Ana Catarina P. Hellmeister
Universidade Presbiteriana Mackenzie/CE da RPM

     Introdução

Nos meus contatos com professores, percebo sempre o sentimento de isolamento por parte deles, denunciando a falta de material alternativo ao texto didático para preparo de aulas mais incentivadoras. Está sempre presente a dificuldade em apresentar os conteúdos matemáticos relacionados com problemas "reais", como recomendam os parâmetros para o ensino.

Numa ocasião respondi a uma pergunta dos professores sobre essa dificuldade, dizendo que, às vezes, basta uma página de jornal para obter material suficiente para motivar várias aulas ligadas, por exemplo, a porcentagem ou interpretação de gráficos.

O desapontamento que notei nos olhares de alguns deles com a resposta me incentivou a escrever estas notas na tentativa de ajudá-los a usar a tal página de jornal. Vou usar material extraído do caderno Economia do jornal O Estado de S. Paulo dos dias 02, 03 e 04 de março de 2006.

    Interpretação de gráficos

COMÉRCIO EXTERIOR

Saldo é recorde, mas já preocupa

Em fevereiro, superávit comercial foi de US$ 2,8 bilhões, o maior para o mês, e no ano, somou US$ 5,6 bilhões

A balança comercial de fevereiro registrou superávit recorde para o mês, de US$ 2,822 bilhões, e desempenho exportador igualmente inédito. Os embarques de produtos brasileiros ao exterior alcançaram US$ 8,750 bilhões no mês e somaram US$ 18,021 bilhões no primeiro bimestre do ano.

Uma primeira coisa que o professor pode fazer é discutir com os alunos o porquê de os valores estarem em dólares e pedir a eles que procurem em jornais, internet, etc. o valor do dólar em reais. Aqui caberá a discussão sobre o significado das diferentes taxas de câmbio: dólar comercial, turismo ou paralelo.Vamos aos gráficos, que permitem a atividade a seguir.

Atividade

1. Monte uma tabela com os valores aproximados, por meio de uma leitura do primeiro gráfico, da exportação, importação e saldo comercial (diferença entre o valor exportado e o valor importado) dos meses de março/05 até fev/06. Calcule os valores acumulados nesse ano.
       
mês
exp.
imp.
saldo comercial
US$ bilhões
US$  bilhões
US$  bilhões
mar/05
9,2
5,9
3,3
abr/05
9,1
5,4
3,7
mai/05
9,9
6,3
3,6
jun/05
10,2
6,1
4,1
jul/05
11,1
6
5,1
ago/05
11,3
7,8
3,5
set/05
10,8
6,3
4,5
out/05
10
6,2
3,8
nov/05
10,9
6,8
4,1
dez/05
11
6,7
4,3
jan/05
9,2
6,5
2,8
fev/05
8,7
5,9
2,8
TOTAL
121,4
75,8
45,5
  Comparando os totais obtidos com os fornecidos pelo jornal,verificamos que nossa leitura do gráfico foi adequada


2.
Com os dados da tabela, na coluna do saldo comercial conferir o segundo gráfico que fornece esses valores em colunas verticais e fazer o gráfico dos saldos comerciais em curva como o das importações e exportações.

Neste caso, como os valores variam de 2,7 a 5,1, escolhemos uma escala diferente no eixo vertical.

3. Por meio da leitura dos dois gráficos, calcular os valores da exportação, importação e saldo comercial acumulados em jan/fev/06.

No primeiro gráfico:

exportação jan/06 9,2 importação jan/06 6,5

exportação fev/06 8,7 importação fev/06 5,9.

Logo, exportação jan/fev/06 17,9, importação jan/fev/06 12,4 e, então, saldo comercial jan/fev/06 = 5,5, valores que, comparados com os fornecidos pelo jornal, na tabela à direita dos gráficos (18,02; 12,3 e 5,6), mostram novamente que nossa leitura foi boa.

Os alunos podem observar na tabela que, embora a reportagem destaque o superávit de fev/06 como o maior para o mês de fevereiro (em comparação com anos anteriores), este mês registra um dos menores saldos comerciais em relação aos outros meses do último ano.

Analisemos a reportagem a seguir.

     Pesquisa

Energia é 15,6% do gasto dos pobres
Estudo comparativo no Rio de Janeiro, em Buenos Aires e Caracas mostra que luz e gás no Brasil

Os gastos com energia pesam mais no bolso dos pobres no Brasil do que em outros países sul-americanos, segundo constatação de um estudo do Conselho Mundial de Energia, que compara o custo da conta de eletricidade e do botijão de gás para populações de baixa renda no Rio de Janeiro, em Caracas (Venezuela) e Buenos Aires (Argentina).

Atividade

1. Inicialmente, o professor pode fazer os cálculos das porcentagens do gasto com energia para conferir com o jornal, por exemplo, na cidade do Rio de Janeiro:

renda familiar em dólares: 115 gasto com energia em dólares: 17,9
115 ----- 100
17,9 ----- x

Logo, o valor fornecido pelo jornal no quadro anterior está correto.

Em seguida, o professor pode pedir aos alunos que desenhem no caderno o gráfico em colunas horizontais indicado na reportagem, decidindo as dimensões do retângulo no qual as colunas serão desenhadas. Aqui haverá uma interessante aplicação do cálculo de proporções.

Suponhamos que um aluno desenhe o gráfico num retângulo com lado horizontal de 8 cm e vertical de 2,5 cm. Como o maior valor a ser considerado é 15,6%, podemos supor que 8 cm corresponde a 20%. Então os comprimentos das colunas horizontais, x, y e z, serão:

Rio de Janeiro
8 cm ----- 20%
ou
4 cm ----- 10%
x ----- 15,6% ou x ----- 15,6%

x = 4 x 1,56 = 6,24 cm.

Buenos Aires
4 cm ----- 10%
y = 3,04 cm.
y ----- 7,6%

Caracas
4 cm ----- 10%
z = 1,36 cm.
z ----- 3,4%

O gráfico abaixo tem essas medidas.

2. Um dos parágrafos da reportagem é

De acordo com o estudo, o custo do GLP - gás liquefeito de petróleo - na favela do Caju chega a US$ 0,72 por quilo, ante US$ 0,46 em Buenos Aires e US$ 0,22 em Caracas.

Supondo que uma família de baixa renda gaste 1 botijão de GLP de 13 kg por mês, calcular o consumo médio (em quilowatt-hora) de energia elétrica mensal de cada família.

Vamos fazer o cálculo para a cidade do Rio de Janeiro. O gasto com GLP seria dólares; o gasto com energia elétrica seria igual ao gasto total com energia menos o gasto com GLP: 17,9 - 9,36 = 8,54 dólares = 18,8 reais, fazendo o dólar igual a 2,2 reais.

Agora, para determinar o consumo em kWh, temos que dividir esse valor pelo preço do kWh. Como esse preço depende da região, do consumo, etc. podemos pedir aos alunos que consultem sua conta de luz para obter esse valor (por volta de R$ 0,20). O jornal fornece, na reportagem, os valores U$ 8,3, U$ 5,9 e U$ 1,9 para o preço do kWh, respectivamente, no Rio de Janeiro, em Buenos Aires e Caracas, os quais são muito maiores que os valores reais; logo, aqui, o jornal errou.

Erros

Embora não sejam freqüentes, não é incomum encontrar erros de cálculos em jornais, sendo importante conferir os dados de vez em quando. Alguns erros são até divertidos. Por exemplo, no mesmo jornal O Estado de S. Paulo, caderno Metrópole de 09/04/06, aparece:

     Metrópole

Tudo ao alcance de uma caminhada
Eles moram pertinho de todos os lugares aos quais precisam ir e nunca ficam presos no trânsito de SP
A cidade de São Paulo tem 10.927.985 moradores, que dividem 1.523 quilômetros quadrados com 4 milhões de carros. Ou seja, cada m2 deve ser disputado por 7 pessoas e 2,5 carros - engarrafamento na certa.

7 pessoas e 2,5 carros por m2!!! Isso não seria "engarrafamento na certa"; com boa vontade, poderia ser um esmagamento...

Não dá para entender que contas o autor da reportagem fez para chegar a esses dados obviamente incorretos. Poderíamos concluir, por exemplo, efetuando divisões:

11 milhões de habitantes vivendo em 1.523 km2 138,45 m2 por habitante,

4 milhões de carros em 1.523 km2 380,75 m2 para cada carro.

     Porcentagem

ATIVIDADE ECONÔMICA

Vendas de carros sobem 12,6%

Alta é ante fevereiro de 2005; no ano, chega a 19%

As vendas de automóveis e comerciais leves em fevereiro foram inferiores às de janeiro em 3,4%, mas, na comparação com igual mês de 2005, o resultado, de 121,4 mil unidades, é 12,6% maior. No bimestre foram comercializados 247,1 mil veículos, ante 207,4 mil no mesmo período do ano passado, um crescimento de 19%.

A primeira sentença do primeiro parágrafo

As vendas de automóveis e comerciais leves em fevereiro foram inferiores às de janeiro em 3,4%, mas, na comparação com igual mês de 2005, o resultado, de 121,4 mil unidades, é 12,6% maior.

possibilita a atividade seguinte.

Atividade

1. Calcule os valores de x e y.
vendas em fev/06 - 121,4 mil
vendas em jan/06 - x
vendas em fev/05 - y

As vendas em fev/06 foram inferiores às vendas de jan/06 em 3,4%. Logo, tem-se:

Usando uma calculadora simples (aqui uma ilustração de um bom uso da calculadora), obtém-se x 125 673 ou, para o jornal, provavelmente x = 125,7 mil.

Para o cálculo de y, usamos a informação de que o resultado em fev/06 é 12,6% maior que o de fev/05, logo:

Novamente uma calculadora simples fornece   y 107 815; para o jornal seria   y = 107,8 mil.

2. Determinar a variação percentual nas vendas de jan/05 e jan/06.

A reportagem fornece os dados:

bimestre jan/fev/06 - 247,1 mil

bimestre jan/fev/05 - 207,4 mil

Desses dados e de nossos cálculos anteriores, usando a notação de valores aproximados do jornal, temos:

resultado de jan/05 =

207,4 mil - y = 207,4 mil - 107,8 mil = 99,6 mil.

jan/2006 = x = 125,7 mil
99,6 ----- 100
125,7 ----- n

Aqui, o professor pode ajudar os alunos a interpretar o resultado e concluir que as vendas entre jan/05 e jan/06 cresceram em 26,2%.

3. Interpretar e conferir os dados fornecidos no segundo parágrafo da reportagem

O balanço preliminar de emplacamento de automóveis e comerciais leves mostra que as vendas diárias do mês passado foram 18% superiores às de janeiro, levando-se em conta o número de dias úteis. Foram 6,74 mil unidades por dia, ante 5,71 mil em janeiro.

Isso significa:

vendas diárias em fev/06 = 6,74 mil

vendas diárias em jan/06 = 5,71 mil.

Consultando um calendário, os alunos podem verificar:

dias úteis em jan/06 = 22 (contando o 25 de janeiro, que é feriado apenas na cidade de São Paulo)

dias úteis em fev/06 = 18 (não contando a segunda-feira e a terça-feira de carnaval)

,

o que mostra que os cálculos aproximados de vendas diárias do jornal estão corretos.

Quanto ao aumento percentual diário, temos
5,71 ----- 100
6,74 ----- k

o que confere com a informação dada pelo jornal de aumento de 18%.

Um cálculo alternativo poderia ser:

A reportagem segue com a informação do percentual na participação de vendas, em fev/06, da Fiat, Volks, General Motors, Ford, etc., o que permite ao professor propor aos alunos várias outras atividades envolvendo o cálculo de porcentagens, interpretações e comparações de resultados.

O uso do jornal, além de fornecer questões contextualizadas, reais e não artificiais e sem sentido, como muitas vezes vemos, ajuda os alunos a entender e interpretar corretamente uma notícia: parte essencial do trabalho do professor, uma vez que essas habilidades são necessárias para a inclusão social dos alunos.