Abdala Gannam
Colégio Técnico da UFMG
Universidade Federal de Minas Gerais
30000 – Belo Horizonte – MG

Para meu colega, Ronald Claver; um poeta dos melhores.

Quando menino, gostava de fazer adivinhações com números. Certa vez, estava eu a me “exibir”, num desses armazéns comuns nas pequenas cidades do interior de Minas Gerais. Em meio à minha pequena platéia, estava sentado ao lado de um saco de feijões o dono do armazém, um velhote de setenta anos, aproximadamente, que me observava.

Não me lembro muito bem o que eu estava tentando adivinhar, talvez a idade de alguém, quem sabe, quando o velhote colocou sobre o balcão um punhado de feijões interrompendo-me para dizer:

“Olha seu moço, não sei quantos feijões existem neste punhado”.

Dizendo isto, virou-se de costas para o balcão onde estavam os feijões, falando-me:

“Faça três monte de feijões, de maneira tal que os montes fiquem enfileirados e que em cada um tenha o mesmo número de feijões”.

Calmamente assim o fiz, comunicando-lhe o cumprimento da tarefa, no que ele continuou a dizer:

“Retire dos montes laterais, três feijões e os coloque no monte do meio”.

Após alguns segundos respondi:

“Tudo pronto”!

“Agora, retire do monte do meio, tantos feijões quantos ficaram em um monte lateral, colocando-os em um qualquer dos montes laterais”.

Assim o fiz, o velhote falou:

“Ficaram 9 feijões no monte do meio”.

Contei e recontei os feijões do monte do meio e encontrando realmente nove, fiquei surpreso.

Várias vezes o truque foi repetido, variando os números de feijões que eram retirados dos montes extremos, o que resultava números diferentes no monte do meio.

A partir deste dia, passei algum tempo mediando sobre o que fazia o velhote e como conseguia dizer o número de feijões resultante no monte do meio, sem saber o número inicial de feijões. Depois de muito pensar, de ensaiar e errar, descobri, finalmente, que este número é múltiplo de três (assim, dizer para retirar 3 cada extremo resultará ao final, 9 no monte do meio). Deste modo, o truque do punhado de feijões passou a integrar o meu repertório de adivinhações, o que me proporcionou muitas exibições.

Não satisfeito com a trivialidade do segredo que permite determinar o número de feijões do monte do meio, pensei na possibilidade de aumentar o número de montes em que os feijões poderiam ser divididos, o que tornaria mais difícil a descoberta do truque. Com este objetivo, fiz a seguinte tradução matemática do problema:

1º) Suponhamos que o punhado de feijões seja dividido em n montes (n 2), contendo cada monte x feijões. (*)

2º) Chamemos o primeiro monte de a1, o segundo de a2, o terceiro de a3, e assim por diante.

3º) Retiremos de cada monte (exceto de ai) y feijões, que são colocados em ai. Isto nos diz que o número N de feijões em ai será:

  N = x + (n – 1) y

  4º) Retirando de ai tantos feijões quantos os que ficaram em um qualquer dos outros montes, teremos:

N = x + (n – 1)y – (x – y) = ny

Conclusão:

O número (N) de feijões contidos no monte ai será sempre o produto do número de montes (n) pelo número de feijões (y) que foi retirado de cada um dos outros montes.

Algum tempo depois, voltei ao armazém. Após certificar-me de que tinha uma platéia garantida, chamei o velhote, apanhei um bom punhado de feijões que coloquei sobre o balcão e de costas disse:

“Divida este punhado de feijões em tantos montes quantos o senhor queira, desde que sejam no mínimo três, e que estes montes fiquem enfileirados”.

Depois de algum tempo o velhote disse:

“Pronto meu rapaz”!

“Quantos montes foram obtidos”?

“Sete, ao todo”.

“Retire dois feijões de cada monte, colocando-os no quinto monte”.

“Pronto”.

“Retire do quinto monte tantos feijões quantos os que ficaram no primeiro monte, colocando-os no terceiro monte”.

Após a resposta afirmativa do velhote, de que a última tarefa estava concluída, assumi uma aparência de convencimento, dizendo:

“Bem, ficaram seis feijões no quinto monte”.

Após contá-los, o velhote disse:

“Não! Ficaram quatorze”.

A partir daí, fui alvo de muitas galhofas. Não sei porque me veio à cabeça o número 6, em vez de 14, talvez tenha sido o fato de muitas vezes ter feito o truque com três montes.

A propósito, esta foi minha última exibição.

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* O truque pode ser feito também com dois montes, mas isto torna muito fácil sua descoberta.

 

Críticas e sugestões dos leitores

O colega Manoel Henrique C. Botelho, professor de Engenharia Sanitária, São Paulo-SP, além de ter-nos enviado um interessante artigo sobre “compra de sapatos”, sugere que a RPM discuta problemas famosos como o das Quatro Cores e o Teorema de Fermat, que entremos em contacto com uma editora buscando uma reedição do livro de Bento de Jesus Caraça, Conceitos Fundamentais de Matemática, Lisboa (1951) e que sejam publicadas entrevistas com nossos grandes professores dos anos 50, Pompeu Di Tullio e Abram Bloch. Encerra sua carta com uma crítica ao conteúdo futurólogo da frase da contracapa da RPM “o leitor que recebeu.... receberá...”.

RPM: Excelentes suas sugestões, algumas das quais já estavam sendo cogitadas por nós. E sua crítica melhorou nossa contra-capa. Gratos.

O colega Antonio Pertence Jr., Sabará-MG, gostaria que a RPM fosse mensal.

RPM: A maior freqüência da RPM – duas por semestre, talvez – depende de uma estrutura administrativa mais fluente, de maiores recursos financeiros e PRINCIPALMENTE de uma participação maior dos próprios professores na elaboração de artigos. A colaboração espontânea dos colegas tem crescido e esperamos que seja cada vez maior!