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Ao analisar o ensino da Matemática, especialmente no 1º e 2º graus, pudemos constatar a supervalorização de certos aspectos em detrimento de outros que nos parecem mais importantes. Neste trabalho propomos algumas mudanças nestas ênfases, mudanças estas que, a nosso ver, são significativas para a melhoria do ensino da Matemática. 1. Ênfase na apresentação das idéias, nos porquês e no significado do que se faz mais do que na linguagem, nos simbolismos, regras ou esquemas.
Com efeito, conquanto
a linguagem matemática seja útil e poderosa, ela deve ser introduzida
gradativamente e à medida em que seja estritamente necessária. Por
exemplo, a idéia de que “a soma de dois números naturais quaisquer é
sempre um numero natural” não precisa ser mascarada pela sofisticada
linguagem.
O hábito de pensar, o cultivo de idéias, a compreensão dos conceitos e de suas propriedades, a beleza construtiva e dedutiva da Matemática, as interpretações geométricas de certos resultados devem receber maior ênfase do que a simples habilidade mecanizada de recitar a tabuada ou efetuar cálculos complicados. Devemos evitar regras e esquemas mecanizados que não tragam nenhuma idéia como, por exemplo “explicações” para a regra da mudança de sinal numa equação quando se muda de membro, do tipo “o sinal de igual é um transformador de sinais: converte o + em – e vice-versa”. Em vez disto, a analogia com a balança de dois pratos (RPM, n.º 3, pg. 29) trás em si a idéia matemática correta de “preservação do equilíbrio representado pela igualdade”. Neste caso, outras interpretações podem ser exploradas, como por exemplo, o fato de que a subtração seja o inverso da adição:
ou relações intuitivas com situações reais: “eu tinha algumas figurinhas no álbum e depois de colar mais 5 fiquei com 11. Quantas já estavam coladas antes?” Afinal, na busca de um atalho que nos permita chegar mais depressa ao resultado, tais justificativas e interpretações são abandonadas e surge o “passar para outro membro mudando de sinal”, que se cristaliza e permanece. Em todos os níveis de ensino é comum que professores e textos resolvam algum “exercício – modelo” mostrando como se faz, pedindo em seguida que o estudante resolva dezenas de problemas semelhantes. Por “falta de tempo” preferem o “é assim que se faz” ao invés de deixar que os estudantes pensem por si próprios, experimentem suas idéias, dêem ouvidos à sua intuição. Melhor seria se o professor fosse mais um orientador, um incentivador, um burilador das idéias e iniciativas dos estudantes. Esta ênfase no “é assim que se faz”, que encontramos no ensino atualmente, vem acompanhada de uma ênfase também exagerada na repetição e imitação. A justificativa apresentada é a de que “a repetição leva à fixação”. Sim, mas leva à automatização e à mecanicação cegas. Apesar de certa necessidade de automatização, um caminho mais significativo é o de aproveitar a curiosidade do estudante, especialmente nos primeiros níveis, incentivar sua iniciativa de exploração e redescoberta de conceitos, leis, padrões de regularidade, etc. Facilitar a participação ativa do estudante na resolução de problemas através do pensamento reflexivo incentivá-lo a fazer perguntas, propor outras soluções a uma determinada questão, justificar suas afirmações, explorar de modo independente um determinado assunto, elaborar pequenos projetos de pesquisa e redigi-los, tudo isso pode auxiliar o professor nesse mister.
Apenas para concretizar, citamos algumas questões que a nosso ver poderiam
facilitar o desenvolvimento da iniciativa e criatividade dos estudantes: 1) Escreva algumas sentenças matemáticas verdadeiras usando apenas os números 0, 2, 3 e 8. Por exemplo:
2) A soma de dois números impares é 20. Quais são os números? 3) Investigue o conjunto de triângulos que tenham perímetro igual a 12 unidades. 4) Escreva sobre a matemática de um tabuleiro de damas. 5) Se (p + q) . (r + s) = 36, determine p, q, r e s. 6) Escreva dois problemas cujas respostas sejam o número 20. 7) Invente uma nova maneira de efetuar a multiplicação de dois números. 8) Invente novos símbolos para números e um sistema de numeração com eles. 9) Descubra que relação existe entre o número de vértices (V), o número de faces (F) e o número de arestas (A) nos poliedros mais conhecidos. 10) Escreva uma dissertação sobre triângulos.
Em nome da pressa e impaciência manifestas no sistema educacional (programas, textos, concursos, etc) é comum que os professores forcem o aparecimento dos resultados mais importantes, exigindo que as crianças emitam rapidamente respostas corretas, não importando com isso esteja se realizado, se por compreensão ou simples mecanização. A Matemática considerada precisa ciência que “não admite meio certo”, é usada no sentido punitivo: a criança não pode titubear, pensar muito ou errar. “Não há tempo a perder, é preciso cumprir o programa”. Assim, as respostas devem vir imediata e corretamente. À ordem 3 X 4 é preciso responder, sem pensar, com um pronto 12! Os erros poderiam ser aproveitados para esclarecimentos e não a punição e a pressa... para que pressa? Se fizéssemos uma avaliação no final da 8ª série do 1º grau (como também no final de todos os níveis de ensino) para detectar o que ficou realmente de significativo após 8 anos de estudos, teríamos uma grande surpresa. E aí, como justificar aquela pressa toda? É importante observar aqui, que há uma certa ênfase em considerar as pressões sobre os alunos como algo imutável: “Você deve fazer isso” “pense assim”, etc. A criança que é, por sua própria natureza curiosa, exploradora, criativa, passa pouco a pouco, com todas essas recomendações limitadoras, a ser conformista, a tentar agradar o professor e a se adaptar, às outras pressões, procurando apenas caminhos seguros para obtenção de respostas certas, pois estas é que serão de alguma forma recompensadas. Sendo as recompensas (notas, promoções, elogios, etc,) o objetivo principal, toda a riqueza de uma aprendizagem matemática mais significativa, envolvente e criativa, cede lugar à memorização de atalhos, habilidades-chave, “dicas”, etc – que levam mais rapidamente ao objetivo, sem precisar pensar muito sobre o que se está fazendo. A dicotomia certo-errado entra em cheio aqui para reforçar esta situação. Tudo isso faz com que os alunos, desde as primeiras séries passem a acumular conformadamente dúvidas e confusões, receitas impostas sem prévia compreensão, etc. Uma linha de pesquisa em Educação Matemática que estuda tais pressões e suas conseqüências no comportamento dos alunos é a chamada “Ansiedade com relação à Matemática”. É muito comum também que professor e textos enfatizem resultados como Relação de Pitágoras, Áreas de regiões planas, etc., sem que o processo para se chegar a estes resultados seja discutido em detalhes. Sobre isso convém lembrar que Pogórélov disse: “a tarefa essencial do ensino da Geometria na escola consiste em ensinar ao aluno a raciocinar logicamente, argumentar suas afirmações e demonstrações. Bem poucos dos que saem da escola serão matemáticos, menos ainda serão geômetras. Também haverá os que não usarão nem uma vez, em sua atividade prática, o Teorema de Pitágoras. Sem dúvida, dificilmente haverá um só que não precisará raciocinar, analisar ou demonstrar”. Prestar atenção e descobrir como as crianças aprendem Matemática e resolvem situações-problema é uma das mais promissoras linhas de pesquisa em Educação Matemática, como assinalou Freudenthal. Resumindo, sugerimos sob este ponto de vista:
2. Ênfase num ensino mais intuitivo, menos formal e, sempre que possível, interligado com outras áreas do conhecimento mais do que no formalismo, em ilustrações precoces ou num ensino isolado no currículo. Desencadear um, assunto do programa com uma situação-problema real motiva o estudante a interessar-se mais por aquilo que está aprendendo e mostra a ele que, além da beleza intrínseca da Matemática como ciência essencialmente dedutiva, ela é útil na vida cotidiana. Praticamente todas as operações, equações e relações métricas da Geometria Euclidiana podem ser ensinadas com este enfoque. Na procura de tais problemas é muito bom que o professor possa aproveitar a experiência acumulada no dia-a-dia do estudante. Pode acontecer, por exemplo, que enquanto o mestre esteja em dificuldades para ensinar as operações com números inteiros relativos, dois alunos estejam conversando naquele mesmo local. Você me devia 3 figurinhas e está me dando 5? Então, agora eu lhe devo 2 figurinhas! Informalmente, eles já sabem, operar com tais números e isso nem sempre é levado em conta no ensino. O mesmo ocorre quando crianças constroem pipas, carrinhos, etc: elas já conhecem e manipulam certos conceitos matemáticos e isto, entretanto, não é aproveitado, pois, em geral, o ensino é introduzido de um modo formal. Do ponto de vista didático, seria interessante que se procurassem pontos de contacto entre a Matemática e outras áreas do conhecimento como Ciências, Geografia, Biologia, a historicamente inspiradora Física, Português, etc. Resumindo, propomos:
3. Para terminar, temos a lamentar a constatação de que, atualmente, o ensino da Geometria vem sendo deixado de lado enquanto maior ênfase vem sendo dada a assuntos da Aritmética e a Álgebra.
Por falta de solidez nos conhecimentos de Geometria e conseqüentemente
insegurança do professor para ensinar tal assunto, uma ênfase exagerada é
dada ao desenvolvimento algébricos e, praticamente, a Geometria não é mais
desenvolvida nas salas de aula, embora apareça em programas, textos, etc.
Não há espaço para dizer aqui o grande valor educativo e formativo que se
perde quando passamos e não mais ensinar Geometria em nossas escolas.
4. Conclusão Estas são, em linhas gerais as propostas que fazemos para substituir as ênfases que estão sendo consideradas no ensino da Matemática, segundo nossa visão e experiência .
Se concordarmos que estas características, com maior ou menos intensidade,
estão presentes em nossas aulas de Matemática e SE concordamos também que
ao trabalhar as primeiras idéias matemáticas com os estudantes, devemos
propiciar uma atmosfera de busca, de redescoberta, de pensamento, de
explorações intuitivas, liberando a imaginação criativa, a iniciativa,
permitindo a compreensão dos conceitos e propriedades para serem aplicados
em situações novas, ENTÃO precisamos, todos os que estamos
envolvidos com o ensino da Matemática, reivindicar uma revisão ampla,
profunda e cuidadosa em tal ensino.
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No ensino da Matemática há duas posições, às vezes extremas, uma,
ressaltando aspectos mecânicos das operações; outra, tentando explicar
e justificar os porquês. Como posições opostas, cada uma tem os seus
méritos e seus perigos.
O autor do artigo alerta quanto ao exagero na primeira dessas posições
extremas.
Cabe, porém, não exagerar em nenhuma das duas.
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