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José
Luiz Pastore Mello
Nos últimos anos, muito se tem discutido sobre a importância do trabalho com projetos no meio escolar [4], mas nem sempre os esforços de abordagem teórica sobre o tema exemplificam de forma clara as possibilidades efetivas de uma prática metodológica da ação docente na condução de projetos de matemática. Partindo de uma situação-problema desafiadora, a proposta deste artigo é a de apresentar múltiplas possibilidades de abordagem do tema gerador no contexto de um projeto de matemática com alunos de ensino médio.
O vertical é uma modalidade de skate praticada em rampas em forma de U, conhecidas por Half Pipe. Essas rampas são feitas de compensado naval, um tipo de madeira bastante resistente, e, em geral, são compostas por uma parte central plana e dois arcos de circunferência nas laterais, como se vê no projeto indicado na figura 1:
Nas competições de vertical, os skatistas são avaliados segundo critérios de criatividade e grau de dificuldade das manobras, que devem ser executadas em um intervalo de tempo preestabelecido. Dessa forma, quanto menos tempo o skatista gasta percorrendo a extensão da rampa de um lado para o outro, mais tempo lhe sobrará para executar as manobras aéreas verticais que contam pontos. Dada a importância em fazer o percurso da rampa no menor tempo possível, poderíamos nos perguntar se a circunferência que compõe a lateral da rampa é, de fato, a curva do tempo mínimo de descida. Em outro contexto semelhante, poderíamos nos perguntar: qual deve ser a forma do escorregador de um parque infantil para que o tempo de descida seja o menor possível?
O problema da curva de tempo mínimo ligando dois pontos de alturas diferentes é conhecido como o problema da braquistócrona, termo que vem do grego brachisto, o mais breve, e chronos, tempo. Ao que tudo indica, esse problema foi originalmente enunciado em junho de 1696 por Johann Bernoulli na Acta Eruditorum, uma revista de matemática fundada por Leibniz. No final de 1696, provavelmente por uma deficiente distribuição da revista, não tinha sido apresentada nenhuma solução do problema além da de Leibniz, editor da revista, que o resolveu no mesmo dia em que o recebeu. Prolongado em seis meses o prazo do desafio, o problema foi resolvido por Jakob Bernoulli (irmão mais velho de Johann), L'Hospital, Huygens, Johann Bernoulli e Newton, que, ao que se sabe, também o resolveu no mesmo dia que tomou contato com o desafio. A curva que resolve o problema da braquistócrona é chamada ciclóide, nome dado por Galileu, que havia se interessado por outras de suas propriedades no início de 1600. A ciclóide é a trajetória descrita por um ponto de uma circunferência de raio R quando essa "roda", sem deslizar, sobre uma reta. (Para uma visualização dinâmica da formação de uma ciclóide, ver [7]) figura 2 Interessado em investigar a área compreendida entre um arco de ciclóide e a reta sobre a qual roda a circunferência, Galileu calculou a razão entre a massa de um molde no formato de uma ciclóide e a de um molde do círculo gerador. O resultado encontrado foi aproximadamente 3, o que o fez conjecturar que a razão entre essas áreas talvez pudesse ser igual a p. Em 1634, o matemático francês Roberval prova que a área da região limitada pela ciclóide e pelo eixo horizontal é exatamente o triplo da área do círculo gerador. A publicação de uma demonstração desse resultado só foi feita em 1644 por Torricelli, discípulo de Galileu. Em 1658, o astrônomo, matemático e arquiteto inglês Cristopher Wren (construtor da catedral de St. Paul em 1666) publica a demonstração de que o comprimento de um arco de ciclóide é 8 vezes o raio do círculo gerador. Outro interessante problema que também tem a ciclóide como solução é o da tautócrona, ou "tempo igual". Se soltarmos duas esferas simultaneamente de alturas distintas em uma rampa cicloidal, ambas chegarão no ponto mais baixo da rampa ao mesmo tempo. A demonstração matemática de que a ciclóide é a curva da braquistócrona e da tautócrona, bem como da relação da área e do comprimento da ciclóide com o círculo que dá origem à curva, não é objetivo deste artigo, mas pode ser encontrada nas referências [3] e [6]. Para visualizar a braquistócrona e a tautócrona com recursos dinâmicos de animação, recomenda-se uma consulta à referência [8].
Sendo a ciclóide a curva do tempo mínimo, nosso próximo objetivo será o de parametrizar a curva para, em uma etapa posterior, elaborar uma planta para a construção de uma rampa de skate com bordas cicloidais. Em uma circunferência de raio R, que "rola sem escorregar" sobre o eixo das abscissas, marcamos um ponto P, cuja trajetória será uma ciclóide. A figura 3 indica a situação descrita, sendo (OA, OE) as coordenadas do ponto P. figura 3 Admitindo que, na situação inicial, P coincide com a origem do sistema de eixos, a medida do arco é igual a R e coincide com a medida do segmento OB. Do triângulo retângulo CDP, temos que PC = Rsen e DC = Rcos. Sendo OA = R - Rsenq e OE = R - Rcos, as coordenadas de P(x, y), em função do parâmetro , são: . (Verificar que essas expressões valem para outras posições do ponto do P, diferentes da indicada na figura 3.) Um ciclo completo da trajetória de P inicia com coordenadas (0, 0), atinge ordenada máxima em (R, 2R) e termina com coordenadas (2R, 0). Voltando ao projeto de rampa da figura 1, se substituirmos os arcos de circunferência por arcos de ciclóide, teremos uma rampa de tempo mínimo ligando um ponto de altura 1,60 metro e outro a zero metro, melhorando a eficiência da rampa para as competições de vertical. Equacionando a nova planta de rampa em um sistema de coordenadas, com q (em radianos) no eixo das abscissas, teremos:
Partindo de uma ciclóide como a da figura 2, obtivemos a curva da figura 4 da seguinte forma: a) adotando R = 0,8, a equação paramétrica da curva da figura 2 será: x = 0,8 ( - senq) e y = 0,8 (1 - cos); b) fazendo uma reflexão dessa curva pelo eixo das abscissas, obtém-se uma nova curva de equação: x = 0,8 ( - sen) e y =-- 0,8 (1 - cos); c) transladando a nova curva 1,6 unidade para cima, obtém-se uma curva de equação: x = 0,8( - sen) e y = 1,6 - 0,8(1 - cos); d) pelo eixo vertical de simetria da nova curva, translada-se apenas o semiarco do lado direito 4 unidades para a direita. Em resumo, a rampa indicada na figura 4 é modelada pela equação paramétrica: Para no intervalo [0; 0,8] Para no intervalo ]0,8; 0,8 + 4[ Para no intervalo [0,8 + 4; 1,6 + 4]
Tendo modelado o problema da rampa de skate através de equações, podemos utilizar um programa de computador para construir e imprimir o gráfico da curva e, com isso, gerar uma planta para a construção de modelos experimentais da rampa. Alguns programas que po-dem ser usados com essa finalidade são: Winplot (dis-tribuição gratuita), Graphma-tica (distribuição livre), Cabri-Géomètre (distribui-ção comercial). Ilustramos ao lado a construção do gráfico da rampa cicloidal feita no programa Winplot, cuja versão gratuita em português pode ser obtida através da referência [9]. Apesar de o uso desse programa não envolver maiores dificul-dades, caso se deseje uma orientação sistemática para a manipulação do Winplot, recomenda-se a referência [2]. Ainda utilizando o Winplot, nossa última proposta será a de modelar curvas no formato de circunferência, reta, parábola e ciclóide para a construção de rampas, em modelos de madeira, que permitam a investigação experimental da braquistócrona e da tautócrona na ciclóide. Adotando rampas de altura 2 unidades, nossa proposta é que se modele, em um sistema de coordenadas, curvas com as seguintes características: a) ciclóide: gerada por uma circunferência de raio 1, com máximo em (0, 2) e mínimo em (, 0); b) reta: passando pelos pontos (0, 2) e (, 0); c) parábola: com vértice em (, 0) e passando por (0, 2); d) circunferência: com centro (, y0) e passando pelos pontos (0, 2) e (, 0). Deixo por conta do leitor a verificação de que as equações procuradas, com 0 < x < , são:
O gráfico dessas curvas, feito no Winplot, mostra que a ciclóide é a curva de maior comprimento entre as quatro comparadas, o que reforça ainda mais a curiosidade por uma verificação experimental de que ela, ainda assim, seja a curva do "tempo mínimo". Imprimindo as quatro curvas, podemos utilizar serviços de ampliação por copiadora para obter plantas para a construção de modelos das rampas em madeira. Vale mencionar que algumas empresas de cópias fazem a plotagem das curvas a partir de um disquete com o programa Winplot (ou outro programa utilizado) e o gráfico gerado no programa. Esse serviço tem a vantagem de permitir a plotagem em tamanho maior do que o limite de ampliação das máquinas copiadoras.
Além de investigar experimentalmente a braquistócrona e a tautócrona soltando esferas nas rampas, os modelos também permitem que se faça uma comparação experimental entre áreas (pelo processo de Galileu) e comprimentos (utilizando barbante e fita métrica).
Referências bibliográficas [1] ALLINGER, Glenn D. (e outros). Mathematics
projects handbook. Virginia: NCTM, 1999. Os sites recomendados abaixo foram consultados e estavam ativos em 22/07/05. [7] http://www.ies.co.jp/math/java/calc/cycloid/cycloid.html
(ciclóide)
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