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Frederico
Reis Marques de Brito
Os números que, na base 10, são escritos usando-se somente o algarismo 1: 1; 11; 111; 1111; ..., têm uma série de peculiaridades que despertam a atenção de matemáticos e também de leigos. Em especial, servem como curiosidades que os professores de matemática podem oferecer a seus alunos como uma mostra da beleza natural dessa ciência. Esses números são chamamos de repunidades, nome adotado por Albert H. Beiler em 1964, significando algo como unidades repetidas. Indicamos a n-ésima repunidade por Rn:
Como se pode verificar facilmente,
Além disso, podemos defini-los recursivamente, pondo:
Em seu artigo de 1978, Samuel Yates, impressionado pelas propriedades surpreendentes das repunidades, refere-se a elas como "místicas". Para entendermos o porquê desse adjetivo, vejamos algumas curiosidades numéricas sobre as repunidades
E o que há de comum nos seguintes produtos?
A resposta é que todos os resultados são palíndromos, isto é, números que têm uma representação decimal que, lida da direita para a esquerda, coincide com a lida da esquerda para a direita. E o fato é mais geral: Rn . Rm, com m < n e m < 9, é sempre um número palíndromo. Outro fato interessante é dado pela proposição a seguir.
(Rn - n) é sempre múltiplo de 9. Demonstração Demonstraremos esse fato por indução em n. Se n = 1, a afirmativa é verdadeira, pois R1 - 1 = 0. Suponha que (Rn - n) seja múltiplo de 9, para algum n, isto é, Rn - n = 9k, com k Z. Então Rn + 1 - (n + 1) = 10 Rn + 1 - (n + 1) = 9Rn + (Rn - n) = 9(Rn + k) é múltiplo de 9, o que comprova nossa afirmação. Para 2 < n < 10, temos algo ainda mais surpreendente:
Os Rn surgem também em problemas fora da teoria dos números. Por exemplo, em [3] encontramos uma interessante aplicação: Ao escrevermos todos os números naturais de 1 até N, o número total de dígitos escritos é n(N + 1) - Rn , em que n representa o número de dígitos de N. Vejamos um exemplo: Se N = 23, ao escrevermos 1, 2, 3, ..., 23, escrevemos um total de dígitos igual a 37, e, nesse caso, n(N + 1) - Rn = 2(23 + 1) - 11 = 48 - 11 = 37. Voltando às propriedades aritméticas, uma característica das repunidades, fácil de verificar, é:
Exceto R1 = 1, nenhum Rn é quadrado perfeito. Demonstração Uma forma de mostrar que duas quantidades inteiras são diferentes é verificar que elas deixam restos diferentes quando divididas por um mesmo número inteiro. Usaremos essa técnica aqui. Observe que:
em que t = 25Rn-2 + 2. Portanto, para n > 2, Rn deixa resto 3 na divisão por 4. Por outro lado, como todos as repunidades são ímpares, se algum deles fosse um quadrado perfeito, seria o quadrado de algum número ímpar. Assim, Rn = (2k + 1)2 = 4(k2 + k) + 1 seria da forma 4q + 1, ou seja, Rn deixaria resto 1 na divisão por 4, contrariamente ao que provamos acima. Mais geralmente, também é possível provar que, exceto R1 = 1, nenhuma repunidade é um cubo perfeito, ou uma k-ésima potência, com k > 2, mas nesses casos a prova não é tão simples. A maior parte das propriedades especiais dos Rn se refere a divisibilidade e a sua fatoração. Por exemplo, R2 = 11 é primo, já R3 = 111 é múltiplo de 3, enquanto R4 = 1111 é múltiplo de R2 (note que, se n é par Rn é múltiplo de 11). Citaremos alguns resultados sobre os fatores de Rn.1
Se n é múltiplo de m, então Rn é um múltiplo de Rm. Em particular, se n é um número natural composto, então Rn também é composto. Demonstração Suponha que n = mk, com k N. Nesse caso, 9Rn = (10m)k
- 1 = (10m - 1) (1 + 10m + 102m
+ ... + 10(k-1)m) Somos levados a nos perguntar se vale a recíproca, isto é, se, quando n é primo, Rn também o é. Como já dissemos anteriormente, R3 não é primo, o que mostra que a recíproca da proposição anterior é falsa. Aliás fatorando os primeiros Rp, com p primo, temos: R5 = 41 x
271
Então R19 e R23 são primos. Depois desses, as próximas repunidades primas são R317 e R1031, descobertos em 1978 e 1986, respectivamente. Já foi provado, veja [1], que não existem outros Rn primos se n < 50000. Permanece em aberto a questão de saber se há infinitos Rn primos.
Há ainda muitos outros resultados interessantes e até surpreendentes, como: Para cada número primo p 2,5 há infinitas repunidades múltiplas de p. Por exemplo, se p = 3,3 divide R3n para todo n N. Se p é um número primo, p > 5, então todo divisor de Rp deixa resto 1 na divisão por p, isto é, é da forma (kp + 1), com k inteiro. Por exemplo, R5 = 41 x 271. Tanto 41 quanto 271 deixam resto 1 quando divididos por 5. Encerramos esse artigo com uma "inusitada" aplicação. O último resultado nos fornece mais uma elegante demonstração da infinidade de números primos. De fato, suponha, por absurdo, o conjunto de primos finito e, nesse caso, seja p o maior número primo. Claramente Rp tem algum divisor primo, digamos q. Então q deixa resto 1 quando dividido por p, ou seja, p é um divisor de q - 1 e, portanto, q > p, contrariamente à hipótese de que p era o maior dentre todos os primos.
Referências bibliográficas [1] DUBNER, H. Generalized repunits
primes. Math. Comp., 61, 1993. 1 Para o próximo resultado, lembramos que xk - 1 = (x - 1)(1 + x + x2 + ... + xk-1), como podemos demonstrar fazendo uma indução simples em k. |