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O que é
o número ?
A maneira mais rápida de responder a esta pergunta é dizer que p é a área de um círculo de raio 1. (Por exemplo, se o raio do círculo mede 1 cm, sua área mede p cm2). Podemos também dizer que p é o comprimento de uma circunferência de diâmetro igual a 1. Desde há muito tempo (cerca de 4000 anos!) notou-se que o número de vezes em que o diâmetro está contido na circunferência é sempre o mesmo, seja qual for o tamanho dessa circunferência. Dito de outro modo, se o diâmetro mede um centímetro, um metro ou um côvado, a circunferência medirá respectivamente centímetros, metros ou côvados. Ainda de outra maneira: se uma circunferência tem comprimento C e diâmetro D, enquanto outra tem comprimento C’ diâmetro D’, então C/D = C’/D’. Este valor constante da razão C/D é um número aproximadamente igual a 3,141592, o qual se apresenta pela letra grega .
O
conhecimento que as pessoas têm sobre o valor de
nem sempre melhorou com o tempo. Por exemplo, o Velho Testamento, que foi
escrito cerca de 500 anos. A.C. (embora baseado em tradições judaicas
bem mais antigas) contém um trecho segundo o qual
= 3. (Primeiro Livro dos Reis, VII:23). É natural que os redatores do
Velho Testamento, mais preocupados com assuntos divinos do que detalhes
terrenos, não estivessem a par do que seus vizinhos babilônios já
sabiam há mais de um milênio. Mas, em 1931, um cidadão americano de
Cleveland, Ohio, publicou um livro segundo o qual o valo exato de
seria 256/81, ou seja 3,16. O livro em si, apesar de todas as heresias,
que contém, não causa admiração pois o número
sempre provocou irresistível atração aos amadores, pelos séculos
afora. O curioso é que o valor 256/81 é o mesmo que foi obtido pelo
escriba egípcio Ahmes, autor do famoso papiro de Rhind, escrito 2 mil
anos antes de Cristo. Desde Arquimedes, que obteve o valor Esses cálculos de com um número cada vez maior de algarismos decimais sugerem duas perguntas. A mais inocente seria: quantos algarismos serão necessários para se ter o valor de ? Ora, sabe-se que é um número irracional. Isto significa que nenhuma fração ordinária (e, conseqüentemente, nenhuma fração decimal finita ou periódica) pode exprimir exatamente o seu valor. Portanto, não importa quantos algarismos decimais tomemos, jamais obteremos o valor exato de nem chegaremos a uma periodicidade (embora o erro cometido ao se substituir por uma tal fração seja cada vez menor). Outra pergunta que se pode fazer é: por que então tanto esforço para calcular com centenas ou milhares de algarismos decimais? (O computador francês levou 28 horas e 10 minutos. Deus sabe quantos meses ou anos levou William Shanks). Uma resposta é que esses cálculos existem pelo mesmo motivo que existe o “Livro dos Récordes de Guinness”. Uma razão mais prática poderia ser a seguinte. Um computador, como toda máquina, precisa ser testado contra possíveis defeitos, antes de começar a funcionar. Uma maneira de fazer isso é mandá-lo calcular alguns milhares de dígitos de e fazê-lo comparar o resultado obtido com o que já se conhecia. Mas, voltando às origens de : desde quando tal número é representado por essa letra grega, equivalente ao nosso “”? Nos tempos antigos, não havia uma notação padronizada para representar a razão entre a circunferência e o diâmetro. Euler, a princípio, usava ou c mas, a partir de 1737, passou a adotar sistematicamente o símbolo . Desde então, todo o mundo o seguiu. A verdade é que, alguns anos antes, o matemático inglês Willian Jones propusera a mesma notação, sem muito êxito. Questão de prestígio. O
número
surge inesperadamente em várias situações. Por exemplo, Leibniz notou
que Desde que ficou clara a idéia de número irracional, começou-se a suspeitar que p era um deles. Euler acreditava na irracionalidade de p mas quem a provou foi seu contemporâneo Lambert, em 1761. Pouco depois, Euler conjeturou que p seria transcendente, isto é, não poderia ser raiz de uma equação algébrica com coeficientes inteiros (Por exemplo, é impossível encontra inteiros a, b, c tais que a2 + b + c = 0). Este fato foi demonstrado em 1882 por Lindemann, 99 anos depois da morte de Euler. Da
transcendência de p
resulta que o antigo problema grego da quadratura do círculo não
têm solução.
Tomando o raio do círculo como unidade de comprimento, isto equivale a pedir que se construa, com auxílio de régua e compasso, um segmento de comprimento igual a (lado do quadrado de área p). Vamos dizer “construir o número x” para significar “construir, com régua e compasso, a partir de um segmento dado, tomado como unidade, outro segmento de comprimento igual a x”. O problema da quadratura do círculo pede que se construa o número . Isto sugere a questão mais geral: quais os números reais que se podem construir? Ora, as construções geométricas feitas com régua e compasso consistem em repetir, um número finito de vezes, as seguintes operações básicas: 1) Traçar a reta que une dois pontos dados; 2) Traçar a circunferência com centro e raio de dados. Um ponto, nessas construções só pode ser obtido como interseção de duas retas, de duas circunferências ou de uma reta com uma circunferência. Considerando-se no plano um sistema de coordenadas cartesianas, uma reta é representada por uma equação do 1o. grau y = ax+b e uma circunferência por uma equação do 2o. grau (x-a)2 + (y-b)2 = r2. Assim, um número que se pode construir é sempre obtido como solução de um sistema de 2 equações a 2 incógnitas cujos graus são 2. Prova-se, a partir daí, que se o número real x pode ser construído então x é o resultado de um número finito de operações de adição, subtração, multiplicação, divisão e extração de raiz quadrada, efetuadas a partir de números inteiros. Em particular, todo número x que pode ser construído (com régua e compasso) é algébrico, isto é, pode ser expresso como raiz de uma equação algébrica com coeficientes inteiros. Como é transcendente, também é. Segue-se que a quadratura do círculo não pode ser feita com régua e compasso apenas. Isto encerra a questão. Infelizmente, nem todas as pessoas que gostam de Geometria, e que se interessam por construções com régua e compasso, sabem disso. E, pensando que o problema da quadratura do círculo ainda está em aberto, imaginam soluções engenhosas, que submetem a revistas e a instituições onde se faz Matemática. Tais soluções são basicamente de 3 tipos: 1o.) As que contêm erros devidos a raciocínios defeituosos; 2o.) As que apresentam apenas uma solução aproximada para o problema; 3o.) As que não se restringem ao uso de régua e compasso. (Por exemplo, empregando certas curvas cuja construção não pode ser efetuada apenas com esses dois instrumentos.) Desde 1775 a Academia Real Francesa decidiu não mais aceitar para análise inúmeras propostas de quadratura para elas enviadas. Mas, em todas as partes do mundo, parece não desaparecerem nunca os quadradores. Quando eu era estudante, na Universidade de Chicago, havia no Departamento de Matemática uma carta mimeografada que dizia mais ou menos o seguinte: “Prezado Senhor: Recebemos seu trabalho sobre a quadratura do círculo. Infelizmente estamos muito atarefados para examiná-lo. Caso o Sr. nos envie a quantia de 10 dólares, poderemos encarregar um dos nossos estudantes de pós-graduação de analisar seu trabalho e localizar os erros eventualmente nele contidos. Atenciosamente ...” Por causa desta carta padrão, vários colegas meus daquela época abocanharam alguns dólares sem fazer muita força.
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