José Cloves Verde Saraiva

Na RPM 42, p.10, há uma observação aritmética feita por Galileu (1594-1642) quando ele trabalhava no problema da quebra livre dos corpos. Galileu observou:

E pergunta-se: É possível construir outras seqüências com propriedades análogas a essa encontrada por Galileu?

O objetivo principal destas notas é apresentar outras sequências desse tipo.

     Seqüência de Galileu

Dizemos que a seqüência de números inteiros positivos a0 = 1, a1, a2, ..., ak-1, ak, ..., a2k-1, ... é uma seqüência de Galileu de razão se vale a seguinte propriedade:

Admitindo que a seqüência dos números ímpares 1, 3, 5, ..., 2k + 1, ... é uma sequência de Galileu, como afirmado acima, seria uma sequência de razão 1/3.

Antes de provar que a seqüência dos ímpares é, de fato, uma seqüência de Galileu, trataremos da interpretação geométrica das suas somas parciais como quadrados perfeitos. Propriedade essa já conhecida dos pitagóricos.

As figuras sugerem e é fácil ver, usando a fórmula da soma de n termos de uma progressão aritmética, que

1 + 3 + 5 + ... + (2n - 1) = n2, n N.

Por outro lado, construindo as seqüências dos numeradores e denominadores das frações, podemos ter uma visão geométrica da razão constante 1/3.

         Numeradores                                 Denominadores

Portanto notamos, geometricamente, que vale:

A prova algébrica é muito fácil e para isso escrevemos as igualdades:

Sabendo que 1 + 3 + 5 + ... + (2k - 1) = k2 e sendo

D = (2k + 1) + ... + (4k - 1), temos

1 + 3 + 5 + ... + (2k - 1) + D = 1 + 3 + 5 + ... + (4k - 1) = (2k)2,

ou melhor,

k2 + D = (2k)2 k2 + D = 4k2 D = 3k2,

comprovando que, para todo k N, vale

concluindo a prova de que os números ímpares formam uma sequência de Galileu de razão 1/3.

     Construindo seqüências de Galileu

Sabendo que a seqüência dos números ímpares tem por somas parciais um quadrado perfeito, é natural investigar, primeiramente, a sequência que tem por somas parciais um cubo perfeito, e daí as outras.

Usando a mesma interpretação geométrica espacial, temos:


a0 = 1               a1 = 7                       a2 = 19           ....             ak = 3k2 + 3k + 1  

Vamos provar que essa é realmente uma seqüência de Galileu de razão 1/7, verificando que valem as igualdades abaixo para todo k.

NUMERADORES                                 DENOMINADORES        
1   
7   

 

1 + 7   
19 + 37   

 

1 + 7 + 10   
3 + 61 + 19   

Um simples cálculo algébrico mostra que

N = 1 + 7 + 19 + ... + (3(k - 1)2 + 3(k - 1) + 1) = k3
1 + 7 + 19 + ... + (3(k - 1)2 + 3(k - 1) + 1) + D = 1 + 7 + 19 + ... +
(3(k - 1)2 + (3(k - 1) + 1) + (3k2 + 3k + 1) + ... +
3(k - 1)2 + 3(2k - 1) + 1) = (2k)3 = 8k3.

Portanto,

k3 + D = 8k3 D = 8k3 - k3 = 7k3

e, assim, podemos verificar que , concluindo a prova de que a seqüência cujas somas parciais são cubos perfeitos forma uma seqüência de Galileu de razão 1/7.

     Conclusão

As seqüências de Galileu acima estudadas podem ser dadas por:

ak = 2k + 1, ou melhor, ak = (k + 1)2 - k2, com razão .

bk = 3k2 + 3k + 1, ou melhor, bk = (k + 1)3 - k3, com razão .

É simples ver que para todo número natural n, com n > 3, a seqüência de termos ck = (k + 1)n - kn é, seqüências de Galileu cuja razão é 1/(2n - 1). Deixamos a prova para leitor.

Fica a questão de saber se as seqüências exibidas são todas as seqüências de Galileu (embora, para todo número real , as seqüências (k) sejam consideradas de Galileu).