.

Podem também ser usados argumentos mais clássicos da Geometria Euclidiana. Por exemplo: a paralela a AO por G determina sobre OM o ponto P, tal que os triângulos AOM e GPM são semelhantes. E já que, pela propriedade clássica do baricentro, a distância MG é 1/3 da distância MA, então a distância PG é 1/3 da distância AO, que é o raio, digamos R, da circunferência K.

Logo, o ponto G dista sempre do ponto P e, portanto, pertence à circunferência de centro P e raio . Note que o ponto P pode ser determinado apenas a partir dos dados O, B e C, marcando sobre o segmento MO, a partir de M, a distância igual a 1/3 de MO.

 

     Comentário

A argumentação clássica, por semelhança, exige um artifício (traçar a paralela...), não leva em consideração a questão do sentido (sabido ponto fraco do esquema euclidiano, remediado pelo acréscimo de uma série de axiomas enfadonhos) e, a rigor, só prova que o LG está contido na circunferência em tela. O argumento por homotetia exige, é claro, que se conheça homotetia – não muito popular no ensino usual –, mas é muito melhor. Quem estuda mais, trabalha menos e melhor.

 

Referências bibliográficas
[1] BRAVIANO, G.., e RODRIGUE, M.L. Geometria Dinâmica, RPM 49, 2002.
[2] PALIS, G.R. Uso de computadores e o papel do Professor, RPM 41, 1999.
[3] SANT, J.M. O Cabri Géomètre, RPM 29, 1995.
[4] SILVA, Z.C., e SANTOS, J.A. O computador pode errar?, RPM 06, 1985.
[5] WAGNER, E. Construções Geométricas, CPM/SBM.