Bom senso, realidade e melhores idéias matemáticas

Nilza Eigenheer Bertoni
Departamento de Matemática
Universidade de Brasília
70.910 – Brasília – DF

Desvendando a Geometria da 7ª Série: Ângulos e Arcos de Círculos

Vários livros de Matemática para a 7.ª série que temos examinado afirmam, incondicionalmente, que a medida de um arco de circunferência é igual à medida do ângulo central correspondente. Apresentam exemplos e exercícios resolvidos onde se diz que o arco subtendido por um ângulo central de x graus mede x graus.

De modo como são colocadas, as definições (às vezes chamadas de axiomas) são destituídas de clareza, e até de bom senso. Transcrevemos, com comentários, algumas dessas afirmações.

Fase 1: “A medida de um arco menor de circunferência é, por definição, a medida  do ângulo central compreendido entre seus lados e vice-versa”.

Poderíamos então concluir que dado um ângulo central de 45º, o arco correspondente mede também 45º, já do “vice-versa” concluiríamos que, se um arco mede 3 cm, o ângulo central associado também mediria 3 cm (!).

Alias, exatamente a essa interpretação nos conduz um outro autor:

Fase 2: “A medida de um ângulo central é igual à medida do arco de circunferência compreendido entre seus lados”

Ora, como a única medida de arcos conhecida até então era a medida dos seus comprimentos (feita a partir do estabelecimento de uma relação entre o arco e a circunferência total, de comprimento 2R), a definição acima nos leva a pensar em atribuir a ângulos centrais a medida dos arcos compreendidos e teríamos, por exemplo, ângulos  com R, unidades de comprimento.

O primeiro autor sugeria ainda, no texto, que os alunos poderiam ter concluído a definição dada, com auxílio de transferidor.

Mas os alunos devem entender o transferidor como um instrumento que lhes permite ver quantos ângulos de 1 grau cabem no ângulo a ser medido; em nenhum momento foram ensinados a medir arcos com auxílio do transferidor.

Um terceiro autor afirma que:

Logo de início as figuras nos causam estranheza: Lá estão 2 arcos nitidamente diferentes, ambos unitários. A unidade é ambígua?

Poderíamos neste caso solicitar de um vendedor arame para fazer um arco de 1.º e ele tanto nos poderia dar 1 mm de arame como milhares de quilômetros, e estaria certo, em qualquer caso.

Por outro lado, as definições levam também ao seguinte: arcos de comprimentos iguais poderão ter medidas, em graus, distintas.

Frase 3: “A medida de um ângulo central é igual à medida do arco correspondente, na unidade graus”.

Como aparentemente está definido a primeira (medida de ângulo) supondo conhecida a segunda (medida do arco), e  não há informação prévia de como este poderia ser medido em graus, a frase dá imagem a  dúvidas.

Finalmente num quarto autor encontramos a frase seguinte, juntamente com as ilustrações e legendas da Figura 1.

Frase 4: “A unidade de arco (ou arco unitário) é o arco determinado na  circunferência por um ângulo central unitário (unidade de ângulo)”

Na Fig. 2 o arco AB mede um quarto do comprimento total da circunferência, isto é  

Na Fig. 3 o arco CD mede um oitavo do comprimento total da circunferências,isto é,

Embora  tenham comprimentos iguais, as definições apresentadas nos permitem dizer que a  medida do primeiro, em graus é 90°, e a do segundo 45o. Outro exemplo  insólito é o da figura 4, onde, dado o ângulo  inscrito na circunferência maior, pode-se concluir, segundo os autores, que m(CD) = 40º e m(AB) = 80º.

As definições como vimos, conturbam bastante a clareza dos idéias essenciais em Matemática, que sempre desejamos passar aos nossos alunos.

Para começar a desanuviar a confusão criada, lembramos  que as frases estariam  mais corretas se os autores houvessem frisado que iam introduzir a medida angular de um arco. Pelo menos a Frase 1 ficaria correta se começasse por: “A medida angular de um arco...” suprimindo ao final  as palavras vice-versa”.

Poderíamos então ter em circunferências concêntricas, arcos diferentes com a mesma medida angular e deveríamos chamar a atenção dos alunos para isto. Infelizmente os livros são obscuros e não esclarecem a diferença entre medida angular de um arco e seu comprimento. Consideramos essencial tomar claros esses pontos quando  os alunos estão iniciando o aprendizado dessa teoria.

Na verdade, a propriedade mais natural a ser medida num arco é o seu comprimento. Se propomos aos alunos determinarem a medida de um arco semicircular a ser feito sobre uma porta de 90 cm de largura, esperamos que (usando bom senso e realidade) eles nos respondam algo como 1,41 m, e não 180 graus. Analogamente, ao ler a questão “Qual é a medida do Não obstante, segundo os autores, a resposta correta seria 72º.

No caso de introduzir-se medida angular de um arco de circunferência, é necessário frisar que não se  está absolutamente  medindo o comprimento do arco, mas outra propriedade associada a ele, a saber  a abertura do ângulo central correspondente.

Visto que o conceito de medida angular de um arco requer cuidados ao ser dado, para que sejam transmitidas as verdadeiras idéias matemáticas envolvidas, ocorre-nos que devemos refletir sobre a necessidade ou urgência de darmos este conceito nesta fase de currículo.

Seria tal conceito imprescindível pra o prosseguimento da teoria? Um dos primeiros usos que os autores fazem da definição, é ao enunciarem a propriedade do ângulo inscrito numa circunferência.

Frase 1: “A medida de ângulo inscrito numa circunferência é igual à metade da medida do arco interceptado pelos seus lados”.

Frase 2: “A medida de um ângulo inscrito é igual à metade da medida do arco correspondente”.

Frase 4: “A medida de um ângulo inscrito é a metade da medida do arco correspondente”.

Ou, segundo os autores, a situação pode ser ilustrada pela Figura 7, de difícil entendimento pelos alunos.

Na verdade, o uso da medida de arco feita pelos autores, leva a uma fictícia simplificação da linguagem, que ao final camufla os fatos matemáticos envolvidos. Pois os que os autores teriam a dizer, de modo claro, seria o seguinte: “A medida de um ângulo inscrito é igual à metade da medida do ângulo central correspondente”, que dispensaria totalmente o conceito de medida angular de arco.

(É curiosos notar que o autor 2 enuncia desse modo, mas em seguida acha necessário reenunciar  em termos da medida de arco).

Costumamos explorar a propriedade num “Geoquadro circular”. Trata-se de uma placa de madeira, na qual desenhamos um círculo dividido em 24 ângulos de 15o. No centro, e em cada ponto divisório dos arcos são colocados pregos, enterrados apenas até a metade. (Fig. 8). Podemos marcar, com elásticos presos aos pregos, ângulos inscritos a 60o., 45o. , 30o, com auxílio dos esquadros. A medida do ângulo central correspondente poderá, nestes casos ser lida diretamente, contando-se o número de ângulos de 15o  contidos no ângulo central. A situação  mostrada no geoquadro torna-se  bastante  clara e elucidativa, como mostra a Fig. 8.

Quatro corolários imediatos são os que damos a seguir, ilustrados pelas Figuras 9, 10, 11 e 12.

1)      Dois ângulos inscritos numa circunferência, que determinam sobre ela arcos iguais, são iguais. (Ambos valem a metade do mesmo ângulo central; ou de ângulos centrais iguais.)

2)      Um ângulo inscrito numa circunferência, cujos lados encontram a mesma nos pontos extremos de um diâmetro, é reto. (A figura mostra que, no caso, o ângulo central mede 180º.)

3)      Duas  cordas que se cruzam determinam triângulos semelhantes. De fato, pelo Corolário 1, os ângulos inscritos sombreados são iguais, há 2 ângulos opostos pelo vértice, logo e  também são iguais; aliás poderíamos de partida ter notado que  =  também pelo corolário 1.

4)      Num quadrilátero inscrito num círculo, ângulos internos opostos são suplementares. O ângulo interno  é igual à metade do ângulo , o ângulo interno é igual à metade do ângulo , logo

.

Fig. 12

Estes são os fatos fundamentais relacionados à propriedade citada, e que os alunos devem conhecer de modo claro e sedimentado. Permitem a resolução de um número grande de problemas interessantes.

Há outros dois resultados, que também são conseqüências quase imediatas do Teorema do Ângulo Inscrito. Referem-se a ângulos internos ou externos aos círculos, que valem “a semi-soma ou a semi-diferença dos arcos”. Não são tão importantes que mereçam destaque especial, e introduzi-los nesta fase é dar ênfase a detalhes. Há livros que mencionam inclusive nomes para os ângulos em questão: “ângulo excêntrico interior” e “ângulo excêntrico exterior”, num evidente exagero de terminologia. Somos de opinião que uma maturidade dos aluno em aplicações do Teorema do Ângulo Inscrito os levará a resolverem de modo natural, fundamentado em argumentos geométricos, os problemas em que aparecem tais ângulos. Mentalizar mecanicamente esses resultados na 7.ª série é contraproducente à evolução do amadurecimento geométrico dos alunos. Não devemos sobrecarregar os alunos com fórmulas e resultados secundários, e solicitar deles mera aplicação imediata dos mesmos, num processo que envolve mais memória do que raciocínio.

Em resumo, deixamos algumas recomendações aos professores de 7.ª série, que desejam para seus alunos um aprendizado desses fatos geométricos que, além de claro, permaneça para além das provas.
 

Círculos – Ângulos Inscritos

1)   Faça seu aluno entender claramente o que é um ângulo inscrito, o que é um ângulo central, e quando um é correspondente do outro.

2)   Ignore o conceito de medida de um arco em graus.

3)   Faça-os certificarem-se experimentalmente de que: “O ângulo inscrito num círculo é igual à metade do ângulo central correspondente”. Este é um resultado fundamental. Esteja certo de que seus alunos o dominam.

4)   Conseqüência imediata: Ângulos inscritos que determinam arcos iguais são iguais.

5)   Lembre e use muito o fato de que o ângulo que corta a circunferência nas extremidades de um diâmetro mede 90º. (Vale a recíproca).

6)   Outra conseqüência: cordas que se cruzam determinam triângulos semelhantes.

7)   Mais uma: Quadriláteros inscritos num círculo têm ângulo internos opostos suplementares.

8)   Pare e dê muitos problemas usando apenas estes fatos. Faça constantemente os alunos notarem que estes fatos dependem somente do Teorema do Ângulo Inscrito.

9)   Desafios a justificarem teoricamente este teorema. Um caso particular é aquele em que um dos lados do ângulo inscrito passa pelo centro do círculo, o que tornará muito fácil a justificação. A partir daí podemos nos encaminhar progressivamente para completar a prova. No caso do centro ser interior ao ângulo inscrito, basta traçar um diâmetro do círculo e ângulo estará decomposto em dois, cada um deles nas hipóteses do caso particular.

Esta demonstração é um exemplo de um dos métodos preconizados por Polya, no seu livro “A arte de resolver problemas” (RPM nº 2, pág. 38): um problema auxiliar pode ser utilizado na resolução do problema original. No caso o auxílio virá de uma particularização do resultado – em vez de prová-lo logo para qualquer ângulo inscrito, provamos inicialmente apenas para aqueles que têm um lado sobre o diâmetro do círculo.

HUMOR NEGRO

P:  Será que um dia o computador vai substituir o professor em sala de aula?

R:  Nunca – o computador é muito caro.